ODS 15

Guardiões da Floresta: a história e o cotidiano da vida na Amazônia

Difícil segurar a emoção ao ver traduzido em imagens o cotidiano dos guardiões da floresta Puyr Tembé e Marçal Guajajara, que arriscam a vida para proteger seus rios, suas aldeias e seu modo de vida do avanço implacável do desmatamento.

Guardiões da Floresta: a história e o cotidiano da vida na Amazônia

Somos Guardiões” é um filme de aventura que une política, história, economia, ciência. É também um movimento internacional em defesa da Amazônia.

por Darlene Menconi, especial para a Envolverde –

Difícil segurar a emoção ao ver traduzido em imagens o cotidiano dos guardiões da floresta Puyr Tembé e Marçal Guajajara, que arriscam a vida para proteger seus rios, suas aldeias e seu modo de vida do avanço implacável do desmatamento.

O documentário de 82 minutos acompanha ainda um madeireiro preso na luta para sobreviver à custa de derrubar árvores ilegalmente em áreas protegidas. E mostra a impotência de um proprietário de terras à mercê dos invasores, diante da omissão do poder público.

A perspectiva científica fica a cargo da pesquisadora Luciana Gatti, que produziu as primeiras evidências claras de que a floresta amazônica carrega umidade, influencia o regime de chuvas e, portanto, contribui para estabilizar o clima global.

Desse mosaico de visões e conflitos de interesse surgem as conexões econômicas com corporações cujos produtos provenientes da Amazônia são distribuídos a consumidores ao redor do mundo. E é aqui que cada um de nós pode fazer diferença.

AVAREZA

Desde jovem, Puyr Tembé assumiu a dianteira nas patrulhas e confrontos com madeireiros, caçadores ilegais e invasores que ameaçavam as terras de sua família, o povo Tembé.

Há 40 anos os Tembé lutam para salvar a Terra Indígena Alto Rio Guamá, território de 280 mil hectares habitado pelos povos Guajá, Ka’apor e Tembé. Esses indígenas Tenetehara, da família linguística Tupi-Guarani, vivem em harmonia e conexão com espíritos, plantas e animais em uma das últimas florestas remanescentes no estado do Pará.

A reserva indígena localizada nos municípios de Garrafão do Norte, Santa Luzia do Pará, Nova Esperança do Piriá e Paragominas foi reconhecida em 1945 e homologada em 1993. Em 2014 houve determinação judicial para a desintrusão das famílias invasoras que se recusavam a desocupar a área.

Puyr dedicou a vida ao movimento em defesa dos povos indígenas. Foi membro da executiva da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira e cofundadora da Associação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

Em 2023 assumiu o cargo de Secretária dos Povos Indígenas do Estado do Pará, com a missão de dar voz ao povo indígena e visibilidade à sua luta por direitos.

No filme é possível acompanhar as renúncias pessoais de Puyr, que deixa a aldeia e a família para trabalhar na capital paraense, Belém. Seu compromisso é transmitir aos descendentes os saberes da ancestralidade, e o entendimento do papel hereditário em defender o território como se defende a vida, o direito das mulheres, o planeta.

Como mulher-água que é, Puyr atravessa fronteiras, oceanos e leva as vozes indígenas para além de sua aldeia. Percorreu o mundo na turnê de lançamento do documentário Somos Guardiões.

SOBERBA

Parente e parceiro de luta de Puyr Tembé, Marçal Guajajara também fala a mesma língua e enfrenta ameaças semelhantes.

Em sua epopeia de sobrevivência, os Tenetehara conviveram com não indígenas em diversas missões de ocupação, projetos de mineração, construção de estradas, invasões de fazendeiros, madeireiros, traficantes.

Para proteger seus territórios da ocupação incessante, várias etnias formaram uma espécie de guarda florestal chamada “Guardiões da Floresta”, grupo com atuação em diversas regiões do Maranhão.

Marçal Guajajara é o coordenador regional dos guardiões da floresta em sua aldeia natal, Zutiwa, na Terra Indígena Araribóia. Com 413 mil hectares, o território se estende por seis municípios no Maranhão, abriga povos isolados e está sufocado pela devastação, pelo desmatamento e pela contaminação por agrotóxicos.

Armados muitas vezes apenas de força e coragem, guardiões como Marçal exercem o trabalho voluntário e perigoso de fiscalização, proteção das terras e combate às queimadas.

Com frequência, os vigilantes florestais são alvo de emboscadas e assassinatos. Desde 2012, o Conselho Indígena Missionário (Cimi) conta 48 mortes violentas de Tenetehara. Entre 2016 e 2022, seis guardiões foram assassinados, o que atraiu a atenção de organizações internacionais de direitos humanos.

A ação de caçadores e madeireiros ilegais, grileiros, fazendeiros que desmatam as cabeceiras dos rios para criar gado ou plantar eucalipto e vender para empresas de celulose deixou saldo de 25 mil hectares devastados na Terra Indígena Araribóia até 2022, segundo o Instituto Socioambiental (ISA).

“Essa é a nossa realidade”, diz Marçal, entre lágrimas, em entrevista à Envolverde.

IRA

Motivado pelo sonho de construir uma nova vida, em 1967 Tadeu Fernandes se instalou na Amazônia, onde decidiu empreender. Na década de 1990, ele e o sócio transformaram 28 mil hectares de mata preservada em um hotel ecológico. Por volta de 1987, os mapas de satélite indicavam um santuário de natureza intocada no local, assim como na vizinha reserva da Floresta Nacional de Jacundá.

Com a abertura de estradas por madeireiros e invasores, mais da metade do local deu lugar a uma comunidade com serrarias, exportadores de madeira, posseiros, grileiros. O documentário mostra a angústia e a impotência do empresário diante do silêncio das autoridades municipal, estadual e nacional, a quem ele faz inúmeros apelos. Sem sucesso.

INVEJA

A pobreza, a miséria e a destruição fazem parte da rotina do outro personagem do filme, Valdir Duarte, cujo trabalho é manejar a motosserra para cortar árvores em território indígena invadido. Ele sobrevive em condições precárias, com longas jornadas que o obrigam a permanecer 25 dias por mês longe da família, embrenhado na floresta.

A jornalista Darlene Menconi entrevista a cineasta Chelsea Greene

Valdir se viu forçado a abandonar a escola aos oito anos de idade para ajudar no sustento da família. Aprendeu a cortar madeira com o pai. No filme, ele lamenta a própria sorte e o fato de precisar de um trabalho perigoso como o de madeireiro ilegal, sob constante risco de ser preso ou morto.

A grande surpresa do filme está justamente nesse personagem, que nos dá esperança de uma recuperação, de uma nova consciência.

A direção do documentário Somos Guardiões é de autoria de Edivan Guajajara, nascido na aldeia Zutiwa, na Terra Indígena Araribóia, e cofundador do coletivo de jornalismo Mídia Indígena, e pelos cineastas ambientais norte-americanos Chelsea Greene e Rob Grobman.

Na produção executiva estão Fisher Stevens, ator da série Succession e vencedor do Oscar pelo documentário A Enseada, e a produtora do ator Leonardo DiCaprio.

O filme estreou mundialmente no festival de documentários de Toronto, no Canadá, em maio de 2023. Depois foi exibido em festivais no México, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde recebeu o prêmio do público de melhor documentário brasileiro, e esteve em outros festivais internacionais, onde contou com apoio de estrelas de cinema como Mark Ruffalo. Também foi exibido no TEDx Amazônia, em Manaus, na Conferência do clima COP28, em Dubai, e está disponível na Netflix desde 28 de janeiro de 2024.

Somos Guardiões, ou “We Are Guardians”, é o primeiro papel de Chelsea Greene como diretora de longa-metragem. Dedicada à produção de filmes ambientais e de vida selvagem para emissoras de TV, ela realizou documentário sobre a destruição das florestas tropicais de Bornéu, com o diretor Kent Wagner.

Os incêndios florestais de 2019 em sua terra natal, o Oregon, nos Estados Unidos, e as queimadas na Amazônia, no mesmo ano, despertaram seu interesse e sua jornada espiritual que resultou na campanha de impacto “We are Guardians”, para arrecadação de fundos e apoio aos guardiões da floresta.

Em entrevista à Envolverde, (INCLUIR LINK), Chelsea fala dos países que cobram do Brasil atitudes para preservar a Amazônia e ao mesmo tempo compram madeira ilegal vinda da floresta. Nomeia os Estados Unidos e a China, em particular.

Também alerta sobre o papel de cada indivíduo para pressionar as corporações que lucram a partir dos produtos retirados da floresta, como as indústrias de carne, soja e agrotóxicos.

ORGULHO

Sem floresta não há chuva, e sem chuva, não há floresta.

Reconhecer e fortalecer os direitos territoriais indígenas não apenas promove justiça social, mas é crucial para a proteção e a preservação dos estoques de carbono na Amazônia.

Os povos indígenas são indispensáveis para combater a crise climática. Seu modo de vida e práticas ancestrais de respeito e harmonia com a natureza contribuem para conservação das florestas e a baixa perda de carbono.

É urgente reconhecer, promover e fornecer incentivos ao trabalho dos povos originários, guardiões ancestrais de seu território.

Para fazer parte do movimento em apoio aos guardiões da floresta, basta acessar as redes sociais https://www.instagram.com/weareguardiansfilm/  https://www.weareguardiansfilm.com/pt

Darlene Menconi – jornalista multimídia, especializada em Tecnologia, Sustentabilidade e Liderança Feminina. Participa do Conselho editorial da Envolverde.

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