Criada em 1996, a Guariba-Roosevelt é a única reserva extrativista de Mato Grosso e é uma das últimas áreas de extrativismo tradicional no estado. A comunidade sobrevive da coleta da castanha, do óleo de copaíba e da borracha.
Por Maiana Diniz* –
A estrada de terra que parte de Colniza em direção à vila do Guariba, distrito do município a cerca de 150 km de distância, é margeada por áreas abertas de pasto, sem vegetação nativa, a não ser a típica árvore de babaçu. Todos na região sabem o motivo: a espécie estraga a corrente da motosserra e é ruim de derrubar o que explica porque sobreviveram no cenário desmatado.
A cerca de 80 km de Colniza, no extremo noroeste do estado, próximo ao Amazonas e a Rondônia, a paisagem muda com o surgimento de árvores altas que anunciam a Floresta Amazônica densa em áreas conservadas da região.
Do lado esquerdo da estrada fica a Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, com 138.092 hectares nos municípios de Aripuanã e Colniza, onde vivem cerca de 400 ribeirinhos extrativistas que tiram o sustento da mata em pé. Do lado direito da estrada fica a Terra Indígena (TI) Kawahiva do Rio Pardo, com 411.844 hectares, onde vive um grupo de indígenas isolados da etnia Kawahiva, do tronco linguístico Tupi.
“Do Rio Aripuanã até o Rio Guariba era tudo mato. Nos últimos dez anos derrubaram tudo”, conta Jair Candor durante a viagem até a base da Fundação Nacional do Índio (Funai), a 114 quilômetros de Colniza, onde trabalha desde que provou a existência do grupo Kawahiva do Rio Pardo, em 1999.
As duas áreas são ilhas de conservação da Amazônia no noroeste ameaçado de Mato Grosso. Mas quem vive lá conta que as tentativas de invasão são recorrentes. Os territórios não estão imunes à pressão fundiária. Um dia após a visita da equipe da Agência Brasil ao acampamento provisório da equipe da Funai na terra indígena, o responsável Jair Candor encontrou um acampamento de grileiros com cerca de 150 pessoas dentro da área protegida por lei. Eles estavam morando em uma área recém-desmatada.
Os funcionários da Funai têm poder de polícia dentro da área interditada, mas não têm recursos para grandes operações. Por não conseguir enfrentar o problema sem ajuda, o sertanista apenas notificou os superiores. Ele informou que quando a Polícia Ambiental de Cuiabá chegou à região, os grileitos já não estavam no local, mas dentro de áreas de fazendas interditadas. “Vimos os lotes marcados dentro da TI, mas disseram que era engano e que não iam mais invadir a área.”
Filho e neto de extrativistas, o líder comunitário Ailton Pereira dos Santos disse que se a reserva não tivesse sido criada “já estaria tudo ocupado e detonado”. “A pressão para que a gente saísse e as terras fossem tomadas, especialmente para exploração da madeira, era muito grande“, lembra. Ele vive em São Lourenço, comunidade ribeirnha de 250 habitantes às margens do Rio Guariba, dentro da reserva extrativista.
Professor da escola de São Lourenço, Ailton afirma que a comunidade tem uma visão diferente sobre desenvolvimento. “Temos uma ideia clara de que para desenvolver não é preciso desmatar. Desenvolvimento é manter para os nossos netos o que recebemos dos nossos avós”, diz.
A Secretaria de Meio Ambiente do estado avalia que a Resex, além de preservar o meio ambiente e o modo de vida dessas populações, contribui para a conectividade ambiental da região noroeste e “ao lado das demais unidades de conservação do noroeste de Mato Grosso maximiza os esforços de conservação e funciona como barreira ao avanço do Arco do Desmatamento em sentido norte”, conforme parecer técnico do órgão sobre a reserva.
As invasões continuam mesmo após a criação da reserva. O promotor Daniel Luís dos Santos, que atuou no município de Colniza no último ano – a rotatividade de promotores na região é enorme –, contou que na última grande operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em meados de 2015, foram autuadas 30 pessoas e encontradas grandes áreas devastadas, uma delas de 4 mil hectares de desmatamento.
“Uma estrada saía da vila do Guariba, passava por uma fazenda e ia para dentro da Reserva Extrativista Guariba Roosevelt. Essa estrada não tinha outro caminho, não tinha outra finalidade senão entrar na Resex. Lá foi encontrada uma esplanada onde se explorava madeira e era escoada por essa estrada para, provavelmente, ter toras esquentadas em Guariba mesmo, pois não vale a pena transportar a madeira bruta para muito longe. É provável que essas toras tenham sido serradas em Guariba e escoadas como legais”, conta o promotor.
Gerente da reserva, o funcionário da Secretaria de Meio Ambiente José Cândido Primo contou que a estimativa é que 4 mil cubos de madeira tenham sido retirados da Resex só no ano passado. “No distrito Guariba tem 42 serrarias no papel. Instaladas, são 18. Aptas para operar, são apenas 8.” Segundo ele, existe uma operação montada na região para forjar notas e transformar madeira ilegal em legal.
Ailton, que é presidente da Associação de Moradores, disse que os órgãos de fiscalização têm ido cada vez mais à reserva, o que era raro no passado. Ele defendeu a delimitação da área da reserva como medida para impedir invasões e deixar claro a área protegida. “Hoje não tem placa, cerca, nada. Isso vai facilitar até para que nós, moradores, também possamos ajudar a fiscalizar.”
Alisio Pereira dos Santos vive próximo ao irmão Ailton em uma colocação [área reservada a cada família, com espaço para casas, roça e pontos de extrativismo] às margens do Rio Guariba, também na comunidade de São Lourenço, dentro da Resex Guariba Roosevelt.
Nascido e criado em São Lourenço, Alísio lamenta ter visto o desmatamento avançando tão rapidamente na região. “Apesar de a gente cuidar e manter a floresta conservada aqui na reserva, essa destruição total da mata em volta da área protegida está levando à diminuição de animais de caça e do volume da água do Rio”, avalia. Ele contou que nos últimos 20 anos, sempre a partir de agosto, a fumaça toma conta de toda a região. “É uma prática generalizada, especialmente entre grileiros”, lamenta. “A gente ainda come carne de bicho do mato, mas está difícil caçar por aqui agora. Os catetos, os veados, foram embora por causa das queimadas anuais.”
O especialista e chefe do Ibama Evandro Selva explicou que, após a destruição da mata original, é difícil recuperar a floresta e alcançar a mesma variedade de biodiversidade e equilíbrio entre espécie das originais. “Não existem cálculos precisos de quando uma floresta secundária vai atingir esse potencial em termos madeireiros e não madeireiros, mas estimo muito mais de 100 anos. Temos acompanhado florestas secundárias em campo e, às vezes, a pobreza da biodiversidade é tanta que poucas espécies sobrevivem nas áreas. Temos experiência com florestas de mais de 20 anos em que nunca foi registrada uma onça passando. Então, calculamos mais de 100 anos para alcançar a riqueza da original”, diz Selva.
Reserva Guariba-Roosevelt
Comunidade sobrevive da coleta da castanha
Criada em 1996, a Guariba-Roosevelt é a única reserva extrativista de Mato Grosso e é uma das últimas áreas de extrativismo tradicional no estado. A comunidade sobrevive da coleta da castanha, do óleo de copaíba e da borracha. Atrás das casas de madeira construídas nas margens do Guariba, a distância segura das variações do rio, também praticam agricultura orgânica para subsistência.
A área inicial da reserva era de 57.630 hectares, mas sempre foi considerada insuficiente pelos moradores da região, que contam que a área abrangia apenas 7 das 40 colocações da comunidade no Rio Guariba. Ou seja, a maior parte das áreas de roças, os castanhais, os seringais nativos e os locais privilegiados de pesca, coleta e caça estavam fora do limite protegido. Em 2007 a reserva foi ampliada para 138.092 hectares.
Além das colocações nas margens do Guariba, a Resex abrange outras comunidades que vivem nas margens no Rio Roosevelt.
Em 2015, numa decisão que foi revogada posteriormente pelo estado, a área foi reduzida para o limite original pela Lei 10.261/2015. Em abril do mesmo ano, o governo do estado voltou atrás na decisão e ampliou a área por meio de um decreto.
A criação da reserva extrativista estadual ainda não garantiu regularização fundiária da área protegida. Os fazendeiros que têm terras na região estão com as propriedades interditadas e aguardam indenização. Quando a área foi criada, em 1997, constavam registros e processos de títulos definitivos em favor de 37 proprietários, entre pessoas físicas e jurídicas.
Transporte precário deixa população vulnerável e dificulta o acesso à saúde, educação e programas sociais
Apesar de manter a floresta em pé, as famílias que vivem na comunidade de São Lourenço, na Resex, enfrentam dificuldades de locomoção devido à falta de infraestrutura de transporte no local.
Um dos principais problemas relatados pelas famílias é a dificuldade de buscar atendimento médico em casos de urgência e de acessar políticas públicas.
Beneficiária do Bolsa Família há cinco anos, Artemísia Alves dos Santos tem quatro filhos e recebe R$ 250 por mês. Ela contou que as mulheres da comunidade viajam em condições precárias para buscar o benefício na cidade de Aripuanã todos os meses, sem o apoio da prefeitura. “Quando chega o dia do recebimento, ficamos na dependência de carona para irmos até a cidade. Às vezes vamos na carroceria de caminhões, às vezes, de moto. Se eu tiver que pagar para ir até a cidade, custa mais de R$ 300, não compensa”, explicou. Artemísia lembrou que os aposentados da comunidade enfrentam o mesmo problema.
O líder comunitário Ailton Pereira dos Santos, marido de Artemísia, disse que é comum as pessoas deixarem o benefício acumular por mais de um mês para compensar os gastos com a viagem. “Para ir até Aripuanã de ônibus, município vizinho de Colniza onde a maioria recebe, custa R$ 100. Ida e volta, R$ 200. Ainda é preciso somar a gasolina do barco para chegar até a estrada. O ideal seria que alguém buscasse os beneficiários para irem todos juntos à cidade ou que os benefícios fossem pagos na própria comunidade”, avalia Ailton. “Outro problema é que se atrasarmos mais de três meses, o benefício é bloqueado”, afirma Artemísia.
O acesso dos moradores a serviços de saúde também é precário. Para chegar até o posto de saúde mais próximo, no distrito de Guariba, leva-se até quatro horas nos barcos comuns da região, ou uma hora e meia em barcos rápidos até a ponte na estrada, mais 15km até o distrito. Se for necessário ir à cidade de Colniza, a viagem pode levar até seis horas.
Os moradores da comunidade se ressentem de meios de se comunicar. Não há rede de telefonia no local. Recentemente a escola da comunidade recebeu computadores. Para viabilizar o acesso à internet, painéis solares de um projeto do Ministério da Ciência e Tecnologia foram instalados. A expectativa para que a internet possa ser usada, principalmente entre os mais jovens, é grande, mas a data ainda não foi definida.
Algumas casas têm televisão que funciona com gerador, mas os entrevistados contaram que a principal fonte de informação da população ribeirinha é o rádio.
O professor Ailton Pereira dos Santos é o educador responsável pela escola de ensino fundamental da comunidade há 19 anos. Com cerca de 40 crianças de idades variadas, a escola fica na colocação em que Ailton mora, herdada do avô, que foi seringueiro. “Esse lugar aqui é uma colocação antiga que foi do meu avô, que viveu aqui há mais de 50 anos. E a gente está dando continuidade até hoje ao que ele deixou pra gente.”
Ele lembra que não havia escola em São Lourenço durante sua infância o que o obrigou a deixar a comunidade por alguns anos para estudar. “Os mais antigos não tiveram oportunidade de estudar, porque não tinha escola aqui. As pessoas viviam da extração dos produtos, não estudavam e não tinham formação. A partir da década de 90, começamos a reivindicar porque tinha muita criança aqui na época. Aí fundamos a escolinha, que começou com quatro alunos”, contou.
Devido a limitações climáticas, a escola não segue o calendário regular. O clima na região varia entre dois períodos bem definidos: o das águas, que chove muito, de dezembro a junho, e o da seca, que não chove e o nível do rio baixa. Como o transporte dos alunos é feito de barco, o acesso dos alunos na época de seca se torna inviável. “Reunimos a comunidade, discutimos uma proposta e apresentamos à Secretaria de Educação. Criamos um calendário que atende a comunidade. Dura sete meses. Começa em janeiro e vai até julho”, explicou Ailton. As crianças ficam o dia todo na escola, almoçam, praticam atividades paralelas, nadam, brincam, aprendem na horta e nos pontos de coleta.
No início, os alunos iam para a escola remando, muitos contra a corrente do rio. Hoje a comunidade tem um barco escolar, dirigido por Alísio, que busca os estudantes em casa.
Durante visita da equipe da Agência Brasil, no final de março, Artemísia e Ailton estavam apreensivos com a partida das duas filhas adolescentes, de 15 e 16 anos, para Juína, onde vão estudar no instituto federal da cidade. Como a escola da comunidade só vai até o 9º ano do ensino fundamental, quem quer estudar mais precisa ir embora.
A preocupação de Ailton é a mesma dos outros pais da região: além da insegurança com os perigos da cidade e da angústia de não ter os filhos por perto, eles temem que os jovens percam o vínculo com a comunidade e se afastem da cultura em que cresceram. “As pessoas terminam o fundamental e não tem jeito, se quiserem continuar precisam ir para longe. Isso não é legal. Se a gente pudesse trazer uma formação para a comunidade, ou mais próximo, seria melhor.”
Patrícia e Talia Pereira dos Santos, filhas de Artemísia e Ailton, nunca haviam saído da comunidade nem se afastado dos pais. “Estou ansiosa e triste por ter que ficar longe da minha família e amigas”, disse Patrícia. “Eu preferia estudar aqui. Quero me formar e vir trabalhar pelo meu povo, não tenho vontade de ir para outro lugar”, disse Talia. Ela disse amar a vida calma de São Lourenço, onde gosta de pescar e nadar.
Desde meados de abril, as duas estudam em um curso técnico de meio ambiente no Instituto Federal de Juína. Elas se mudaram no dia 9 de abril e moram no alojamento do colégio.
Sem atravessadores, coleta da castanha-do-brasil gera renda sustentável para ribeirinhos extrativistas
Presidente da Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Barra-Guariba, Ailton Pereira dos Santos, avalia que, apesar das dificuldades que os ribeirinhos ainda enfrentam, a vida melhorou muito desde que a população se organizou na luta por direitos.
Ailton lembra que até o final dos anos 80 não havia acesso por estradas até cidades de Mato Grosso. “Essa região não era reconhecida pelo estado. Até 1995, não tinha dinheiro aqui.”
O único contato dos ribeirinhos com o mundo exterior era por meio dos “marreteiros”, como eram chamados os atravessadores que vinham do Amazonas e passavam de barco pelas comunidades trocando mercadorias pela produção dos extrativistas. “Trabalhávamos o ano todo e no final sempre ficávamos devendo”, recorda o extrativista Valterino Ferreira Santos, também morador da reserva.
Se era ruim com os marreteiros, a população viveu um tempo ainda pior quando eles pararam de aparecer. “Tínhamos a mercadoria, mas não tínhamos para quem vender”, explicou Ailton. Quando o governo de Mato Grosso criou pontos de fiscalização no Rio Guariba para impedir o acesso dos marreteiros, a comunidade enfrentou problemas sérios. “Muitas famílias foram embora nessa época, foi difícil sobreviver aqui” contou Valterino, o Teca, lembrando que nesse período os que ficaram vendiam o que extraiam por preços muito baixos para atravessadores que apareciam ocasionalmente.
A situação começou a mudar em 2006 quando a comunidade passou a ter o apoio do Projeto Pacto das Águas, patrocinado pela Petrobras, que capacitou os extrativistas em boas práticas e prestou assessoria para a elaboração de projetos para captação de recursos e para a construção de parcerias comerciais mais justas. Depois de muito trabalho de conscientização sobre a importância de se organizarem, em 2010, foi criada a Associação de Moradores.
Atualmente, a mesma castanha que antes não trazia lucros, gera renda e melhora a qualidade de vida das famílias da região. Desde 2013, a associação firmou um contrato com a Conab, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) Formação de Estoque que garante um empréstimo a juros baixos para a Amorar. Para a safra de 2015/2016, a associação recebeu R$ 200 mil.
Com o recurso, a associação compra a produção das famílias à vista e estoca a castanha para negociar posteriormente com o melhor valor. “Hoje a gente que dá o preço, não precisamos mais dos atravessadores. São as empresas que procuram a gente, nem precisamos ir atrás”, disse Ailton.
Este ano a associação comprou 40 mil quilos de castanha a R$ 3,20 o quilo.
Ailton afirmou que a maior parte da produção é vendida in natura. Os associados sabem que o beneficiamento do produto aumentaria as margens de lucro da comunidade, mas os planos ainda são incipientes.
Valterino destacou que a maior parte do dinheiro fica na Vila do Guariba. “Não é bom só para os extrativistas, faz girar a economia da região.”
A profissionalização ainda é baixa, mas os moradores comemoram avanços recentes como a construção de galpões nas colocações para que cada família extrativista possa armazenar o produto antes de escoá-lo rio abaixo até a associação, que fica ao lado da ponte, evitando o apodrecimento da castanha. Outro avanço é o crescente acesso ao crédito, que permitiu à associação a compra de um barco tipo voadeira para uso de toda a comunidade.
O presidente da associação está preocupado com uma nova modalidade de invasão que passou a ocorrer desde que a castanha passou a dar dinheiro, a grilagem da castanha. Segundo ele, na última temporada da castanha, que vai de novembro a abril, os moradores da Resex perceberam que alguns castanhais haviam sido saqueados. “Aqui na comunidade todo mundo se conhece e sabe bem quais são os locais de coleta. Ao chegarmos em algumas áreas, vimos que a castanha já havia sido levada. Na associação, só compramos castanha dos associados, mas é possível vender com preço um pouco mais baixo em outros locais.”
Muitos moradores da Resex reclamaram que a Cooperativa Mista do Guariba (Comigua), criada a partir de uma parceria com a Universidade Federal do Mato Grosso para beneficiar a castanha-do-brasil, pode representar um risco para a Associação de Moradores da Resex, por viabilizar a venda de castanha de origem desconhecida. A cooperativa paga R$ 3 pelo quilo da castanha com casca e qualquer pessoa pode se tornar cooperado mediante o pagamento de uma taxa de R$ 1,5 mil.
A Comigua tem maquinário superior ao da Associação de Moradores da Reserva, o que permite que possam embalar a castanha e fabricar barras de cereais e biscoitos.
O gerente da Resex Guariba-Roosevelt, José Cândido Primo, trabalha como voluntário na cooperativa e afirma que o objetivo não é concorrer com a associação, mas incentivar a cadeia econômica da castanha na região e envolver cada vez mais a população local, sem distinção entre extrativistas tradicionais e pessoas que atuavam em outros ramos. “Queremos mostrar que existem alternativas econômicas na região que não dependem da destruição da floresta”, diz Primo.
“O distrito de Guariba tem cerca de 5 mil moradores. Os envolvidos com extrativismo não chegam a mil. A cooperativa é totalmente independente de governos e somos abertos a quem quiser participar. O extrativismo precisa ser uma parte mais relevante da economia daqui. No meu ponto de vista, está longe de acontecer”.
José Cândido Primo chegou na região em 2005 com a função de ajudar as pessoas da região a se organizar. “Quando cheguei aqui estava no auge do desmate e da ocupação por madeireiros. Foi muito complicado quando chegamos dizendo que o desmate como era feito não era viável. Ninguém acreditava no extrativismo.” Ele avalia que as pessoas estão cada vez mais receptivas à ideia.
Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo
“A reação deles foi flechar, a minha foi correr”, conta o sertanista Jair Candor sobre encontro casual com indígenas Kawahiva do Rio Pardo, 100% isolados
A base da Fundação Nacional do Índio (Funai) na Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo fica a 114 quilômetros de Colniza e é liderada pelo sertanista Jair Candor, um dos mais experientes funcionários da fundação. Candor defende com paixão a demarcação da área, sob o argumento de que o fato de serem isolados deixa esses indígenas mais vulneráveis a violações, por desconhecerem seus direitos. “Eles não sabem os limites deles. Como que um índio isolado pode saber o limite dele. Ele nem sabe que existe isso. A mata é dele, sempre viveu ali. Se a terra dele é contígua com a reserva de uma fazenda, por exemplo, ele não diferencia o que é de quem”, explicou.
Jair Candor avalia que a história de contato dos “brancos” com os indígenas no Brasil é “um verdadeiro desastre”. Ele disse que o período de maior mortandade de índios foi na época dos contatos feitos de forma despreparada. “A Funai até hoje não tem equipes realmente preparadas para isso. Esses povos que vivem isolados são muito sensíveis ao contato. Qualquer gripe, qualquer coisa, pode matar. Se não tiver preparo de equipes de saúde, principalmente podemos levar esses grupos a extinção”, alertou.
“Desde 1999 aguardamos essa demarcação”, conta o sertanista. Jair Candor participou da expedição que, em junho de 99, encontrou vestígios de Kawahivas tradicionais, povo nômade que vive de caça e coleta, após um pesquisador de madeira avisar a Funai que tinha avistado indígenas na mata fechada. “Quando fomos verificar, encontramos ‘tapiris’, casinhas provisórias típica dos Kawahiva e outros objetos. Acreditamos que esses indígenas deixaram de praticar agricultura pela necessidade de fugas constantes devido aos ataques no território deles”.
Após a existência do grupo indígena ser comprovada, 166 mil hectares foram interditados por três anos para garantir a proteção dos índios. Pela Constituição Federal de 1988, os indígenas “detêm o direito originário e o usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Após estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, 411 mil hectares tiveram interdição definitiva em 2007.
Em 2011, Jair Candor liderou uma nova expedição na região e teve um encontro casual com os indígenas na mata fechada. Passado o susto, Jair lembra com humor a reação de cada grupo ao encontro. “A reação deles foi flechar. A nossa foi correr”, conta. “O único contato que tive foi visual. Registramos imagens de 9 pessoas. Estimamos que sejam cerca de 20 indígenas no total, 100% isolados. Eles nunca buscaram a nossa ajuda”, contou.
Após anos de espera, no dia 20 de abril, o Ministério da Justiça publicou a Portaria Declaratória da Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, o primeiro passo para a demarcação definitiva da área, que estava interditada, mecanismo previsto para proteger povos isolados. “Não fiquei feliz, fiquei muito feliz com a portaria. Foi um grande passo, mas temos que continuar lutando pela demarcação, porque a portaria ainda pode cair”, disse.
Desde a interdição da área, em 2007, a Funai aguardava a Portaria Declaratória do Ministério da Justiça, ato que reconhece a posse tradicional indígena. É essa declaração que autoriza que as áreas sejam demarcadas fisicamente, com a materialização dos marcos e georreferenciamento. A partir daí, a homologação é feita por meio de decreto presidencial.
Jair chegou na região em 1999 e viu mudanças rápidas que ameaçam o bem-estar dos índios isolados, entre elas, o crescimento acelerado das cidades. Jair viu a população de Colniza e de Guariba explodir. “A maior parte da população mais antiga veio dos estados da Região Sul do país e os mais recentes de Rondônia. Aqui tem muito madeireiro. Cheguei em 1999 e, desde então, chegou muita gente, muito rápido. Aqui teve muita morte por causa de terra e fazenda”, contou, lembrando que o município já liderou a lista dos mais violentos do estado.
A área da terra indígena tem problemas fundiários antigos. Partes eram ocupadas por fazendas e outra parte é terra devoluta. “Tudo aqui tem dono, mas se procurar documentação, não tem”, destacou Jair Candor. Ele lembrou que desde a interdição das fazendas que estavam na terra indígena, em 2007, muitas liminares de fazendeiros foram apresentadas contra a decisão. “Três fazendeiros da época da interdição conseguiram ficar na área e manter o que tinham, bois, por meio de liminar.” Segundo ele, há rumores de que fazendeiros com área interditada estimulam a grilagem para dificultar uma possível demarcação. “Passam por cima de tudo, é má fé”, julga o sertanista.
Jair Candor contou que quando a área foi ampliada, em 2007, a Operação Rio Pardo da Polícia Federal prendeu muita gente envolvida com grilagem e extração de madeira ilegal, inclusive políticos e poderosos conhecidos na região. “Nessa época aliviou e ficamos muito tempo sem invasão. Mas tem uns três anos que começou de novo. O Ibama dá uma força, mas é difícil conseguir pegar os verdadeiros culpados”, avaliou. “Mas aqui, quando ficam sabendo que o Ibama vem, os grileiros queimam as pontes para dificultar a chegada e dar tempo pra fugir”, completou.
Dedicação ao trabalho
Jair Candor já recebeu incontáveis ameaças indiretas por estar há 17 anos defendendo a demarcação de terra e a proteção dos indígenas. “Já fui acusado de plantar índios e já ouvi comentários como ‘fulano falou que você não passa de hoje. Toma cuidado’ de moradores. O pessoal amigo me alerta sempre”, contou.
As instalações da Funai na TI Kawahiva do Rio Pardo ainda são provisórias e foram construídas pela equipe de campo. A sede definitiva, de alvenaria, não pode ser construída até que a terra seja regularizada. O acampamento provisório serve de lar para Jair Candor e outros funcionários por longos períodos. Jair chega a passar até 40 dias na reserva, longe da mulher e dos filhos, que vivem em Alta Floresta. “Acredito no trabalho que faço e faço o que gosto”, afirma.
Imerso na selva, Jair Candor já teve malária 42 vezes. “Pra mim já virou uma gripe, nem procuro mais médico”, brinca. A malária foi a causa do abandono de terras em muitos assentamentos da região.
Na base, há sempre de 4 a 6 funcionários que se revezam para fiscalizar a área, na tentativa de evitar invasões, e cuidam da estrutura do acampamento provisório, uma casa típica da região com um cômodo que acomoda até dez pessoas em redes e camas, mesa de jantar e cozinha. Eles produzem a maior parte dos vegetais e das frutas que consomem. O pequeno pomar rende visitas noturnas, diárias, de uma anta em busca das frutas. “Adora mamão”, comenta Jair.
No acampamento, há painéis solares e um gerador que garantem energia e acesso à internet. A área aberta pelo acampamento é pequena, cercada por floresta nativa. Há uma televisão onde a equipe assiste jornais e novelas antes de dormir. Acordam com o sol. (Agência Brasil/ #Envolverde)
* Os repórteres Maiana Diniz e Marcelo Camargo viajaram a convite da ANDI – Comunicação e Direitos, pelo projeto Mídia e Amazônia.
** Publicado originalmente no site Agência Brasil.