Política Pública

Imigrantes no Marrocos sonham com Europa

Por Fabíola Ortiz, da IPS – 

Nador, Marrocos, 12/1/2017 – Com economia estável e ambiente político em paz, o Marrocos – que sempre foi um país de trânsito para os migrantes africanos – está se convertendo em um novo destino potencial para os recém-chegados. Porém, a terra sonhada pela maioria dos que cruzam o Saara continua sendo a Europa. Apenas 15 quilômetros separam o enclave espanhol de Melilla da cidade marroquina de Nador. A cidade espanhola de 70 mil habitantes se converteu em um importante ponto de passagem para aqueles que buscam asilo na Europa.

Cidade de Rabat, Marrocos. Foto: Fabíola Ortiz/IPS

 

Melilla, junto com Ceuta, são os dois territórios espanhóis no continente africano e a única fronteira terrestre com a União Europeia. Precisamente por isso, muitos africanos subsaarianos e um número cada vez maior de sírios sonham em chegar à terra prometida europeia e, dessa forma, a uma vida melhor. As duas cidades ergueram fronteiras fortificadas na medida em que aumentava a pressão dos migrantes. A cada ano, centenas de subsaarianos – muitos dos ilegais no Marrocos – tentam cruzar as cercas ou empreender a perigosa viagem de barco pelo Mar Mediterrâneo.

Em novembro, os navios de resgate salvaram cerca de 60 imigrantes que estavam à deriva ainda perto de Melilla. No começo de dezembro, pelo menos 400 pessoas romperam a cerca fronteiriça de Ceuta. Em 1º deste mês, outra onda de 1.100 imigrantes africanos tentou atacar a mesma barreira. Mohamed Diaradsouba, de 24 anos, partiu da Costa do Marfim. Viajou quase cinco mil quilômetros de Abidjã até Nador, passando por Mali e Argélia. Deixou sua esposa e seu filho de um ano com a esperança de um dia voltar.

“Onde eu vivia, não havia emprego, não podia conseguir dinheiro para sobreviver. Vim para o Marrocos porque quero passar para a Espanha, e aqui tampouco há trabalho. Estou certo de que encontrarei emprego na Espanha, França, Bélgica ou Alemanha e poderei ganhar a vida”, disse Diaradsouba à IPS. Ele e quatro companheiros vivem de pequenas doações de ativistas e da Igreja Católica em Nador. Os imigrantes ilegais não são tolerados pela polícia, que com frequência realiza operações nas ruas e prende os que não possuem documentos.

Quando a IPS conversou com Diaradsouba em uma fria noite de novembro, o imigrante vivia em uma comunidade rural chamada Khamis-akdim, a 15 minutos de carro de Nador. Havia transcorrido três meses desde que ele e cerca de 300 pessoas da África subsaariana improvisaram um acampamento na floresta vizinha, por medo de entrar na cidade.

“Estamos acampados na floresta de uma colina. A vida aqui não é fácil. Temos que caminhar todos os dias para conseguir água e comida. Dormimos em barracas de plástico, então, quando chove, molha tudo. Não trouxe nenhuma maleta comigo, só tenho a roupa do corpo”, contou o jovem, acrescentando que pessoas de outras nacionalidades (como camaronenses, guineanos e maleses) compartilham o mesmo acampamento.

Acampamento onde os imigrantes subsaarianos vivem, perto de Nador, no Marrocos. Foto: Mohamed Diaradsouba

 

“Temos medo dos policiais, que não sabem o que são direitos humanos. É melhor ficarmos na floresta”, explicou Diaradsouba. Este jovem não tinha nenhum documento ou permissão de residência. Teria que viajar até a capital, Rabat, a dez horas de trem, para fazer uma solicitação. Estou esperando minha sorte, que um dia chegará”, acrescentou.

Em novembro, Diaradsouba não tinha ideia de quanto tempo deveria esperar para tentar sua travessia rumo à Europa. Ainda não sabia se correria o risco de atravessar as cercas de Melilla, se iria de automóvel ou se esconderia no banco de trás de um carro. “Não tem um preço fixo para pegar um barco. Tentamos reunir fundos entre 30 ou 40 pessoas. Tudo dependerá de quanto dinheiro tivermos que pagar”, afirmou.

Aziz Kattouf, ativista da Associação Marroquina de Direitos Humanos, confirma que há quatro grandes acampamentos na floresta onde os migrantes sem documentos armaram suas barracas. A cada duas ou três semanas, a polícia realiza operações nos campos. “Detêm homens e às vezes meninos, destroem suas barracas e tomam seus telefones. Muitos são enviados de ônibus para outras áreas do sul do Marrocos. Mas sempre voltam”, observou.

A convivência com os estrangeiros alterou a vida cotidiana dos residentes em Khamis-akdim, mas não há denúncias de casos de maus-tratos ou racismo. De fato, os agricultores berberes da região manifestaram sua solidariedade, segundo Alwali Abdilhate, cuja casa fica bem ao lado do caminho que os imigrantes usam para chegar ao acampamento. “Temos boas relações com os que estão acampados. Logo cedo vão aos riachos ou poços parar lavar sua roupa e comprar comida em nosso mercado local. Há um bar onde podem recarregar seus celulares”, contou.

Poucas semanas depois da entrevista inicial, Diaradsouba se comunicou com a IPS dizendo que havia chegado à Espanha de barco, entrando por Almería. Teve que pagar 2.500 euros pela travessia, de 12 horas. A Organização Internacional para as Migrações informou que, entre janeiro e dezembro de 2016, chegaram à Espanha por mar 8.162 imigrantes, e que 69 pessoas morreram durante as tentativas de chegar à Europa.

A maioria dos migrantes no Marrocos é formada por homens da África subsaariana entre 18 e 59 anos, informou Miguel Hernández García, coordenador de um programa da Associação Direito e Justiça, que dá assistência jurídica aos refugiados e solicitantes de asilo. “Alguns estão em contato com membros de suas comunidades que chegaram à Europa e dizem que as condições de vida não são a que costumavam ser no passado. A imagem de viver na Europa está mudando e alguns deles preferem ficar no Marrocos enquanto podem ter acesso aos direitos. Não é um país superdesenvolvido, mas tampouco é um país extremamente pobre”, disse à IPS.

O Marrocos se converteu no primeiro país árabe a aplicar uma política que oferece aos imigrantes ilegais a possibilidade de obter a residência permanente. Em 2013, o rei Mohammed VI apoiou a nova política migratória, após receber recomendações do Conselho Nacional de Direitos Humanos. “O Marrocos ratificou convenções internacionais e teve que implantar políticas. Queria mostrar uma boa imagem ao mundo como um país de acolhida. Além disso, também é uma coisa boa para a economia”, destacou García. Mais de 90% dos 27 mil migrantes que solicitaram residência no Marrocos foram documentados após um ano de campanha pela sua regularização. Envolverde/IPS