Por Raquel Betti –
O rompimento da barragem do Fundão em Mariana/MG, ocorrido no ano de 2015, é certamente um dos maiores desastres ambientais que marcam a história brasileira e do mundo. O colapso da estrutura que armazenava os rejeitos do minério de ferro fez com que extravasasse do reservatório 60 (sessenta) milhões de metros cúbicos dos rejeitos provenientes do empreendimento de uma mineradora.
A avalanche de lama acarretou muitos danos, como sociais, econômicos e ambientais. O episódio ceifou a vida de 19 (dezenove) pessoas, atingiu comunidades como a de Bento Rodrigues, poluiu cursos d’água em toda bacia do Rio Doce, causando reflexos até a foz do rio, localizada no Espírito Santo e no oceano Atlântico.
Hoje, após nove anos do desastre, ainda estão sendo identificadas sequelas desse impacto: animais aquáticos no litoral do Espírito Santo e no sul da Bahia com diversas anomalias e doenças, que estão diretamente ligados ao desastre em Minas Gerais.
Os estudos do 5º Relatório Anual dos Ambientes Dulcícola, Costeiro e Marinho do Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática relatam a presença de animais como peixes, aves, tartarugas, ostras, baleias, etc., com a presença de 15 metais diferentes em seus organismos, e que alguns deles, são decorrências da contaminação dos rejeitos minerais da tragédia.
Em razão dos metais pesados encontrados nos crustáceos e pescados da região, entre eles, Arsênio, Cádmio, Chumbo, Mercúrio e Cobre, alerta-se a insegurança dos alimentos e o risco do consumo destes animais para a saúde humana. O Ministério da Saúde, em novembro de 2023, publicou a Nota Técnica nº 21/2023 sobre o assunto, advertindo que é preciso cuidado no consumo dos pescados da região, uma vez que a concentração de contaminantes está acima dos limites tolerados.
A Nota Técnica mencionada conclui que o gerenciamento dos riscos deve ser feito de forma articulada e conjunta pelos órgãos federais, estaduais e municipais, com a “comunicação de risco, segurança alimentar e nutricional e vigilância e assistência à saúde.”
Assim, nota-se que mesmo após anos, os efeitos da crise socioeconômica e ambiental originária do desastre ainda persistem. Um dos impactos sociais atinentes à saúde, como demonstrado, se dá pelos riscos da segurança ou não do alimento, e se estariam dentro dos padrões de segurança conhecidos e determinados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Mas não é só, existem outros desdobramentos. Ainda, em função do estudo divulgado que comprovou os elevados níveis de contaminantes, questiona-se a necessidade de criação de novos padrões regulatórios.
Nesta senda, há de se fazer um paralelo na aplicação do princípio da precaução ambiental ao marco regulatório da Anvisa (RDC nº 722/2022), vez que conhecidos os perigos à saúde humana pela ingestão de compostos químicos, suscitando a necessidade de estabelecer novas condutas que consideram a realidade de riscos e efeitos, abarcando planos de mitigação e medidas mais severas de controle.
Aliás, a insegurança alimentar e da saúde humana também reside na sugestão do Ministério da Saúde, ou seja, na efetividade da articulação dos órgãos públicos para comunicar os riscos à saúde humana, bem como no acesso e a ampla disseminação desta informação.
Não obstante, as consequências são muito mais extensas. Importante lembrar que o meio de subsistência de comunidades que vivem da pesca também é afetado pela qualidade da fauna aquática pescada, dado que relatam a dificuldade de se manter através da prática, e o receio da população em adquirir seus produtos.
Por fim, cumpre ressaltar que a constituição federal de 1988 garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao desenvolvimento sustentável, bem como à preservação para as futuras gerações.
*Raquel Roiz Betti é advogada especialista da área Ambiental e Regulatória do escritório Renata Franco Advogados.