Por Dominique Von Rohr, da IPS –
Roma, Itália, 14/12/2016 – Cerca de dois bilhões de pessoas vivem em países onde a violência, os conflitos e a fragilidade das instituições são comuns, uma instabilidade política frequentemente relacionada com a insegurança alimentar. A escalada de enfrentamentos na Síria, no Iêmen e no Sudão do Sul, deixa um número crescente de pessoas em situações impossíveis.
“Os conflitos deixaram cerca de 56 milhões de pessoas em situação de crise ou emergência em matéria de segurança alimentar”, lamentou Kimberly Flowers, diretora do Global Food Security Project, na Conferência John McGovern, convocada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Mas, desde a crise de 2007-2008 em razão do preço dos alimentos, quando o número de pessoas com fome aumentou para um bilhão, afetando um em cada seis habitantes do planeta, as autoridades começaram a prestar atenção nesse problema.
Durante o governo do presidente Barack Obama, os Estados Unidos investiram US$ 6,6 bilhões no Alimentar o Futuro, um programa de desenvolvimento de longo prazo para reduzir a pobreza e a fome. A iniciativa procura ensinar aos agricultores de países em desenvolvimento novas técnicas agrícolas e formas de aumentar a produtividade e melhorar a nutrição.
Flowers destacou que nesse país o enfoque da segurança alimentar não varia de um partido para outro. O Congresso aprovou a Lei de Segurança Alimentar Global no verão boreal passado, que garante que a fome e a pobreza continuarão sendo uma prioridade em matéria de política exterior. “A segurança alimentar é real e baseada na evidência. O Congresso compreende a importância de cuidar desse assunto”, acrescentou.
A incerteza, que se instalou após a eleição de Donald Trump em muitos campos, não mudará o fato de que a lei de Segurança Alimentar Global garante que os investimentos continuarão por mais dois anos. Pela primeira vez os serviços de inteligência norte-americanos reconheceram a relação entre instabilidade política e insegurança alimentar, e estimaram que o risco para muitos países aumentará nos próximos dez anos, devido às perturbações que produção, transporte e mercado ocasionarão à disponibilidade de alimentos em escala local.
“A insegurança alimentar é tanto causa como consequência de conflitos” apontou Flowers na conferência, antes de considerá-la um “imperativo para a segurança nacional”. A falta de acesso a alimentos pode servir como instrumento estratégico para a guerra. “As populações famintas têm mais probabilidade de expressar sua frustração com as autoridades diante de problemas, perpetuando um ciclo de instabilidade política e prejudicando o desenvolvimento econômico no longo prazo”, explicou.
Os autores de um informe do Programa Mundial de Alimentos (PMA) disseram que a insegurança alimentar eleva o risco de bancarrotas democráticas, conflitos civis, protestos, enfrentamentos e disputas comunitárias.
Na Síria, o presidente Bashar al Assad e o Estado Islâmico empregam os alimentos, ou sua falta, como tática de guerra, impedindo a chegada de assistência humanitária à população, ou oferecendo alimentos em troca de unirem-se às suas fileiras. Além disso, a guerra devastou a agricultura e custou ao país 35 anos de desenvolvimento. A produção atingiu um mínimo histórico e os agricultores quase não conseguem ficar em suas terras, o que dizer cultivá-las.
Na Nigéria, a insegurança alimentar aumenta pela instabilidade política, e afeta especialmente as áreas onde opera o Boko Haram, cujas ações “impedem a produção de alimentos, porque colocaram minas em terras cultiváveis, roubam gado e expulsam a população civil, que abandona terras sem cultivar”, contou Flowers. Isso faz com que algumas regiões fiquem sem sua colheita e, naquelas em que há alimentos, os preços disparam.
Na Venezuela, a insegurança alimentar se relaciona com a má gestão econômica, pois “90% dos venezuelanos se queixam de que os alimentos são extremamente caros”, segundo Flowers. Outrora um país rico com autoridades fortes, a dependência da Venezuela da renda do petróleo deixou a economia à beira do colapso, após a queda pronunciada dos preços dos combustíveis fósseis. Além disso, a resposta do governo a uma população que cada vez tem mais fome foi autoritária e repressiva.
No Sudão do Sul, os conflitos entre governo e grupos de oposição tiveram tamanho impacto na economia que os preços dos alimentos dispararam. A falta de alimentos e de assistência humanitária desempenhou um papel fundamental na luta contra a insurgência. Cerca de 95% da população do país depende da agricultura para viver, “mas não há infraestrutura estatal de apoio”, destacou Fowers, lembrando que “a perigosa combinação de conflito armado, infraestrutura frágil e alta de preços dos alimentos básicos pode derivar em condições de fome”.
Os dois primeiros dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030, adotados pela comunidade internacional em 2015, apontam para a erradicação da fome e da pobreza, embora fique a dúvida quanto a se conseguir isso em um contexto de instabilidade política e conflitos permanentes.
De acordo com Flowers, “os ODS subestimam as dificuldades de ajudar mais de um bilhão de bilhão de pessoas a retomarem o caminho sustentável do crescimento econômico no prazo de 15 anos”. Acreditar que é possível eliminar por completo a fome e a pobreza nos próximos 14 anos não é realista. Mas o esforço de colocar em prática os ODS terá um impacto sustentável nos países que precisam de ajuda.
Por exemplo, no tocante à segurança alimentar, se prognostica que “o número de pessoas que a sofrem diminuirá de forma significativa, 59% até 2026”, ressaltou Flowers, acrescentando que as variáveis mais importantes para reduzir a insegurança alimentar são um governo forte e priorizar a agricultura na agenda de desenvolvimento. Envolverde/IPS