Por Francesco Farnè, da IPS –
Roma, Itália, 7/1/2016 – “Por meio da água é possível medir os impactos da mudança climática”, afirmou Ségolène Royal, ministra de Ecologia, Desenvolvimento Sustentável e Energia da França, em uma conferência por ocasião da COP 21.“A água é o eixo da Agenda de Ação Lima-Paris, mas é certo que durante muito tempo os assuntos relacionados a ela e aos oceanos ficaram marginalizados das conferências climáticas, considerando que 90% das catástrofes naturais se relacionam com a água e que 40% da população mundial deverá enfrentar sua escassez até 2050”, destacou.
A ministra assim se expressou no lançamento da iniciativa O Clima é a Água, na 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), realizada entre 30 de novembro e 12 de dezembro na capital francesa.
No dia 2 de dezembro, Dia da Resiliência, um grupo internacional que busca conscientizar sobre esse tema, se reuniu na localidade de Le Bourget para lançar a iniciativa #ClimateIsWater. Nesse contexto foram realizadas numerosas atividades e entrevistas coletivas para ressaltar que a água é um assunto crucial para enfrentar a mudança climática. A iniciativa convocou várias organizações da sociedade civil e outros atores.
A gestão sustentável da água é fundamental para fazer frente ao aquecimento global. “Atores de diferentes setores devem contribuir para as estratégias de adaptação e mitigação, integrando a água à futura arquitetura climática. Para alcançar esse objetivo é fundamental conseguir fundos”, afirmou à imprensa TorgnyHolmgren, do Instituto Internacional de Água de Estocolmo (Siwi).
A água é a base de todas as formas de vida sobre a Terra, e sua existência no planeta criou as condições para a origem da vida e dos milhares de milhões de anos de evolução. Além disso, a história da humanidade mostra como muitas civilizações floresceram e dependeram do controle das fontes de água.
A Mesopotâmia (terra entre rios, em grego), conhecida como “berço da civilização”, dependeu dos rios Tigre e Eufrates. O Antigo Egito se desenvolveu em torno do rio Nilo, e o império chinês prosperou ao longo das bacias dos rios Amarelo e Yangtsé, tendo desenvolvido uma completa máquina administrativa baseada na gestão do recurso para a irrigação de seus cultivos. Pode-se dizer que o desenvolvimento humano depende da água e que esta é fundamental para a prosperidade econômica e social.
Atualmente, a água é um bem comum em muitos países o que destaca a importância de acesso universal a ela. Por outro lado, e em especial nas nações ocidentais, a água é considerada como garantida. Mas, sem se poder controlar sua abundância, seja por inundações ou elevação do nível do mar, ou sua escassez, por secas e desertificação, a água pode ser catastrófica. Em 2015, o Fórum Econômico Mundial considerou a água como o maior risco para a sociedade global.
Segundo o Conselho Mundial da Água (WWC), uma em cada oito pessoas vive sem água potável e duas em cada cinco não têm saneamento adequado no mundo. Além disso, quase 3,5 milhões de pessoas morrem por ano devido a doenças derivadas das más condições da água. E a maioria das pessoas afetadas vive no Sul global.Além disso, e diretamente relacionado com a chamada “crise hídrica”, há fortes vínculos entre o recurso e alguns dos eixos do desenvolvimento sustentável, como a agricultura e a segurança alimentar, a demografia e a urbanização, bem como o clima e o ambiente.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a irrigação representa 70% da extração de água, uma proporção impressionante, tendo em conta a preocupação dos demógrafos pelas projeções sobre o aumento da população. De fato, se prognostica que a demanda de alimentos aumentará cerca de 60% e a de energia 100%, até 2050.
A água está inexoravelmente relacionada com a energia. Não é necessária apenas para a geração hidrelétrica, mas também para esfriar plantas de geração de energia, para o fracking (fratura hidráulica) com que se obtém gás e petróleo, e para os biocombustíveis.Entretanto, aproximadamente 1,3 bilhão de pessoas, principalmente na África, carecem de eletricidade. Os novos desenvolvimentos urbanos entre 2010 e 2030 se igualarão aos construídos em toda a história da humanidade. Isso aumentará a extração de água, o que implica certos assuntos, como acesso, infraestrutura, saneamento e segurança diante dos riscos hídricos extremos.
E o que surpreendeé que, apesar de toda a evidência exposta, durante muito tempo a água não chegou a ser prioridade na agenda global. Não é destacada nas questões climáticas, apesar de “os efeitos da mudança climática serem sentidos principalmente no ciclo hídrico”, destacou Benedito Braga, presidente do WWC.Estimativas dessa organização indicam que as perdas por desastres naturais, 70% relacionados com inundações e secas neste século, já chegam a US$ 2,5 trilhões. E outros assuntos estratégicos, como migração e danos à infraestrutura, estão relacionados a desastres climáticos vinculados com a água.
Embora a água não seja mencionada especialmente no Acordo de Paris, é possível que esteja em algum momento. No sétimo Conselho Mundial da Água, realizado em Daegu e Gyeongbuk, em 2015, a Coreia do Sul foi um destacado participante. O encontro permitiu colocar o tema da água na Agenda de Desenvolvimento Sustentável até 2030, e um dos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) é específico sobre esse tema.
O ODS 6, que procura garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água e do saneamento para todos, cobre todo o ciclo hídrico, e está estreitamente relacionado com todos os outros objetivos. De fato, sua concretização significará um grande avanço para o êxito da Agenda 2030.
A sociedade civil desempenha um papel crucial em levar o assunto da água à agenda global. De fato, a Agenda de Ação Lima-Paris inclui governos, cidades, regiões e outras entidades subnacionais, organizações internacionais, indígenas, mulheres, jovens, instituições acadêmicas, e também empresas. Mais de 300 organizações assinaram o pacto de Paris sobre água e adaptação à mudança climática nas bacias fluviais por ocasião da COP 21.
O oitavo Conselho Mundial da Água acontecerá em Brasília, em 2018. O fato de que um país em desenvolvimento e seriamente afetado pela crise hídrica seja sede do encontro concentra a atenção no papel das economias emergentes nas questões climáticas e da água. Envolverde/IPS