Internacional

“A chave para prevenir os desastres é entendê-los”

As inundações em Brisbane, na Austrália, foram declaradas um desastre natural, em janeiro de 2011. Foto: Bigstock
As inundações em Brisbane, na Austrália, foram declaradas um desastre natural, em janeiro de 2011. Foto: Bigstock

 

Sendai, Japão, 23/3/2015 – A Terceira Conferência Mundial sobre Redução do Risco de Desastres terminou no dia 18, nesta cidade do Japão, depois que os representantes de 187 Estados membros da ONU acordaram um novo marco para reduzir nos próximos 15 anos a mortalidade e as perdas econômicas produzidas por esse tipo de fenômeno.

Resta saber se a adoção do Marco de Sendai para Redução de Riscos de Desastres representa uma nova era, um cumprimento das expectativas do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, quando declarou na inauguração da conferência de alto nível, no dia 14, que “a sustentabilidade começa em Sendai”.

Margareta Wahlström, representante de Ban para Redução do Risco de Desastres e diretora do Escritório das Nações Unidas para Redução do Risco de Desastres, insistiu que o marco acordado “abre um novo e importante capítulo no desenvolvimento sustentável, já que esboça objetivos claros e prioridades de ação que conduzirão a uma redução substancial dos riscos de desastres e perdas em vidas, meios de vida e saúde”.

Mas Wahlström advertiu, no dia 18, que a aplicação do novo marco “requer um forte compromisso e liderança política e será vital para o êxito de futuros acordos sobre os objetivos de desenvolvimento sustentável”, em setembro, “e do clima”, em dezembro, em Paris. O novo marco aponta sete metas mundiais e quatro prioridades para os próximos 15 anos.

As metas mundiais são redução substancial da mortalidade mundial produzida pelos desastres, do número de pessoas afetadas, das perdas econômicas em relação ao produto interno bruto nacional, dos danos à infraestrutura fundamental e da interrupção dos serviços básicos, incluídos os de saúde e educação, bem como o aumento no número de países com estratégias nacionais e locais para redução do risco de desastres até 2020. Também incluem maior cooperação internacional e maior acesso aos sistemas de alerta, além de mais informação e avaliações sobre o risco de desastres.

As quatro prioridades de ação são melhor compreensão do risco, gestão fortalecida do risco com mais investimento, preparação mais eficaz diante dos desastres e incorporação do princípio de “reconstrução melhorada” à recuperação, reabilitação e reconstrução. A seguir, fragmentos de uma entrevista que a IPS fez com Wahlström durante a conferência.

IPS: A senhora acredita que essa conferência fornecerá soluções para reduzir o risco de desastres?

MARGARETA WAHLSTRÖM: A conferência e a experiência coletiva têm todas as soluções. Esse não é nosso problema, mas sim ter um argumento convincente para aplicar o conhecimento que já temos. Tem a ver com as pessoas, a sociedade, as empresas, etc. Não é o caso de simplificar a agenda, porque é bastante complexa. Se, na verdade, se quer reduzir os riscos de forma sustentável, é preciso olhar muitos setores diferentes, e não de forma individual, mas trabalhando juntos… Houve um grande progresso nestes dez anos. Um dos umbrais críticos que deve ser cruzado é passar do desastre para a compreensão do risco. Creio que todos podemos entender o desastre superficialmente, mas não é isso que realmente vai reduzir o risco no futuro. O que o reduzirá é entendermos os riscos, não apenas um risco, mas vários riscos atuando em conjunção para debilitar a sociedade. É disso que se trata essa conferência por mais que se tente negociar um documento, de assentar agora as bases para o trabalho das próximas décadas, também se trata de pessoas que aprendem muito rapidamente umas com as outras, deixando-se inspirar.

IPS: Uma questão importante é a resiliência, ou capacidade de recuperação. Os pobres e vulneráveis sempre a tiveram, mas para fortalecê-la falta dinheiro e tecnologia. Isso será possíveis graças a essa conferência?

MW: Não só em razão da conferência. Em todo caso, a conferência apresenta as prioridades, melhora a compreensão da integração necessária do planejamento. A experiência histórica demonstra que a pedra fundamental da resiliência é o desenvolvimento social e econômico. As pessoas precisam estar sadias, bem educadas, ter opções, empregos. Com isso, naturalmente, surgem novos riscos. Creio que a tecnologia já existe. O problema é sua disponibilidade, que pode ser uma questão de dinheiro, mas também uma questão de capacidade para o uso da tecnologia. O que, para muitos países e pessoas, é realmente um problema. Temos que olhar para nós mesmos. A tecnologia evolui mais rapidamente do que a capacidade das pessoas para usá-la. Os recursos financeiros para adquiri-la podem ser definitivamente uma limitação, mas uma ainda maior, em muitos casos, é a capacidade. Se pensar no dinheiro dos investimentos próprios do governo, que é o mais importante, creio que veremos um aumento, bem como da compreensão do que implica gerar resiliência, que significa infraestrutura sensível ao risco, agricultura sensível ao risco, sistemas de gestão da água. Não é uma questão independente. Creio que o investimento crescerá. Investimento para as pessoas, para o lado social da resiliência, em particular, o enfoque nas pessoas mais pobres, o que exigirá uma decisão mais clara da direção política, que muito provavelmente terá a ajuda, com sorte, mais adiante este ano, do acordo sobre a agenda de desenvolvimento universal pós-2015. Isso ajudará a se concentrar no que é preciso fazer para continuar com a redução da pobreza.

IPS: Acredita que a questão da ajuda oficial ao desenvolvimento (AOD) tem relevância nesses dias?

MW: Em termos de seu tamanho e escala, provavelmente não, em comparação com o investimento direto estrangeiro, o crescimento do setor privado. Mas, naturalmente, tem um importante valor simbólico, e valor político, como expressão concreta da solidariedade. Porém, para ser muito, muito justa, ainda há muitos países que dependem em grande parte da AOD, nos quais de 30% a 40% de seus PIB se baseiam nas AOD, de uma forma ou de outra. O que provavelmente não seja muito bom quanto às suas opções políticas, mas essa é a realidade econômica atual. Na verdade, a necessidade de desenvolvimento econômico, o tipo de investimento que estimula o próprio crescimento econômico dos países, o crescimento das pessoas, deve continuar sendo uma prioridade fundamental. Por isso creio que se vê, tanto no debate dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e nesta discussão, uma forte ênfase na base de recursos nacionais, inclusive para a cooperação internacional. Envolverde/IPS

* Josh Butler transcreveu esta entrevista. Para vê-la completa (em inglês), clique aqui.