Por Diego Arguedas Ortiz, da IPS –
São José, Costa Rica, 12/5/2015 – Anos de ondas de violência contra dois povos indígenas na Costa Rica levaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CUDH) a exigir do governo a adoção de “medidas para resguardar a vida e a integridade” dos integrantes de duas comunidades, antes do dia 15 de maio.
A Comissão emitiu uma medida cautelar que favorece o povo bribi e os integrantes do território indígena de Salitre, uma comunidade de 11.700 hectares no sudeste do país, que há anos está em luta para recuperar suas terras, ocupadas ilegalmente por fazendeiros. “Uma das coisas que a lei nos permite é fazer valer o direito de nosso próprio território, um deles é tomar as terras que estão nas mãos de não indígenas e não as ocupam”, disse à IPS a líder dessa comunidade, Roxana Figueroa.
Além de Salitre, a resolução busca proteger os indígenas do povo teribe, também conhecido como bröran, na comunidade de Térraba, também no sudeste. Cerca de 85% de suas terras foram ocupadas por pessoas não indígenas, indo contra a reconhecida titularidade coletiva ancestral.
Salitre, Térraba e os outros 22 territórios indígenas estabelecidos neste país centro-americano enfrentam o fenômeno da ocupação de suas terras por parte de fazendeiros e latifundiários não indígenas, em violação a convênios internacionais e da própria legislação local. A Lei Indígena da Costa Rica, vigente desde 1977, declara que estes territórios são inalienáveis, imprescritíveis, não transferíveis e exclusivos para as comunidades indígenas que os habitam.
Os não indígenas “vieram explorar a natureza e em seu momento eles a ocuparam ou adquiriram com fraudando os indígenas”, afirmou a líder à IPS quando os bribri recuperaram uma fazenda de um grupo de invasores. Figueroa, de 36 anos, sustenta que embora a violência tenha diminuído na comunidade, “ainda existe, mas à espreita. Eles identificam os que participaram da recuperação e sabem quem são os que estão nessa luta”.
Há razões para o medo. Entre os episódios de violência que a CIDH registrou, está o do dia 5 de janeiro de 2013, quando um grupo de indígenas desarmados foi atacado. Um deles foi ferido com facões e torturado com ferro quente, enquanto outro recebeu uma facada e um disparo e um terceiro quase perdeu dois dedos por outras facadas.
Entre os últimos ataques, se percebeu a entrada em Salitre de um grupo de não indígenas, que fugiu após semear o medo e queimar a moradia de um casal, uma maneira de agir que se repete.
A medida cautelar da CIDH acolhe denúncias feitas ao órgão desde 2012 por dois advogados da organização não governamental internacional Forest People Program e representa um passo-chave para que o caso passe eventualmente ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, com sede em São José. O Tribunal e a CIDH integram o sistema autônomo de promoção e defesa dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A resolução da CIDH foi emitida no dia 39 de abril em sua sede em Washington e destaca que a situação tem dimensões de “gravidade, urgência e irreparabilidade”. Dá ao governo costarriquenho 15 dias para apresentar um informe sobre a implantação das medidas solicitadas. Além de “garantir a vida e a integridade pessoal” dos integrantes dos povos bribri e teripe, a Comissão determina ao governo que acorde medidas com os beneficiários e seus representantes e investigue os fatos violentos contra os indígenas.
“Esta é uma fase preliminar do que seria o julgamento e a CIDH emite a medida cautelar enquanto decide se o caso tem méritos para ser levado ao Tribunal Interamericano”, explicou à IPS o especialista em direitos indígenas Rubén Chacón, da Universidade da Costa Rica. Segundo Chacón, a resolução pode ter um impacto real nas políticas internas ou pode manter um status quo onde “se o Tribunal perguntar, o Estado responderá que existe um sistema judicial eficiente e basta aplicar uma ameaça”.
Para este advogado e professor universitário, a violência contra os indígenas diminuiu, mas não estão aproveitando o período de calma para enfrentar os problemas que a originam. “Se não fosse pela vontade que o governo está mostrando agora, as ameaças que aconteceram há uns dois anos hoje seriam piores”, disse Chacón, que representa um dos líderes indígenas recuperadores de terras, Sergio Rojas.
A medida cautelar da CIHD se soma aos chamados internacionais para solução da violência contra os indígenas que habitam Salitre, Térraba e outras comunidades deste país de 4,5 milhões de habitantes, dos quais 2,6% pertencem a povos originários.
Na visita ao país em julho de 2014, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, manteve um encontro com 36 líderes dos diferentes povos indígenas, que lhe expuseram suas penúrias pelo descumprimento das leis que os protegem e a falta de ação dos diferentes governos a esse respeito.
Em março de 2012, o então relator especial da ONU para os direitos dos povos indígenas, James Anaya, visitou a Costa Rica e especificamente a zona de Térraba e chamou a atenção pela violência contra as comunidades indígenas neste país.
De acordo com Chacón, essa visita foi importante porque “Anaya em seu informe evidenciou o grau de enfrentamento e ameaças entre indígenas e não indígenas, e o grau de ameaça contra os indígenas (no caso de Térraba). O caso de Salitre é muito semelhante a esse”.
O governo de Luis Guillermo Solís assumiu a solução do conflito por terras em Salitre como uma bandeira própria e designou a vice-ministra de Assuntos Políticos do Gabinete Presidencial, Ana Gabriel Zúñiga, como interlocutora do Executivo com ambos os lados em Salitre.
Zúñiga assegurou à IPS que no governo as medidas cautelares da CIDH foram tomadas como um apoio ao trabalho feito desde que Solís assumiu o poder em maio de 2014, que inclui a criação de uma mesa de diálogo com os povos indígenas do sul do país. “Começar a apontar as coisas positivas em que trabalhamos”, disse a vice-ministra, garantindo que “o fato de persistir o conflito ocorre porque sua solução integral é estrutural e tem que responder a 30 anos de inércia institucional”.
A CIDH aponta explicitamente os fatos de violência da segunda metade de 2014, mas Zuñiga insistiu que esses episódios se devem a uma realidade que não pode ser resolvida em alguns meses. “O conflito gerado em julho foi por uma herança histórica que não estava solucionada. Quando fazemos a avaliação, os eventos mais graves foram em 2012, como as marcas com ferro quente”, afirmou.
Na Costa Rica há cerca de 100 mil indígenas dos povos bruca, ngäbe, bribri, cabécar, maleku, chorotega, térraba e teribe, segundo o Censo Nacional de 2011, agrupados em 24 territórios indígenas, repartidos por todo o país. Em conjunto, esses territórios representam cerca de 350 mil hectares, em torno de 7% da superfície do país. Envolverde/IPS