Internacional

A desinformação oculta a dimensão real do “resgate” grego

Roberto Savio. Foto: IPS
Roberto Savio. Foto: IPS

Por Roberto Savio*

São Salvador, Costa Rica, setembro/2015 – A longa saga sobre a Grécia aparentemente acabou: as instituições europeias concederam a Atenas um terceiro resgate de 86 bilhões de euros (US$ 98 bilhões) que, junto com os dois anteriores, totaliza 240 bilhões de euros (US$ 273 bilhões).

Não há dúvidas de que a grande maioria dos cidadãos europeus está convencida de que este é um exemplo de solidariedade e que, se a Grécia agora não for capaz de caminhar por seus próprios pés, a responsabilidade caberá exclusivamente aos cidadãos gregos e ao seu governo.

Mas isto só se de deve ao fato de que, em geral, o sistema dos meios de comunicação parou de fornecer pontos de vista alternativos… e algumas pessoas inclusive ignoram que o resgate é um empréstimo e, portanto, aumenta a imensa dívida do país.

De fato, a economia produtiva da Grécia viu muito pouco desse dinheiro, já que os resgates são operações financeiras, das quais os cidadãos gregos nada recebem, mas devem pagar um preço brutal.

A verdade por trás da operação foi acertadamente descrita por Mujtaba Rahman, respeitado analista-chefe para a zona euro do Eurasia Group, com sede em Londres. Ele afirmou que “o resgate não é realmente para executar um plano de crescimento para a Grécia, mas um plano para garantir que se pague ao Banco Central Europeu (BCE) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e para que a zona do euro não se dívida”.

O objetivo desse terceiro resgate é claro.

Dos 86 bilhões de euros, 36 bilhões (US$ 41 bilhões) serão destinados ao pagamento da dívida com outros governos europeus, em primeiro lugar com a Alemanha.

Outros 25 bilhões de euros (US$ 28 bilhões) irão para a recapitalização dos bancos gregos, anêmicos pela fuga de capitais que saíram do país rumo a bancos europeus mais seguros. Serão destinados 18 bilhões de euros (US$ 21 bilhões) ao pagamento dos juros que a Grécia acumula. Por fim, sete bilhões de euros (US$ 8 bilhões) vão pagar a dívida do Estado com as empresas gregas.

Assim, somente sete bilhões de euros serão destinados à economia real e nada para a cidadania, que agora deverá sofrer várias novas medidas drásticas de austeridade, que deprimirão ainda mais seu nível de vida e seu poder aquisitivo.

Financeiramente, os resgates são um sucesso. Todas as perdas e a má exposição das instituições europeias na Grécia foram jogados sobre este país.

Antes do primeiro resgate, os bancos franceses estavam expostos com os bônus ruins da Grécia em 63 bilhões de euros (US$ 72 bilhões), agora em apenas 1,6 bilhão (US$ 1,82 bilhão) sem perdas. Os bancos alemães passaram de 45 bilhões de euros (US$ 51 bilhões) para cinco bilhões de euros (US$ 5,7 bilhões).

O intrigante é que uma série de estudos mostra que até o último momento, quando já era amplamente sabido que a Grécia estava em uma profunda crise, os bancos e os investidores europeus continuaram comprando bônus grego.

Estavam seguros de que Atenas pagaria? Não, mas sabiam que o governo helênico seria resgatado e que, portanto, recuperariam seus investimentos, que foi exatamente o que aconteceu.

O sistema financeiro agora tem vida própria, é 40 vezes maior do que a economia real, se compararmos as transações financeiras diárias com as operações relacionadas com a produção de bens e serviços.

O capital é intocável e circula livremente na União Europeia (UE), ao contrário de seus cidadãos. Além disso, há numerosos projetos legislativos que apontam para a redução dos impostos para os 1% mais rico.

Durante as negociações, uma acusação frequente dirigida aos gregos era que não conseguiam que seus ricos armadores pagassem sua parte dos impostos. Naturalmente, os armadores colocam seu dinheiro onde não pode ser alcançado.

Mas isto não é uma hipocrisia quando se sabe que há pelo menos dois trilhões de euros (US$ 2,28 trilhões) escondidos em paraísos fiscais e que, só para dar um exemplo, ninguém consegue que a Ryanair, a empresa aérea irlandesa de baixo custo, pague realmente seus impostos?

Para não mencionar o fato de que, quando era primeiro-ministro de Luxemburgo (1995-2013), o atual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, concedeu isenções fiscais secretas a mais de uma centena de empresas internacionais.

Recentemente, a agência France Presse divulgou um assombroso estudo do Instituto Leibnitiz de Pesquisa Econômica, que revela que a Alemanha ganhou 100 bilhões de euros (US$ 113,88 bilhões) em poupança pela baixa dos juros de sua própria dívida.

De fato, a crise grega e os temores de sua propagação levaram numerosos investidores a se refugiarem nos mais seguros bônus alemães, que em virtude dessa demanda extraordinária baixaram a taxa de juros sobre sua dívida e, portanto, sobre os empréstimos.

No entanto, muitos estudos assinalam como, por ter uma balança comercial positiva com seus sócios europeus, a Alemanha está de fato absorvendo capitais da Europa.

Interpretar o terceiro resgate e suas condições de austeridade como uma simples operação econômica seria cometer um grave erro.

Nenhum economista acredita que a Grécia possa pagar sua dívida. Não só porque sempre teve uma economia frágil, com pouca indústria e com o turismo com sua principal fonte de renda. A situação é agravada por décadas de má gestão e corrupção de seus partidos tradicionais, esses mesmos partidos que os líderes europeus desejariam que recuperassem o governo de Atenas.

A Grécia já está em recessão e a duplicação do IVA (imposto sobre valor agregado) vai comprimir ainda mais o consumo, a que se somarão novas reduções nas aposentadorias e nos salários públicos, que já foram reduzidos em 20%. Em geral, concorda-se que a dívida grega logo alcançará os 200% do produto interno bruto (PIB), em comparação com os 170% antes do resgate.

Como poderia qualquer economista, ou mesmo um estudante de economia, não entender que, mediante a redução do consumo e o aumento de impostos, se está forçando uma economia já deprimida a ficar ainda mais deprimida?

Não é por acaso que uma instituição conservadora como o FMI se negou a unir-se a esse plano de resgate, e anuncia que não colocará dinheiro a menos que os credores europeus – o que é uma forma diplomática de dizer Alemanha – aceitem uma reestruturação da dívida grega até torná-la tolerável.

Está claro que o resgate não foi uma operação técnica, mas política. Muitos líderes da UE, começando pelo próprio Juncker, intervieram no referendo interno grego de 5 de julho, pedindo aos gregos para votarem contra o esquerdista primeiro-ministro Alexis Tsipras, agora demissionário, depois de convocar, no dia 20, novas eleições para o dia 20 de setembro, em outro impacto do resgate.

Esses líderes europeus indicaram abertamente que a revolta contra a austeridade e a economia neoliberal deve parar imediatamente para evitar o contágio político, uma campanha semelhante à que o conservador Wall Street Journal repete nos Estados Unidos.

Por sua vez, a chanceler alemã, Angela Merkel, declarou a uma emissora de televisão de seu país que chegou à conclusão de que “Tsipras mudou”.

Essa campanha recorda outra, lançada pela primeira-ministra britânica Margaret Thatcher (1979-1990) para destruir os sindicatos e seu famoso lema “Não Há Alternativa”, popularizado pela siga em inglês TINA (there is no alternative).

Realmente, não há nenhuma alternativa na Europa?

* Roberto Savio é fundador da agência IPS e editor do boletim Other News.