Internacional

A guerra do México contra os imigrantes

Familiares cobram uma investigação oficial sobre o que ocorreu com os migrantes desaparecidos, bem como a criação de uma base de dados. Foto: Emilio Godoy/IPS
Familiares cobram uma investigação oficial sobre o que ocorreu com os migrantes desaparecidos, bem como a criação de uma base de dados. Foto: Emilio Godoy/IPS

Por Carolina Jiménez*

Cidade do México, México, 28/8/2015 – “Rezem por mim”. Essas foram as últimas palavras que a hondurenha Eva Hernández disse a sua mãe, Élida, em uma péssima ligação telefônica na noite de 22 de agosto de 2010. A jovem de 25 anos estava prestes a embarcar em um veículo que a levaria, junto com outros 72 homens e mulheres, à fronteira de Honduras com o México e depois para os Estados Unidos.

Eva queria chegar ao que considerava como “terra prometida” e encontrar um trabalho que lhe desse dinheiro suficiente para manter seus pais e seus três filhos pequenos em El Progresso, Honduras. Mas ela e seus companheiros de viagem, com exceção de um, não chegaram ao destino desejado. Dois dias mais tarde, quando Élida assistia ao noticiário noturno na televisão, seu pior pesadelo se fez realidade.

As imagens dos corpos sem vida de 71 homens e mulheres encheram a tela, vítimas do que agora se conhece como o primeiro massacre de San Fernando, localidade do Estado mexicano de Tamaulipas. Élida reconheceu a roupa de sua filha em um dos cadáveres. “No dia seguinte, compramos os jornais para ver se podíamos confirmar que era ela pelas fotos. Sentia que era ela, mas não estava certa, ninguém quer ver sua filha morta desse jeito”, contou Élida.

A única informação sobre como aconteceu o massacre surgiu do testemunho de seu único sobrevivente, que desde então vive o terror, por receber numerosas ameaças de morte. Élida não tinha dinheiro suficiente pra viajar a Tegucigalpa e exigir mais informação ou medidas da embaixada mexicana na capital hondurenha. E também ninguém se comunicou com ela.

As investigações começaram a ganhar ritmo quando uma organização de direitos humanos entrou em contato com a família. Dois anos se passaram antes que Élida recebesse um telefonema da embaixada do México em Tegucigalpa confirmando que Eva havia morrido. “Entrei em choque. Suspeitei que era ela mas nunca se quer aceitar que sua filha está morta. Como Eva, as pessoas morrem nessa rota o tempo todo. Tudo o que quero é justiça para que isto não volte a acontecer”, alertou.

Élida não está sozinha. O massacre de San Fernando oferece um indício de uma crise impactante que estava sendo gestada há anos. Homens, mulheres e crianças, em uma busca desesperada por melhores oportunidades de vida ou sob ameaça de morte por parte de grupos criminosos em uma América Central marcada pela violência, se aventuram nesta perigosa travessia com pouco a perder, salvo suas vidas.

Esses grupos criminosos – que se acredita operam em conivência com as autoridades mexicanas – atacam os migrantes no caminho. As mulheres são vítimas de tráfico sexual. Os homens são torturados e muitos acabam sequestrados para obter resgate. Poucos chegam à fronteira sem ter sofrido abuso de seus direitos humanos. Muitos desaparecem no caminho e nunca mais são encontrados.

Os números são impactantes e apenas começam a contar sua história. Seis meses depois do massacre de San Fernando, 193 cadáveres foram encontrados em 47 fossas comuns na mesma localidade. Um ano depois, 49 torsos desmembrados, aparentemente de migrantes ilegais, apareceram na cidade de Cadereyta Jiménez, no vizinho Estado de Nuevo León. Em 2013, uma comissão forense formada pelos familiares dos migrantes, organizações de direitos humanos, antropólogos forenses e funcionários governamentais começou a identificar os restos dos massacres.

Segundo dados do Instituto Nacional de Migração do México, os sequestros de migrantes aumentaram dez vezes entre 2013 e 2014, com 62 denúncias registradas em 2013 e 682 no ano seguinte. As autoridades mexicanas se apressaram a culpar pelos abusos os poderosos grupos criminosos, fazendo caso omisso da evidência que aponta para o fato de as forças de segurança também costumarem estar envolvidas nos sequestros e assassinatos.

Mas os desaparecidos do México são invisíveis. Ou as autoridades fazem vista grossa. No entanto, os relatos de morte e sofrimento continuam aumentando. Poucos dias depois do massacre de San Fernando, o então presidente mexicano, Felipe Calderón, se comprometeu a aplicar um plano coordenado que acabasse com os sequestros e assassinatos dos migrantes. Cinco anos depois, pouco foi feito. Já o presidente atual, Enrique Peña Nieto, escolheu uma estratégia de segurança, e não de direitos humanos, para encontrar uma solução para a crise de migrantes que seu país vive.

Em recente visita a Washington, felicitou seu colega norte-americano, Barack Obama, por seu plano para proteger da deportação milhões de imigrantes ilegais que vivem nos Estados Unidos, e o descreveu como um “ato de justiça”. Simultaneamente, Nieto fez muito pouco para remediar os abusos contra os migrantes que acontecem em seu próprio país.

Não existem fórmulas mágicas que resolvam este complexo emaranhado de crimes, drogas, violência e conivência oficial, mas não há dúvidas de que as autoridades mexicanas podem e devem fazer mais para acabar com ele. Destinar mais e melhores recursos para realização de investigações eficazes dos massacres e oferecer proteção aos milhares de migrantes que cruzam o país são duas medidas que não podem demorar mais.

Ao fazer isso, o México enviará a forte mensagem de que as autoridades desse país querem verdadeiramente aplicar a justiça no caso dos migrantes. Já conhecemos as macabras consequências de não se fazer o suficiente. Envolverde/IPS

* Carolina Jiménez é subdiretora de Pesquisa para as Américas da Anistia Internacional.