Nações Unidas. 18/3/2015 – Uma série de imagens da Síria, obtidas via satélite, e divulgadas no dia 12, mostra que quase 83% das luzes desse país do Oriente Médio se apagaram desde que começou a guerra civil há quatro anos. O provérbio “uma imagem vale mais do que mil palavras” parece se confirmar na série apresentada pela Com a Síria, uma aliança de 130 organizações não governamentais.
A pesquisa feita pelo acadêmico Xi Li, da Universidade de Wuhan, na China, capta como a devastação da guerra extinguiu a iluminação no território sírio entre março de 2011 e fevereiro de 2015. “Analisei outros países, mas a Síria é o pior dos casos que vi de luzes noturnas apagadas dessa maneira. É muito semelhante às figuras do genocídio de Ruanda, são os dois países mais impactados e com maior sofrimento que já vi”, afirmou Li à IPS.
Os números variam em todo o país. Em Damasco, apenas 33% das luzes se extinguiram, enquanto nas cidades arrasadas pela guerra, como Alepo, Idlib e Al-Raqqa, a porcentagem chega a 97%. No dia 15, se completaram quatro anos do início do conflito armado, sem que se veja uma saída para a sua martirizada população.
A assombrosa falta de luz se deve ao deslocamento da população dos povoados para a cidade, à destruição dos edifícios e suas luzes, e à interrupção do fornecimento de energia, explicou Li. “A eletricidade é uma das necessidades básicas das pessoas, mas os fornecimentos básicos estão interrompidos”. A maioria das pessoas vive ali na escuridão, destacou.
A destruição e a falta de eletricidade não é algo novo para o doutor Zaher Sahloul, presidente da Sociedade Médica Sírio-Norte-Americana (Sams). Ele mesmo, sírio e com família em seu país, atende na Síria por meio de sua organização. A Sams também oferece diesel para os geradores de energia em lugares sem fornecimento estável. Sahloul disse que a falta de serviços básicos é um dos maiores problemas da população e dos grupos de ajuda. Zonas como Ghouta, perto de Damasco, estão sem luz há mais de 860 dias.
“Algumas das carências são intencionais, provocadas pelos grupos combatentes. Quando cercam uma área ou começam um assédio, cortam a energia. Algumas das zonas controladas pelo governo têm eletricidade algumas horas do dia, geralmente depois da meia-noite, devido ao racionamento”, contou o médico à IPS. “Mas Alepo e Ghouta dependem totalmente dos geradores e do diesel”, acrescentou.
A Sams proporciona fundos para compra de diesel, mas este é escasso e custa até US$ 2,60 o litro, “o mais caro do mundo”, destacou Sahloul. “As pessoas funcionam como na Idade Média. A tecnologia moderna, que damos como certa, não pode ser usada. Mesmo os afortunados com geradores têm que usá-los de forma racionada. Muitas funções estão paralisadas nas cidades sob assédio. A gestão do lixo, da água, as padarias e escolas, como podem ser manejadas sem energia? É uma fórmula para o desastre”, ressaltou o médico.
A Síria acaba de passar um duro inverno boreal. As temperaturas caíram para sete graus Celsius negativos. Muitos combateram o frio em barracas de campanha em campos de refugiados ou nas ruínas de casas destruídas, sem meios de calefação. A família de Sahloul não foi exceção. “Há meses que buscam combustível, mas não conseguem, por isso não podem usar a calefação em casa”, explicou. “Dezenas de milhares de refugiados não têm calefação. Crianças morreram de frio. Hoje em dia ninguém pode viver sem eletricidade”, destacou o médico.
Sharif Aly, da organização Ajuda Islâmica, com sede nos Estados Unidos, apontou que, em algumas partes do país, seu grupo só pôde distribuir cobertas e abrigos, devido a questões de segurança. “Nosso trabalho no inverno consistiu em tentar proporcionar gás ou combustível para as famílias, esperamos que os problemas comecem a diminuir com a primavera, mas tem sido um grande desafio”, acrescentou.
A falta de eletricidade, bem como o risco dos disparos, bombardeios e de outras atividades militares complicaram enormemente a prestação de assistência médica, assegurou Aly. A ajuda de emergência aos feridos é a resposta mais evidente, mas o dano psicológico e emocional permanece praticamente ignorado, disse.
“Há enormes problemas de saúde mental, um grande impacto psicológico nessas pessoas inocentes presas no conflito”, completou Aly. “Conseguir ajuda sanitária é um problema. Recentemente iniciamos um serviço de diálise no Líbano, porque a situação na Síria e a falta de serviços de saúde” não o permitem, afirmou.
A ex-secretária de Estado norte-americano, Madeleine Albright, afirmou, em relação à divulgação das imagens das luzes apagadas na Síria, que 2014 foi “o ano mais sangrento” do conflito e que o número de mortos desde 2011 passa de 200 mil.
Sahloul disse que o pessoal médico abandona o país na medida em que o conflito se agrava. “Todo médico que conheço na Síria está pensando em partir, inclusive nas chamadas zonas estáveis”, afirmou. E apontou que o êxodo de pessoal médico habilitou a propagação de doenças como febre tifoide e tuberculose, parasitas, como piolhos e sarna, desnutrição e doenças crônicas que não recebem tratamento devido à falta de acesso aos serviços de saúde e aos medicamentos.
Um informe divulgado no dia 11, pela organização Médicos pelos Direitos Humanos, diz que 610 pessoas dedicadas a tarefas médicas morreram na Síria desde 2011, devido a 233 ataques contra 183 instalações médicas. Segundo esse grupo, o governo sírio realizou “a grande maioria desses ataques”, responsáveis por 97% das mortes, incluídas 139 por tortura ou execução.
A guerra completa quatro anos. E, embora centenas de milhares tenham morrido em uma população estimada de 18 milhões, existem 11 milhões de refugiados e um número indeterminado de feridos, o fim da violência não está à vista. “As pessoas ali não têm esperanças. Há boatos na comunidade de ONGs que este poderia ser um conflito com duração de oito a dez anos. Não há nenhuma expectativa de ser resolvido no curto prazo”, ressaltou Sahloul.
Xi Li ressaltou que espera que a comunidade internacional atue antes que o conflito sírio alcance a gravidade do genocídio de Ruanda, que causou entre meio milhão e um milhão de mortes em 1994. “A comunidade internacional ignorou Ruanda, e depois lamentou. Não quero que as pessoas se lamentem depois de terminar este conflito na Síria”, enfatizou. Envolverde/IPS