Internacional

A justiça continua evitando os abusos da guerra no Sri Lanka

Monumento às forças armadas caídas na guerra civil do Sri Lanka na Passagem do Elefante, norte do país. Foto: Amantha Perera/IPS
Monumento às forças armadas caídas na guerra civil do Sri Lanka na Passagem do Elefante, norte do país. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Colombo, Sri Lanka, 8/4/2015 – Jessi Joygeswaran parece uma típica mulher de 23 anos, com um sorriso contagiante, como o de milhões de jovens de sua idade no mundo. “Quero ir para a universidade, quero ter um bom emprego”, disse à IPS na capital do Sri Lanka, certa de poder realizar seus sonhos. Mas a vida dessa jovem tem sido qualquer coisa menos comum. Cresceu em uma zona de guerra no norte desse país e agora pensa tanto na investigação dos crimes de guerra e na reconciliação nacional como em seu próprio futuro.

Procedente da minoria tamil, a jovem nasceu e se criou em Vanni, uma região da Província do Norte que sofreu a pior parte da guerra civil que terminou em maio de 2009, após 26 anos de enfrentamentos entre o governo e o movimento separatista Tigres para a Libertação da Pátria Tamil Eelam (LTTE), que pretendia um Estado próprio nas províncias de fala tamil no norte e leste do país.

A violência obrigou Joygeswaran a fugir em 2006, com apenas 14 anos, de seu lar ancestral no povoado de Andankulam, no distrito de Mannar. “Fugimos das balas e da artilharia durante três anos”, recordou a jovem. Em 2009, ela e sua família finalmente escaparam do horror. “A morte era uma possibilidade a cada segundo”, garantiu, sem sorriso no rosto.

Mesmo depois do fim da guerra, os problemas continuaram na região de Vanni. Cerca de 250 mil pessoas que escaparam da guerra foram confinadas em campos de refugiados que pareciam centros de detenção, onde permaneceram até o final de 2010. Ao retornarem para suas casas, as cenas de devastação receberam mais de 400 mil pessoas que fugiram da região durante a guerra, obrigando-as a reconstruir suas vidas a partir do zero e a assumir a morte ou o desaparecimento de milhares de seus entes queridos. A falta de moradia, o trauma e o medo eram coisas cotidianas.

Tudo isso mudou no dia 8 de janeiro, quando Maithripala Sirisena venceu as eleições presidenciais e no dia seguinte sucedeu Mahinda Rajapaksa, que controlou o país com mão de ferro depois da derrota do LTTE. Nesse 8 de janeiro, pela primeira vez em sua vida, Joygeswaran votou junto com seus compatriotas. Apesar da discriminação que sua comunidade minoritária sofreu no passado, a jovem confia no novo governo nacional. “Votamos pela justiça e pela paz para todos”, afirmou.

É uma aspiração humilde, mas compartilhada pela maioria dos habitantes desse país insular de 20 milhões de habitantes, onde o derramamento de sangue, que causou entre 80 mil e cem mil vítimas, fez com que muitos duvidassem de que alguma vez pudessem voltar à normalidade.

As primeiras semanas do governo de Sirisena foram díspares, especialmente para os tamis do norte. As restrições aos seus deslocamentos e a presença militar sufocante, já que as forças armadas controlam praticamente todos os aspectos da vida cotidiana, se flexibilizaram, mas o avanço em assuntos mais delicados, como uma investigação real sobre os abusos cometidos em tempos de guerra, continua sendo limitado.

Nos últimos dias da guerra pode ter ocorrido a morte de aproximadamente 40 mil civis, segundo uma comissão assessora criada pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon. O governo anterior questiona esse número. Mas um livro da respeitada organização de investigação Professores Universitários pelos Direitos Humanos, intitulado Palmyra Fraturada, alerta que o número poderia chegar aos cem mil mortos.

Tanto as forças governamentais com as do LTTE são acusadas de violações dos direitos humanos durante os últimos combates da guerra civil. As forças armadas são acusadas de realizarem execuções sumárias de dirigentes do LTTD que haviam se rendido, bem como possíveis casos de abuso sexual contra pessoas em cativeiro. As forças separatistas são acusadas de utilizar civis como escudos humanos e de recrutar meninos e meninas para suas fileiras, entre outras coisas.

Três resoluções apresentadas no Conselho de Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra, na Suíça, solicitaram uma investigação internacional sobre o final da guerra. O governo de Rajapaksa, decidido a não permitir a “ingerência estrangeira” no que qualificou de uma questão puramente interna, criou sua própria Comissão sobre Lições Aprendidas e Reconciliação, no entanto suas recomendações foram ignoradas em grande parte.

Existe uma comissão permanente sobre os desaparecimentos, e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha começou um estudo nacional sobre as famílias dos desaparecidos. Porém, nenhuma das medidas deu lugar a um único processo ou queixa judicial contra os responsáveis.

O governo de Sirisena prometeu uma investigação nova, com contribuições internacionais. O ministro das Relações Exteriores, Mangala Samaraweera, percorreu o mundo desde que assumiu o cargo, procurando convencer a comunidade internacional a dar um respiro ao Sri Lanka que lhe permita aplicar um processo de reconciliação próprio e verossímil.

Até agora seus encantos parecem estar funcionando. Estados Unidos, Grã-Bretanha e outros países ricos concordaram em adiar a publicação de um informe de investigação do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a violação dos direitos humanos durante a guerra, previsto inicialmente para março e que agora será divulgado em setembro.

Em 18 de março, o governo anunciou que estava considerando levantar as proibições contra a diáspora tamil, em um movimento que muitos pensam que busca o apoio de tamis moderados em todo o mundo. Embora não existam dados oficiais, acredita-se que a população tamil fora do Sri Lanka seja de aproximadamente 700 mil pessoas.

“O governo do presidente Sirisena está seriamente comprometido em agilizar o processo de reconciliação. Ao fazê-lo, a diáspora do Sri Lanka, seja de cingaleses, tamis ou muçulmanos, tem um papel extremamente importante a desempenhar”, declarou o chanceler Samaraweera no parlamento, no dia 18 de março.

Apesar dessa guinada em direção à diáspora, o governo deixou claro que o mecanismo para investigar possíveis crimes de guerra cometidos pelos dois lados deve ser uma iniciativa nacional sem ingerência estrangeira. “Qualquer acusação contra nossas forças de segurança deve ser investigada, mas tem de ser manejada pelo mecanismo local, isso é o que sempre declaramos”, disse em fevereiro o ministro de Energia, Patali Champika Ranawaka, na Associação de Correspondentes Estrangeiros. Envolverde/IPS