Internacional

A luta de órfãos atormentados e deprimidos

Meninas e meninos comendo, em um dos maiores orfanatos da Caxemira. Foto: Umer Asif/IPS
Meninas e meninos comendo, em um dos maiores orfanatos da Caxemira. Foto: Umer Asif/IPS

Por Umar Shah, da IPS – 

Srinagar, Índia, 10/11/2015 – Em uma sala de aula lotada dessa capital da província indiana de Jammu e Caxemira, Sahil Majeed se esforça para copiar em seu caderno o que a professora escreve no quadro negro. O adolescente vive em um orfanato desde que seu pai desapareceu e sua mãe não pôde enfrentar o custo de seus estudos.

Cada vez que lembra do desaparecimento de seu pai, sua voz treme e cenho fica franzido. Ele tinha sete anos quando o exército da Caxemira o levou. “Estava dormindo, à noite, quando invadiram nossa casa. Levaram meu pai e depois não tivemos mais notícias”, contou o menino de 13 anos.

Sahil tem duas irmãs mais novas e uma mãe meio viúva, que busca seu marido, sem sorte, por todo lado. “Tenho saudades das minhas irmãs. Há três meses que não as vejo. Quero fugir desse lugar, mas logo me dou conta de que não tenho para onde ir”, lamentou o rapaz. Os funcionários do orfanato disseram que às vezes Sahil fica agressivo e começa a gritar alto. Durante os exames médicos de rotina do ano passado, foi diagnosticado com depressão.

Hasib tem 12 anos e tinha oito quando soube que seu pai, um ativista, havia sido assassinado na zona de Baramulla, norte dessa província indiana. Sua mãe o enviou para o orfanato porque também não podia custear sua educação. Cada vez que pode visitar sua família, ele se nega a voltar à instituição. “Chora sempre que volta. Tentamos acalmá-lo, mas fica com raiva e começa a destruir seus livros”, contou Asif, também interno. Para Hasib, seu lar é tudo. “Quero viver como as outras crianças do meu bairro. Quero minha mãe o tempo todo”, afirmou.

A insurgência armada, que eclodiu nesta região em 1989, teve consequências devastadoras na vida cotidiana da população da Caxemira. Os ativistas reclamavam a separação da União da Índia e defendiam a independência da região ou sua incorporação ao vizinho Paquistão. A partir desse ano, o governo aumentou significativamente o número de soldados na Caxemira para erradicar a insurgência. A vasta presença do exército derivou em cruenta guerra com graves consequências: as estimativas variam entre 40 mil e cem mil pessoas assassinadas.

Um estudo da organização Save the Children, com sede em Londres, afirma que, em 2014, havia cerca de 215 mil crianças órfãs em Jammu e Caxemira, 15% delas vivendo em orfanatos. Além disso, 37% delas perderam um ou os dois pais devido ao conflito, 55% por causas de morte natural e os restantes 8% por outras razões.

Um estudo da Ijepr, revista médica de pesquisa em psicologia e educação, concluiu que mais de 26% dos órfãos mostram elevado grau de depressão, e 46% apresentam grau médio. “A guerra, o medo, a morte e a destruição causaram estragos na saúde mental dos órfãos da Caxemira”, indica o informe.

Outra pesquisa, do departamento de educação da Universidade da Caxemira, revela que os órfãos com idades entre zero e 14 vivem em um estado de depressão e tristeza. Além disso, um estudo do Instituto de Assuntos de Jammu e Caxemira concluiu que 57,3% dos órfãos da região eram temerosos, 53,3% sofriam depressão e 54,25% tinham problemas para dormir.

O reconhecido sociólogo da Caxemira, Bashir Ahmad Dabla, fez um estudo com 300 órfãos e concluiu que 48% sofreram dificuldades econômicas depois da morte do pai. Mais de 13% disseram não receber amor nem afeto e 22% experimentaram retrocessos psicológicos. Essa pesquisa também revelou que 86 dos 300 órfãos recebiam apoio econômico de familiares, 67 do governo, 36 de organizações não governamentais e 24 de outras fontes, como vizinhos e benfeitores. Mas os restantes 87 não recebiam nenhum tipo de ajuda.

Jameel Ahmad, de 15 anos, disse que o orfanato é como uma prisão para ele. Seu pai morreu há cinco anos, ao pisar em uma mina em seu povoado, colocada pelo exército na área onde ele trabalhava como agricultor. “Sinto saudades dele, sempre sonho com ele. Quero ir embora para minha casa”, pediu Jameel. Depois da morte de seu pai, sua mãe ficou sem dinheiro e teve que deixá-lo no orfanato. “Aqui tenho amigos e brinco com eles, mas quero ir para casa. Quero estar com minha mãe”, acrescentou, sem sinais de autocompaixão.

Inúmeros estudos atribuem aos orfanatos os problemas psicológicos dos internos, assegurou o psiquiatra Arshid Hussain, pois não são capazes de atender as necessidades emocionais dos internos. “Essas crianças estariam melhor com suas famílias do que internadas”, afirmou. Há um grande número de menores que terão a sorte de serem adotados e não seria bom eliminar os orfanatos. “Mas creio que devemos pensar em estruturas alternativas, em lugar de continuar com as existentes”, sugeriu.

O psiquiatra Mushtaq Margoob realizou, este ano, um estudo nos orfanatos da Caxemira e concluiu que quase 41% dos internos sofriam de estresse pós-traumático e um quarto dos casos apresentava transtorno depressivo maior. “As crianças da Caxemira são emocionalmente vulneráveis. A perda de um pai as expõem a uma grande perturbação psicológica que, às vezes, também deriva em tendências criminosas”, pontuou.

Esse psiquiatra também explicou que os problemas mais comuns enfrentados pelos internos nos orfanatos é que sofrem a perda do lar, dos pais e de outros familiares. Além disso, há abandono escolar, falta de atenção médica adequada, dificuldades com a imunização, decadência social, trabalho infantil e abuso de drogas.

Por sua vez, o professor e psicólogo infantil A. G. Madhoosh afirmou que os órfãos institucionalizados da Caxemira perdem sua individualidade e sua confiança. Segundo ele, o estigma social de viver em um orfanato se soma ao estresse que já sofrem pela perda de um ou dos dois pais. Envolverde/IPS