O Oriente Médio é o lar ou o lugar de procedência de uma em cada três pessoas refugiadas ou deslocadas no mundo.
Por BaherKamal, da IPS –
Mascate, Omã, 17/5/2016 – Os inúmeros delegados do Oriente Médio que participaram, em março de 2015, de uma reunião em Amã, na Jordânia, para preparar a Cúpula Humanitária Mundial (CHM), que acontece este mês na cidade turca de Istambul, seguramente se deram conta de que sua região era, e ainda é, “a mãe de todas as crises humanitárias”. Só para lembrar, a Organização das Nações Unidas (ONU) destacou: “A vida de milhões de pessoas, da Líbia à Palestina, do Iêmen à Síria e ao Iraque, ficaram destruídas pela violência”.
Além disso, a ONU apontou que o enorme número de pessoas afetadas pelos conflitos, pela violência e pelo deslocamento pouco fizeram para serem vítimas do verdadeiro trauma experimentado. E informou que atualmente “há mais pessoas deslocadas por conflitos do que em qualquer outro momento desde 1945”. Os dados não deixam dúvidas: 60 milhões de pessoas deslocadas, seja dentro ou fora de seus países, em todo o mundo.
Entre elas:
– cinco milhões de palestinos ainda dispersos, principalmente em países vizinhos como Líbano, Síria e Jordânia, segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (Unrwa);
– um milhão e meio de pessoas estão sitiadas no território palestino de Gaza e sofrem uma crise humanitária permanente;
– quatro milhões de civis sírios fugiram da guerra,convertendo-se em refugiados que buscam proteção na região e na Europa como consequência imediata dos cinco anos de conflito na Síria, segundo estimativa do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur);
– um milhão de sírios tiveram que abandonar suas casas e buscar segurança em outras partes de seu país, de acordo com a ONU;
– um milhão de pessoas na Líbia sofrem os incontroláveis enfrentamentos armados em seu próprio e instável país. “A informação procedente da Líbia é alarmante em relação à ocorrência de graves atos que poderiam constituir crimes de guerra”, denunciou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, no dia 6 de março deste ano;
– cinco milhões de pessoas tiveram que abandonar suas casas em busca de refúgio dentro de seu próprio país ou no exterior;
– em julho de 2015, uma alta funcionária da ONU no Iraque qualificou de “devastador” o fechamento de serviços vitais nesse país para as pessoas mais necessitadas, e ressaltou que o fato terá impacto direto em mais de um milhão de pessoas, entre elas 500 crianças que não serão imunizadas, o que implica o risco de focos de sarampo e poliomielite;
– um milhão de refugiados sírios residem no Líbano. A ONU informou, há seis meses, que cerca de 70% deles vivem em condições de extrema pobreza;
– dois milhões de civis no Iêmen fugiram para a Somália, outro Estado assolado pela guerra há tempos, devido ao conflito atual em seu país. Mais de 15,2 milhões de pessoas no Iêmen carecem de acesso a serviços de saúde, bem acima da metade de seus 25 milhões de habitantes e, no entanto, faltam 55% dos fundos internacionais solicitados para enfrentar esta crise, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em outras palavras, o Oriente Médio é o lar ou o lugar de procedência de uma em cada três pessoas refugiadas ou deslocadas no mundo. Os dados anteriores se referem à região “tradicionalmente” conhecida como Oriente Médio, constituída por 22 nações árabes e Israel.Mas os números são maiores se contemplarem o “grande Oriente Médio” e forem acrescentados os conflitos armados no Afeganistão e no Paquistão.
Nesse caso, a região estendida será o lar ou lugar de procedência de dez milhões de refugiados ou deslocados, quase metade de todas as pessoas que estão nessa situação no mundo. No entanto, não só guerras e violência afetam o Oriente Médio, mas também os desastres naturais que causam mais danos, duram mais e, em muitos casos, ocorrem antes que as pessoas possam se recuperar do anterior, segundo a ONU.
O que também converte o Oriente Médio na “mãe das crises humanitárias”são outros fatos dramáticos, como:
– a região corre o risco de ficar inabitável pelas consequências negativas da mudança climática;
– dois em cada três países árabes já sofrem uma grave escassez hídrica, e a terça parte restante é considerada insegura no tocante à disponibilidade de água;
– a ONU prognosticou um déficit hídrico de 40% até 2030. O Oriente Médio é uma das regiões onde o impacto será maior.
Definitivamente, uma região inteira de quase 400 milhões de pessoas já sofre desastres derivados da ação humana, sejam guerras ou outros tipos de violência ou, simplesmente, a resposta prevista da natureza.
A CHM, que acontecerá nos dais 23 e 24 deste mês em Istambul, na Turquia, se concentrará em cinco áreas estratégicas: prevenir e acabar com os conflitos, respeitar as leis da guerra, não deixar ninguém para trás, trabalhar de outra maneira para acabar com as necessidades e investir na humanidade.Ao anunciar a realização da Cúpula, altos funcionários da ONU, encabeçados por Ban Ki-moon, alertaram reiteradamente que o mundo sofre a pior crise humanitária em mais de 70 anos.
Em uma coluna para a IPS, o porta-voz da cúpula, HervéVerhoosel, escreveu: “Chegamos a um ponto sem retorno. O mundo é testemunha do maior grau de necessidade humanitária desde a Segunda Guerra Mundial” (1939-1945).E acrescentou que “a catástrofe humana é de escala titânica. Cerca de 125 milhões de pessoas têm extrema necessidade de ajuda, mais de 60 milhões foram deslocadas pela força, e houve 218 milhões afetados por desastres naturais ao ano nos últimos 20 anos”.
Esses dados equivalem a 400 milhões de vítimas, aproximadamente 80% da população europeia. Além disso, Verhooselenfatizou que são necessários mais de US$ 20 bilhões para ajudar os 37 países atualmente afetados por desastres e conflitos.“A menos que sejam tomadas medidas imediatas, 62% da população mundial, quase dois em cada três de nós, poderá viver em 2030 no que se considera situação frágil. Uma e outra vez ouvimos que nosso mundo chegou a um ponto de inflexão. Atualmente, essas palavras são mais certas do que nunca”, pontuou.
A situação nos golpeou de perto, ressaltou Verhoosel. “Lentamente compreendemos que nenhum de nós está imune à reação em cadeia dos conflitos armados e dos desastres naturais. Nos chocamos cara a cara com os refugiados dos países assolados pela guerra e experimentamos na própria carne as consequências do aquecimento global em nosso próprio território”, observou. “Vemos,vivemos e não podemos negá-las”, destacou. Envolverde/IPS