Internacional

A necessidade do planejamento familiar

Vendedora dorme nas escadarias do maior mercado tradicional de Bali, Pasar Badung. A maioria não tem tempo para cuidar de sua saúde nem de seu bem-estar. Foto: Stella Paul/IPS
Vendedora dorme nas escadarias do maior mercado tradicional de Bali, Pasar Badung. A maioria não tem tempo para cuidar de sua saúde nem de seu bem-estar. Foto: Stella Paul/IPS

Por Stella Paul, da IPS – 

Bali, Indonésia, 29/1/2016 – A balinesa Porter Ngengh Tike passa oito horas por dia com um grande cesto de bambu na cabeça entregando frutas e verduras aos vendedores do grande mercado tradicional de Pasar Badung, nesta ilha da Indonésia. O trabalho exaustivo lhe deixa pouco tempo para cuidar de sua saúde.Ela não tem 40 anos, mas parece ter mais de 50. Os US$ 18 que ganha por semana ela usa para comprar alimentos, cobrir os gastos da família e com a educação de seu filho de dez anos, e não resta nada para gastos médicos nem para tratar de uma infecção genital.

Para Nyoman Sulastri, que faz o mesmo trabalho que Tike, também é difícil cobrir o custo de suas necessidades médicas, que vão desde doenças sexualmente transmissíveis a anticoncepcionais. As duas mulheres frequentam uma clínica local da organização humanitária Yayasan Rama Sesana (YRS).Localizada perto do mercado, a clínica atende vendedoras e transportadoras, que representam 67% da força de trabalho de Pasar Badung. Ali podem realizar exames gratuitos, receber tratamento básico para infecções de transmissão sexual e obter camisinhas sem custo, entre outros serviços.

Na abertura da 4ª Conferência Internacional sobre Planejamento Familiar, autoridades e doadores concordaram em um ponto crucial: para conseguir um futuro sustentável é preciso dar mais importância ao planejamento familiar e destinar mais fundos para que as pessoas mais pobres recebam atenção em saúde sexual e reprodutiva.A Conferência,realizada nos dias 25, 26 e 27 deste mês em Nusa Dua, em Bali, reuniu cerca de quatro mil especialistas em saúde, ativistas e educadores de todo o mundo.

“É absolutamente necessário investir em planejamento familiar”, destacou o presidente da Indonésia, Joko Widodo na abertura do encontro.“Tomara possamos discutir as principais bases necessárias para construir o planeta que queremos até 2030, um futuro no qual mulheres e meninas estejam empoderadas para escolher quando, e se querem, ter filhos, bem como espaçar os nascimentos para que as mães e seus bebês tenham melhores oportunidades de gozar de uma vida melhor”, afirmou.

O diretor executivo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Babatunde Osotimehin, concordou, e lembrou que o propósito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o eixo da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, é “não deixar ninguém para trás”. Osotimehin, que também é secretário-geral adjunto da ONU, acrescentou que “o acesso ao planejamento familiar salva e transforma vidas. Façamos isso. Transformemos vidas”.

Segundo a associação Planejamento Familiar 2020 (FP2020), cerca de 290,6 milhões de mulheres e meninas usam atualmente anticoncepcionais, mas ainda há milhões que não usam nenhum método moderno de controle da gravidez. Para reduzir a brecha, a Fundação Melinda e Bill Gates, uma das promotoras da Conferência de Bali e doadora importante no campo do planejamento familiar, anunciou que destinará outros US$ 120 milhões nos próximos três anos para essa finalidade.

O dinheiro será destinado a três áreas específicas: geração de consciência, melhoria da capacidade dos serviços, especialmente de anticoncepcionais, e financiamento de programas globais centrados no planejamento familiar, afirmou Melinda Gates em uma mensagem transmitida por vídeo.

Por sua vez, Osotimehin ressaltou que a verdadeira sustentabilidade não pode proceder apenas dos doadores, mas os países devem “redobrar esforços” para oferecer mais serviços. “O planejamento familiar trata do direito e da capacidade das mulheres tomarem decisões sobre sua saúde e seu bem-estar para contribuir com os objetivos da FP2020”, acrescentou.

Longe da Conferência, um heterogêneo grupo de 50 mulheres e meninas sentadas no movimentado pátio da clínica YRS ouvem atentamente a educadora sexual explicar as funções básicas dos órgãos reprodutivos, as relações sexuais, os anticoncepcionais, as doenças sexualmente transmissíveis mais comuns e a higiene sexual. A maioria das mulheres tem pouca ou nenhuma educação formal, por isso as educadoras utilizam quadro-negro, cartazes com desenhos anatômicos e modelos em madeira dos órgãos reprodutores masculinos.

Tike e Sulastri confessaram que as aulas sobre saúde sexual também foram responsáveis por se aproximarem da clínica. “Posso aprender coisas novas e as ouço falar de outras doenças”, contou Tike.Em Bali, um dos destinos turísticos mais populares da Ásia Pacífico, a incidência de doenças sexualmente transmissíveis, bem como de câncer de útero, é “incrivelmente alta”, segundo Luh Putu Upadisari, fundadora e diretora da clínica YRS.

“As mulheres de Bali, especialmente as que trabalham no mercado, têm menos educação formal e menos tempo”, pontuou Upadisari, cuja clínica atendeu cerca de 21 mil mulheres na década passada.A combinação desses elementos deixa as mulheres em uma situação de grande vulnerabilidade diante de várias doenças sexuais, e“muitas sofrem de infecções de transmissão sexual, câncer cervical e HIV/aids”, acrescentou.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 500 milhões de pessoas no mundo estão infectadas com o vírus genital herpes simples, e mais de 290 milhões de mulheres têm o vírus do papiloma humano (HPV), uma das infecções de transmissão sexual mais comuns.

O principal objetivo da YRS é oferecer informação e educar as mulheres sobre infecções de transmissão sexual e questões de planejamento familiar. Os painéis e as consultas são gratuitas, mas o tratamento tem um custo. A finalidade é realizar esforços para gerar uma mudança de comportamento, explicou Upadisari. Entretanto, o esforço nem sempre dá resultados, reconheceu Komang Afy, uma trabalhadora da clínica.

Afy explicou que,“como não podem pagar os medicamentos nem os exames, pedimos que façam uma doação. A ideia é ajudá-las a criar o hábito de economizar para sua saúde e seu bem-estar. Mas a maioria das mulheres não tem dinheiro ou não se preocupa com sua própria saúde”. Os limitados recursos da clínica impedem que ofereça um tratamento que não seja mais do que uma assistência básica.

Na Conferência, o presidente da Indonésia reconheceu que seu país ainda tem muitas necessidades não atendidas, mas reiterou seu compromisso de apoiar as mulheres para que consigam maior acesso ao planejamento familiar. Envolverde/IPS