Por D. McKenzie, da IPS –
Paris, França 18/12/2015 – No começo da temporada de festas, alguns agricultores afirmam que os consumidores deveriam se perguntar de onde vem sua comida e quem a produz, especialmente após o histórico acordo sobre mudança climática alcançado na 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC),realizada entre 30 de novembro e 12 deste mês, em Paris.
O mexicano Luis Martínez, representante da Coordenadoria Latino-Americana e do Caribe de Pequenos Produtores e Trabalhadores de Comércio Justo (Clac), foi um dos agricultores presentesna COP 21.“Os consumidores devem pensar o que há por trás da xícara de café… de chocolate… o preço que se paga é suficiente para o produtor?”, observou. “É preciso um processo de sensibilização.Os consumidores têm muito a dizer, porque as decisões que tomam influem na sociedade e, quando compram um produto, dão valor ao mesmo”, acrescentou.
Martínez e um grupo de diversas associações de agricultores participaram da COP 21 para garantir que os responsáveis políticos ouvissem suas vozes. Apelaram à ação para que os produtores agrícolas recebam ajuda para se adaptar aos efeitos da mudança climática e reduzir as emissões de gases-estufa do setor.
Os delegados relataram como muitos agricultores tiveram que abandonar suas terras e ir para áreas urbanas por causa das condições climáticas extremas que prejudicaram seus cultivos. Também chamaram a atenção para a propagação de pragas, como a ferrugem do café, que fez diminuir a produtividade em vários países latino-americanos.
Em Paris, os produtores agrícolas também reconheceram que seu setor é parte do problema da mudança climática, mas muitos destacaram que é preciso diferenciar entre as grandes empresas agropecuárias e os pequenos agricultores.Em geral, o setor agrícola é criticado por suas práticas insustentáveis, como o cultivo de monoculturas, o desmatamento, o uso da terra para produzir biocombustíveis e o uso generalizado de fertilizantes químicos, pesticidas e hormônios.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o agronegócio emite de forma direta 13,5% dos gases-estufa do mundo, devido ao metano liberado pela digestãodos animais e do óxido nitroso das terras cultivadas, incluído o uso de fertilizantes sintéticos, e indiretamente mais 17% pelo desmatamento ou limpeza de terras para a pecuária.Portanto, o setor não pode ser ignorado, e o Acordo de Paris reconhece as “vulnerabilidades particulares dos sistemas de produção de alimentos” diante dos efeitos adversos da mudança climática.
O texto menciona a “prioridade fundamental de salvaguardar a segurança alimentar e a erradicação da fome”, e diz que a redução das emissões de gases-estufa deve ocorrer de uma maneira que não “ameace a produção de alimentos”.O principal objetivo do acordo é manter, neste século, o aumento da temperatura média da Terra abaixo dos dois graus Celsius e limitar ainda mais esse aumento a 1,5 grau acima dos níveis pré-industriais. Porém, o texto negociado gerou elogios e críticas por igual.
Alguns dirigentes mundiais qualificaram o acordo de “histórico” e “sólido”, enquanto grupos da sociedade civil afirmam que não é suficiente, embora esteja na direção correta. “O Acordo de Paris é só um passo de um longo caminho, e há partes dele que frustram e decepcionam, mas é um avanço. Este acordo por si só não vai nos tirar do poço em que estamos, mas faz com que as ladeiras sejam menos inclinadas”, opinou Kumi Naidoo, diretor executivo da organização Greenpeace.
Para a Organização Mundial da Agricultores (OMA), o acordo demonstra que foram ouvidas as vozes dos agricultores, embora “nem todos possam ficar plenamente satisfeitos”, afirmou seu secretário-geral, Marco Marzano. “Nos agradaria muito se o texto mencionasse mais a agricultura nos diferentes parágrafos do documento aprovado. Mas a segurança alimentar e a produção de alimentos estão ali”, acrescentou.
Para Marzano, é essencial que os governos levem em conta a importância da produção de alimentos junto com a necessidade de combater a mudança climática. “Semcomida, não há estabilidade social”, ressaltou. Como outras organizações, a OMA analisa as estratégias futuras, mas alguns produtores já modificaram suas práticas atuais.
Jonjon Sarmiento, agricultor filipino e representante da Associação de Agricultores da Ásia, disse à IPS que o agronegócio deve “trabalhar mais duro” no desenvolvimento de métodos ecológicos e sustentáveis. “Temos duas opções: podemos continuar com a agricultura química insustentável ou passar para a agroecológica”, acrescentou, se referindo às práticas centradas na sustentabilidade, produtividade e estabilidade, e que incluem a agricultura orgânica e diversificada.
Organizações como a ActionAid destacam o que asseguram ser os benefícios da “agroecologia”, com relação a diversas técnicas que ajudariam a gerar solos sadios e cultivos resistentes a extremos climáticos, como o excesso de chuva.Segundo Marzano, essas técnicas devem levar em conta que a agricultura não é só uma atividade “humanitária”, mas que “a produção de alimentos é uma profissão como outras, é emprego”, e deve ser reconhecida como tal.
“Antes da agroecologia, temos que colocar os agricultores num lugar adequado”, pontuouMarzano.“Os agricultores não podem ser tratados apenas como distribuidores de alimentos para resolver os problemas aqui e ali no planeta. Têm que ter um tratamento equitativo nos acordos internacionais como a COP 21”, ressaltou.
A OMA espera que os agricultores recebem ajuda mediante o financiamento estabelecido pelo Acordo de Paris, de US$ 100 bilhões até 2020, para apoiar as nações em desenvolvimento a se adaptarem à mudança climática. “Isso é muito importante porque podemos ter um acordo maravilhoso, podemos celebrar uma conferência fantástica, mas, definitivamente, se não houver recursos suficientes, esses acordos acabarão sendo pedaços de papel”, enfatizou Marzano. Envolverde/IPS