Internacional

A resiliência protagoniza novo enfoque em gestão de desastres

Fortes inundações afetaram Jacarta, na Indonésia. Foto: Bigstock
Fortes inundações afetaram Jacarta, na Indonésia. Foto: Bigstock

Por Kitty Stapp, da IPS – 

Nações Unidas, 24/6/2015 – Os desastres naturais já são uma realidade para milhões de pessoas em diferentes partes do mundo, e os prognósticos só fazem piorar as perspectivas. Desde fortes tufões, passando por inundações e secas, até deslizamentos de terra, todos são episódios que tendem a ampliar as desigualdades existentes, entre e dentro dos países, e a deixar as pessoas pobres literalmente sem nada.

Somente em 2013, três vezes mais pessoas perderam suas casas por causa de desastres naturais do que pela guerra, segundo novo informe do Instituto para a Liderança em Sustentabilidade, da britânica Universidade de Cambridge. O documento recomenda que um seguro de risco acessível seja incorporado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que entrarão em vigor no final deste ano, considerando que se trata de uma questão de direitos humanos.

“Os Estados e outros atores têm o dever de proteger o direito humano à vida, ao sustento e à moradia de seus cidadãos, que podem estar em risco por perigos naturais se a exposição é alta e a resiliência baixa ou inadequada”, afirma a autora do informe, Ana González Peláez. “O seguro é um elemento essencial na construção de resiliência e, para que este funcione adequadamente, é necessário criar um marco normativo”, acrescentou.

Pelo menos parte desses recursos pode ser destinada às medidas de adaptação que os países discutirão em Paris, pontuou Peláez, referindo-se à 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá em dezembro.

No início deste mês, o Grupo dos Sete (G7) países mais ricos se comprometeu com um seguro contra riscos vinculados à mudança climática para cerca de 400 milhões de pessoas em situação vulnerável. Isso pode ser conseguido mediante uma combinação de sistemas de seguros públicos, privados e mútuos ou cooperativos.

Tom Herbstein, gerente de programa da ClimateWise, que tem entre seus membros 32 das principais companhias de seguros, afirmou que muitas delas exploram formas de ampliar a cobertura nos mercados emergentes e nas comunidades vulneráveis. “Mas entrar nesses mercados supõe muitos desafios”, opinou à IPS. “Entre eles estão distribuição de modelos inadequados para produtos com prêmios baixos, falta de dados atuariais históricos, população com dificuldades para compreender produtos financeiros dos quais nunca obteria um beneficio, e uma insegurança política e normativa generalizada”, acrescentou.

Por fim, Herbstein acrescentou que, se a cobertura das comunidades pobres vai ser incorporada, “será necessária a coordenação entre seguradoras, dirigentes políticos e outros atores, a fim de reduzir os riscos, vale dizer os custos, associados ao ingresso nesse tipo de mercado novo e desafiante”.

Peláez disse que os microsseguros também avançam na estratégia de incorporação de grandes seguradoras comerciais, como a Alliance e a Swiss Re. Em janeiro deste ano, um consórcio de oito instituições globais anunciou a criação do Blue Marble Microiunsurance, uma entidade formada para abrir mercados e oferecer proteção de riscos em países em desenvolvimento e de poucos recursos.

E já houve êxitos. Após o tufão Haiyan, em outubro de 2013, a Card MBA das Filipinas pagou a quase 300 mil clientes afetados pela catástrofe nos primeiros cinco dias após o episódio. Porém, alguns especialistas em desastres também afirmam que mais vale prevenir do que lamentar, e que mesmo as melhores intenções podem levar a resultados medíocres.

O Haiti é o principal exemplo. Há mais de cinco anos um brutal terremoto sacudiu esse país do Caribe, que já era o mais pobre da região, e deixou mais de 230 mil mortos. Um ano depois, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha iniciou um projeto multimilionário chamado Lamika, para reconstruir as moradias danificadas ou destruídas, e reuniu quase US$ 500 milhões em doações. Mas, segundo uma pesquisa realizada este ano pela ProPublica, foram construídas apenas seis casas.

A diretora-executiva do Instituto de Recuperação de Desastres (DRI), Chloe Demorovsky, ressaltou que ajudar as comunidades locais depois do desastre nunca será tarefa simples. “O maior erro é esperar que aconteça algo para responder. Muitos desastres podem ser prevenidos se houver concentração na preparação prévia das comunidades. Cada desastre apresenta desafios únicos, por isso não existe a possibilidade de aplicar um enfoque comum para todos”, acrescentou.

Segundo Demorovsky, “por esse motivo, a ideia de promover a resiliência ganha terreno à frente de enfoques tradicionais de redução de riscos de desastres. Resiliência se refere à capacidade de se recuperar de um golpe. A resiliência em termos de recuperação após um desastre depende dos recursos, do nível de preparação e da capacidade de organização da comunidade. As comunidades fortes se recuperam mais rápido”.

O conceito de “continuidade operacional” é um elemento fundamental na construção de sistemas resilientes, prosseguiu Demorovsky. “As comunidades vulneráveis sempre são as mais atingidas quando há um desastre em grande escala e é importante que o governo envie recursos suficientes e rapidamente para ajudar na recuperação. Se o setor privado está bem preparado, isso reduz a carga sobre o Estado, que pode concentrar recursos nas comunidades mais prejudicadas”, acrescentou.

“O setor privado deve estar incluído em cada fase do processo para que seja um recurso, em lugar de um potencial difamador dos grandes objetivos de melhorar nosso enfoque a respeito da assistência diante de um desastre”, destacou Demorovsky. É mais útil oferecer doações em dinheiro do que enviar bens materiais, e é preferível dar a uma organização local do que a uma internacional de renome, acrescentou.

Para Demorovsky, “as organizações locais estão acostumadas a trabalhar na comunidade, compreendem seu sistema único e estão capacitadas para identificar mais rapidamente as necessidades. Como são locais, permanecerão na área por muito tempo, mesmo depois que o fluxo original de ajuda começar a diminuir”.

“Por fim, precisamos aprender com as experiências passadas e começar a nos preparar para o próximo desastre antes que ele ocorra. Muitas tragédias podem ser evitadas com um bom plano. As coisas passam, mas os desastres são produzidos por atividades humanas”, recordou Demorovsky. Envolverde/IPS