Felistas Ngoma, de 72 anos, prepara nsima em sua moradia na aldeia Nkhamenya, no distrito Kasungu, no Malawi. Foto: Charity Chimungu Phiri/IPS

por  Charity Chimungu Phiri, da IPS –

Blantyre, Malawi, 3/6/2016 – Para aproveitar o sábado, dia de compras no popular mercado de Bvumbwe, no distrito de Thyolo, na capital do Malawi, a verdureira Esnart Nthawa, de 35 anos, se levanta às três da madrugada e se prepara para um trajeto de 40 quilômetros. No dia anterior ela percorreu a aldeia, no distrito de Chiradzulu, comprando tomates e quiabos dos agricultores, que empacotou em seu dengu (cesta tecida). Para ir a mercado, ela precisa se trasladar em uma bicicleta contratada até o terminal, onde toma o ônibus para chegar a Bvumbwe; assim os produtos chegam mais rápido e seguros.

Ao final da jornada, recolhe seus pertences e regressa à sua aldeia. “Caminhamos pelo menos três horas, nossos corpos já se acostumaram porque não temos alternativa. Se não fizer isso, meus filhos sofrerão. Enquanto converso com você, estão esperando que eu leve comida para eles”, contou Nthawa à IPS. “Compro uma tigela de milho no moinho para fazer a farinha com que preparo o nsima (uma espécie de  massa que é o alimento básico no Malawi). É só o que vão comer hoje”, acrescentou.

Na “safra anterior, só colhemos duas sacas de milho, em consequência do clima ruim. Agora já acabou e vivemos o dia a dia, comendo o que conseguimos encontrar”, explicou a mulher. Sua história se repete neste país, onde quase metade da população passa fome este ano, pela perda ou escassez de colheitas em razão do fenômeno El Niño, que atingiu a maior parte do sul e norte de seu território no final do ano passado.

O ministro de Agricultura, Irrigação e Desenvolvimento Hídrico, George Chaponda, disse no parlamento, no dia 25 de maio, que 8,4 milhões de pessoas sofrerão insegurança alimentar na safra 2016-2017. Sua declaração contradiz a do presidente do país, Peter Mutharika, que, em seu discurso sobre o Estado da Nação, no dia 20 de maio, afirmou que 2,8 milhões passarão fome.

A avaliação do Programa Mundial de Alimentos (PMA) diz que oito milhões de pessoas sofrerão insegurança alimentar este ano em consequência do El Niño. As destrutivas inundações no norte exacerbaram os problemas do Malawi, o que levou seu presidente a declarar, em abril, estado de emergência em todo o país. A seca também afeta o Zimbábue e outros países da África austral, e dessa forma 28 milhões de pessoas passam fome.

Para enfrentar a crise, o ministro Chaponda afirmou que o governo “criou um plano para importar um milhão de toneladas de milho branco para cobrir o que falta”. As autoridades estimam que são necessários pelo menos 1,29 milhão de toneladas de milho para enfrentar a crise humanitária, das quais 790 mil serão distribuídas entre os mais afetados pela seca, entre abril deste ano e março de 2017.

O governo também prevê reforçar a irrigação nas terras comerciais e de pequenos agricultores, a fim de aumentar a produção de milho em escala nacional, sendo que, para isso, precisa de US$ 18 milhões, segundo alguns funcionários. Além disso, os preços dos alimentos continuam subindo com a depreciação do kwacha, o que obriga as famílias de agricultores a limitar suas refeições diárias, ou mesmo vender sua propriedade para fazer frente à situação. Uma saca de milho que costumava custar US$ 7 disparou para US$ 15.

Os menores são os mais atingidos pela situação. As últimas estatísticas sobre má nutrição aguda e severa mostram aumento de 100% nos casos entre dezembro de 2015 e janeiro deste ano, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A agência informou que registrou mais de 4.300 casos de má nutrição severa em janeiro, o dobro do que foi registrado em dezembro.

A pediatra Queen Dube, do estatal Hospital Central Queen Elizabeth, o principal centro de referência em Blantyre para o sul do Malawi, assegurou que houve aumento no número de casos de má nutrição. “Atualmente temos 15 meninas e meninos na Unidade de Reabilitação Nutricional, alguns têm enfraquecimento excessivo, que os deixa com magreza extrema e desgastados, e outros têm Kwashiorkor – ou desnutrição intermediária –, quando o corpo apresenta inchaço. Há alguns que têm uma combinação de ambas. Essas crianças sofreram diarreias importantes”, detalhou.

Segundo a médica, o hospital fornece a esses pacientes uma alimentação terapêutica com tipos especiais de leite e chiponde (manteiga de amendoim fortificada) por um prazo determinado, até que recuperem peso e sua aparência corporal geral melhore. “Além disso, recebem tratamento para as doenças derivadas que possam aparecer. Também melhoramos a atenção com as mães e os adultos que tenham a guarda das crianças sobre uma nutrição adequada para que, quando voltarem às suas casas, possam utilizar os poucos mantimentos que têm para preparar refeições mais nutritivas para os filhos”, destacou Dube.

Por sua vez, numerosos ativistas afirmam que já é tempo de o governo garantir a segurança alimentar do país com as medidas recomendadas por organizações independentes, como o Comitê para Avaliação da Vulnerabilidade do Malawi (MVAC), segundo o qual 2,8 milhões de pessoas passaram fome em 2015.

Por sua vez, o presidente da Rede pelo Direito a Alimentos, Billy Mayaya, disse à IPS que “existe muita politização e extrema dependência do milho para o consumo. O governo deve usar os dados do MVAC e considerar a Iniciativa do Cinturão Verde e as estratégias para concretizá-la. Em seu discurso sobre o Estado da Nação, o presidente afirmou que essa iniciativa continua sendo uma prioridade de seu governo “para aumentar a produtividade de cultivos selecionados de alto valor”.

O mandatário disse ainda que o governo planeja aumentar a produção de arroz, tanto para consumo interno como para exportação, bem como recuperar a indústria do tabaco. O Malawi depende deste último para obter divisas. Em fevereiro, Mutharika fez um chamado internacional pedindo assistência, conseguindo que sócios como Grã-Bretanha e Japão oferecessem US$ 35 milhões.

O governo também recebeu outros US$ 80 milhões do Banco Mundial para o Projeto de Emergência para Recuperação das Inundações. O governo dos Estados Unidos foi o primeiro a responder a esta última crise, contribuindo com US$ 55 milhões. Ainda assim, continua a luta pela sobrevivência das famílias pobres do Malawi, com a de Ntawa. Enquanto seus filhos comem apenas uma vez ao dia, as autoridades continuam se reunindo em hotéis caros com jantares luxuosos, para criar uma estratégia a fim de enfrentar a crise. Envolverde/IPS