Por Jan Oberg*
Lund, Suécia, 18/3/2015 – A União Europeia (UE) poderá ser converter em um bloco criminoso?A mesma UE que tem a paz com sua maior prioridade e recebeu o Prêmio Nobel da Paz? A UE de Schengen e Dublin? Poucas coisas nos surpreendem nesses tempos.
E será capaz, essa mesma União Europeia, com valores “europeus”, com seu humanismo e sua “missão civilizadora”, de dizer a outros como se ajustar ao direito internacional e respeitar os direitos humanos?
A resposta à pergunta se a UE será considerada criminosa em termos do direito internacional seria conhecida entre ontem e hoje, dia 18, quando o Conselho Europeu se reúne para decidir se levará adiante o acordo com a Turquia para administrar a crise de refugiados.
A organização de direitos humanos Anistia Internacional sabe do que se trata isso e se refere ao acordo com termos como “miopia alarmante”, “desumano”, “desumanizador”, “mora e legalmente errôneo”.
Também se considera que “os governantes da UE e da Turquia alcançaram um novo mínimo, ao trocarem os direitos à dignidade de algumas das pessoas mais vulneráveis do mundo”.
Além disso, “de nenhuma maneira a Turquia pode ser considerada um ‘terceiro país seguro’ para que a UE delegue comodamente suas obrigações”, afirmou IvernaMcGowan, diretora do escritório de instituições europeias da Anistia.
Quando essa organização com sede em Londres se expressa dessa forma, deve-se prestar muita atenção. Eu o faço e assinei a Carta Aberta ao primeiro-ministro da Suécia, Stefan Löfvén, em protesto para que seu governo não se una a um acordo desumano com a Turquia, e que viola o direito internacional.
Apressem-se, é hoje.
Por trás de cada refugiado está o comércio de armas e uma posição militarista. Uma imensa maioria dos refugiados fugiu de guerras conduzidas por governantes da UE irresponsáveis e com uma mentalidade estreita.
E continuam fazendo-o, com a Dinamarca sendo o último país a unir-se à tragédia. Os países da UE constituem juntos a maior economia do mundo.
Resulta estranho a UE ter recursos para travar uma guerra após outra, possuir enormes orçamentos militares e armas nucleares e destinar infinitos recursos à guerra contra o terrorismo, mas se considerar covardemente incapaz de encontrar os recursos necessários para atender 1,2 milhão de pessoas que buscam asilo entre seus 500 milhões de habitantes: 0,24% do total!
Precisamente porque os países da UE são responsáveis por a maior parte dos refugiados ter de abandonar seus países, temos uma obrigação moral especial de a) recebê-los; b) aprender a não iniciar guerras sem mais nem menos no território de outro.
Quando há vontade, encontra-se um caminho. Se a União Europeia vai fazer algo de bom, agora é o momento.
Não há uma crise de refugiados na UE. Há outras crises:
1) uma crise causada por anos de militarismo,
2) uma crise de gestão,
3) uma crise de liderança ou, com exceção da chanceler alemã, Angela Merkel, nenhuma liderança em matéria de políticas comuns,
4) uma crise de solidariedade, humanidade e ética.
E se poderia acrescentar uma quinta crise: o racismo europeu que adota a forma de islamofobia.
Estou bastante seguro de que a UE teria agido de maneira diferente se houvesse ocorrido uma enorme catástrofe natural, ou se houvesse um acidente nuclear em Israel e 1,2 milhão de judeus chegassem à Europa, ou, ainda, se um país do bloco tivesse sofrido algo parecido em seu próprio território.
Se a União Europeia decidir implantar um acordo imoral, que também atente contra o direito internacional, com a Turquia, país em guerra com um governo cada vez mais autoritário, favorável ao terrorismo e inseguro para os refugiados, a decadência moral do mundo ocidental será óbvia.
Se não para si mesmo, pelo menos para 92% do mundo que vive fora dele. E a UE não merecerá outra coisa melhor que não seja sua dissolução, porque não colaborou com um mundo melhor, mas para pior.
Do ponto de vista técnico, o que resta se o direito ao asilo, as convenções de Schengen e Dublin, entre outras, são violados pelo próprio Conselho Europeu? Ou a UE aposta em um mundo melhor ou é hora de ser substituída por outra Europa. Envolverde/IPS
*Jan Oberg é professor de estudos de paz, cofundador e diretor da TFF(Transnational Foundation for Peace and Future Research). Também é doutor em sociologia e professor adjunto da Universidade de Lund e professor convidado de várias universidades. Foi diretor do Instituto para Pesquisas de Paz da Universidade de Lund (Lupri), ex-secretário-geral da Fundação Dinamarquesa para a Paz, e é ex-integrante do governamental Comitê sobre Segurança e Desarmamento Dinamarquês. Envolverde/IPS