Internacional

Aborto em condições inseguras é como peste no Quênia

kenia1Por Robert Kibet, da IPS – 

Nairóbi, Quênia, 13/5/2015 – Janida tem 14 anos, mas evita o contato visual com as pessoas e prefere olhar para baixo e mover a cabeça se alguém se dirige a ela. É uma das consequências que esta menina sofre, como muitas outras no Quênia, do trauma de ter sido abusada sexualmente. Antes, Janida (nome fictício) era sociável e alegre, mas isso acabou quando seu padrasto começou a violá-la e depois que deu à luz um bebê, que agora tem quatro meses.

O trauma e a depressão de Janida são semelhantes ao que sofrem milhares de meninas com a infância roubada pelos abusos sexuais nesse país africano. “A jovem sofreu tortura física e psicológica”, disse à IPS a diretora-executiva e de programa da Federação de Advogadas (Fida) do Quênia, Teresa Omondi. “A melhor opção teria sido interromper a gravidez para que não sofresse a tortura mental e física, mas não pôde enfrentar o custo de um aborto seguro”, acrescentou.

Segundo o artigo 26 da Constituição do Quênia, “é proibido o aborto, a menos que, na opinião de um profissional de saúde capacitado, seja necessário um tratamento de emergência ou esteja em perigo a vida ou a saúde da mãe e se assim permitir a lei”.

Em setembro de 2010, o Ministério da Saúde divulgou um guia nacional para a gestão médica de casos de violação ou violência sexual, que habilita a interrupção da gravidez como opção em caso de concepção, mas é necessária uma recomendação e avaliação psiquiátrica. Depois, em setembro de 2012, o ministério divulgou padrões e pautas para a prevenção e o manejo de abortos inseguros dentro dos permitidos pela legislação queniana, mas acabou retirando-os três meses depois em circunstâncias pouco claras.

Segundo Omondi, “a lei ainda não está totalmente operacional e muitos provedores ainda não foram capacitados, o que faz com que muitos dos abortos induzidos continuem sendo inseguros e com frequentes complicações”. O Ministério da Saúde é responsável por não permitir que médicos e enfermeiras se capacitem para a interrupção da gravidez, disse Omondi. “É ridículo que ao mesmo tempo em que aceita que a atenção após um aborto é assunto de saúde pública, os profissionais tenham as mãos atadas”.

A questão dos abortos em condições inseguras no Quênia voltou à mesa em setembro do ano passado, quando o enfermeiro Jackson Namunya Tali, de 41 anos, foi condenado à morte por um alto tribunal de Nairóbi por assassinato, após a morte de Christine Atieno e do feto em razão de um aborto ilegal mal feito.

O Quênia participou de várias reuniões na África sobre como reduzir a mortalidade materna oferecendo condições seguras para o aborto, e vários ministros da Saúde concordaram que os dados revelam que os países que oferecem as condições adequadas para a interrupção da gravidez reduziram o número de mulheres que morrem em consequência da gravidez ou do parto.

Uma análise de Saoyo Tabitha Griffiths, responsável de direitos e saúde reprodutiva da Fida, disse que embora o Quênia tenha adotado uma Constituição que, entre outras coisas, consagra os direitos em matéria de saúde reprodutiva e o acesso a um aborto seguro, mulheres continuam morrendo neste país em razão de abortos inseguros, uma causa da mortalidade materna que se pode evitar.

Para o especialista Ong’ech John, úteros e intestinos perfurados, falhas renais e cardíacas, anemia que exige transfusão de sangue são apenas algumas das complicações derivadas de abortos praticados em condições inseguras. “As complicações de um aborto inseguro não envolve, só os restos da concepção que não são eliminados totalmente, esses podem ser aspirados, mas o útero perfurado deve ser reparado ou se deve extirpar o órgão, que está putrefato”, explicou Ong’ech à IPS.

“Quando o Ministério da Saúde emitiu uma diretriz em fevereiro de 2015, indicando aos trabalhadores do setor, privados, públicos ou de organizações beneficentes, a não participarem de nenhuma capacitação sobre práticas para abortos seguros e abortos médicos, ficaram muitas perguntas sem resposta”, afirmou Omondi.

Um profissional muito respeitado no Quênia, doutor John Nyamu, esteve um ano preso em 2004 após ter seu consultório invadido depois que apareceram 15 fetos em importantes ruas da capital junto com documentos de um hospital onde havia trabalho, mas que estava fechado.

Após conversar sobre seu calvário com Mary Fjerstand, assessora clinica da Ipas, uma organização não governamental dedicada a acabar com as mortes evitáveis e deficiências em razão de abortos inseguros, Nyamu disse que a comoção pública por sua detenção ajudou as pessoas a “se darem conta da magnitude e das consequências dos abortos inseguros no Quênia; morria um grande número de mulheres e antes disso, não se falava de aborto em público”.

O Quênia quer alcançar a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) de reduzir em 75% o número de mulheres que morrem devido à gravidez, ao parto e pós-parto, com relação aos números de 1990, mas “não se pode conseguir isso se não há possibilidades de abortos seguros”, disse Nyamu.

Uma atualização de maio de 2014 de um documento da Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que cerca de 800 mulheres morrem por dia no mundo por causas evitáveis relacionadas com gravidez e parto, e que 99% das mortes maternas ocorrem nos países em desenvolvimento. Envolverde/IPS