Aproximadamente 150 países devem assinar o Acordo de Paris hoje, dia 22, em Nova York, mas o histórico tratado para deter os efeitos mais catastróficos da mudança climática não entrará em vigor enquanto não for ratificado por pelo menos 55 Estados parte.
Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 22/4/2016 – O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, elogiou o acordo, alcançado durante a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), por ser “um marco na cooperação internacional sobre um dos assuntos mais complexos do mundo”.
Ban espera uma rápida ratificação antes do final deste ano, quando encerrará seu mandato, para que o acordo faça parte de seu legado. “Uma rápida ratificação e entrada em vigor enviará um forte sinal aos governos, empresários e às comunidades de que chegou a hora de acelerar as ações climáticas”, afirmou o secretário-geral na segunda semana deste mês.O verdadeiro desafio está por vir, e é sua implantação.
PalithaKohona, ex-chefe da seção de tratados da ONU, apontou à IPS que, embora as assinaturas sejam importantes, o fundamental nos tratados internacionais é a ratificação; muitos acordos pereceram porque os legisladores nacionais não deram esse último passo.O Acordo de Paris entrará em vigor quando 55 países, responsáveis por 55% dos gases-estufa emitidos na atmosfera, o “ratificarem, aprovarem ou aceitarem”. Somente a assinatura, ainda que da vasta maioria dos membros, não significará sua entrada em vigor, ressaltou.
Por exemplo, o Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (TPCEN) ainda não entrou em vigor, apesar de ter sido assinado por mais de cem países no primeiro dia de abertura às assinaturas, em uma esplendorosa cerimônia, lembrou Kohona. O presidente Bill Clinton (1993-2001) foi o primeiro a assinar esse tratado que conseguiu 157 ratificações, mas não por parte de Estados Unidos, China, Coreia do Norte, Egito, Índia, Irã, Israel e Paquistão.
Segundo Kohona, “a chave para a entrada em vigor do Acordo de Paris está nos maiores emissores de gases causadores do efeito estufa”. E observou que “Estados Unidos China, Brasil, Rússia e União Europeia concentram 75% das emissões mundiais e podem dar o pontapé inicial para que o acordo entre em vigor.”.
A respeito da perspectiva de uma rápida ratificação, a assessora legal da Rede do Terceiro Mundo, com sede na Malásia, Meena Raman, explicou à IPS que “se Estados Unidos e China ratificarem rapidamente, ou pelo menos este ano, então estarão atendidos 40% das emissões globais. Mas os países restantes terão que compensar com 15% e pelo menos 55 estados terão de ratificar o acordo”.
Não é total ilusão pensar em uma rápida ratificação antes de 2020, opinou Raman, que há anos acompanha as negociações climáticas como integrante da sociedade civil. Mas, segundo ela, o mais importante é considerar as consequências que terá uma rápida ratificação e a entrada em vigor do Acordo de Paris.
As contribuições das partes, em termos de sua incidência na redução das emissões e nas medidas de adaptação somente serão efetivas a partir de 2020, porque esse é o compromisso assumido pelos países antes da COP 21 mediante as contribuições previstas e determinadas em nível nacional (INDC). Ou seja, ainda que o Acordo de Paris entre em vigor em 2017 ou 2018, as consequências das ações das partes começarão a se materializar entre 2020 e 2025 ou 2030, explicou Raman.
A assessora da Rede pontuou que é sabido que as reduções do total de emissões previstas agora pelas partes, que se traduzirão em suas contribuições no contexto do acordo, são extremamente insuficientes para manter o aumento da temperatura global abaixo de uma média de dois graus Celsius, e menos ainda em 1,5 grau.“Os prognósticos indicam que o compromisso de redução de emissões previsto no acordo levará a um aumento da temperatura global superior a três graus, uma catástrofe para o mundo”, enfatizou.
Portanto, o assunto mais importante é se os governos, em especial dos países ricos, vão redobrar sua ambição e fornecer os recursos econômicos e a transferência de tecnologia às nações em desenvolvimento para uma atuação urgente antes de 2020, em lugar de esperar esse ano chegar, tal como se comprometeram em diferentes decisões adotadas pela CMNUCC no Protocolo de Kyoto.
Eliza Northrop, da iniciativa governamental parao clima, do Instituto de Recursos Mundiais (WRI), ponderou à IPS que com as ratificações necessárias o Acordo de Paris poderia estar em vigor a partir de 2017, ou mesmo antes. “Não é apenas um contexto político propício para o Acordo de Paris, mas as condições para sua entrada em vigor são diferentes das do Protocolo de Kyoto”, acrescentou, comparando a situação atual com a ratificação desse documento.
Northrop ressaltou que, embora o Protocolo de Kyoto tenha seguido um modelo semelhante de 55 partes/55% de emissões, este limite de 55% de emissões se referia somente ao dióxido de carbono liberado na atmosfera pelos Estados partes mais ricos. Já o Acordo de Paris contempla todos os gases-estufa emitidos por todos os países.“Sua entrada em vigor necessitará do apoio de uma vasta base de países e uma ajuda importante dos grandes emissores para que as nações insulares mais vulneráveis possam empreender ações climáticas”, acrescentou.
A atitude dos Estados Unidos será fundamental, destacou Kohona. Embora os antecedentes desse país em matéria de tratados internacionais não sejam muito animadores, e os céticos tenham uma influência desproporcional sobre Washington, é de se esperar que a ameaça da mudança climática para a própria existência da humanidade tenha alguma incidência em sua política.
“Todo enfraquecimento da liderança dos Estados Unidos poderia servir de desculpa para que outros perdessem o entusiasmo”, ressaltou. O compromisso demonstrado pelo presidente Brack Obama com as questões climáticas deve permanecer inalterado se o mundo pretende atender o problema com eficiência, disse Kohona.
O Acordo de Paris reafirmou o objetivo de manter o aumento da temperatura global bem abaixo dos dois graus, já que pede urgência na realização de esforços para que não ultrapasse 1,5 grau. Também exorta as partes a assumirem compromissos vinculantes para fixarem suas INDC e adotar medidas em escala nacional para concretizá-las, bem como notificar regularmente o volume de suas emissões e “os avanços alcançados em sua implantação e concretização”.
O Acordo de Paris exorta as partes a se submeterem a revisões internacionais e fixarem novas INDC a cada cinco anos com o claro propósito de que “representem um avanço” com relação às contribuições anteriores.Por fim, o Acordo reafirma a obrigação dos países ricos no contexto da CMNUCC com relação à sua ajuda às nações em desenvolvimento, já que pela primeira vez também incentiva estas últimas a realizarem contribuições voluntárias.
Além disso, o tratado estende até 2050 o prazo para mobilizar US$ 100 bilhões por ano, originalmente previsto até 2020, com um novo objetivo monetário a ser fixado para depois de 2025. Envolverde/IPS