Por Aruna Dutt, da IPS –
Nações Unidas, 28/7/2016 – Interesses nacionais egoístas ameaçam descarrilar a próxima cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre migrações, que reunirá representantes de todos os países para desenhar uma estratégia mais humana e coordenada diante dos grandes movimentos de refugiados e migrantes.
O sistema atual, criado após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), não consegue atender o número sem precedentes de pessoas deslocadas, lamentou Peter Sutherland, representante especial do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, para migrações internacionais, em um encontro realizado este mês em Nova York pelo Instituto Internacional para a Paz (IPI).
Sutherland criticou os valores que prevalecem no debate sobre os refugiados, que “não esteve dominado pela compaixão, mas pela ordem e por manter as pessoas fora”, afirmou. A retórica negativa “engendrou xenofobia, racismo e nacionalismo”. Ideias com a de “levantar muros” são baratas, e a ONU deve ser forte para reverter esse discurso, criticou.
A Anistia Internacional, que há tempos apoia uma mudança radical no acordo existente, para acolher um número crescente de imigrantes, alertou que uns poucos países trabalham a partir de “seus mesquinhos interesses particulares e podem jogar por terra a iniciativa de Ban Ki-moon para acabar com a crise de refugiados”.
A organização também alertou que um grupo de “improváveis aliados”, como Austrália, China, Egito, Índia, Rússia, Paquistão e Estados Unidos, entre outros, “ameaça jogar por terra o único esforço mundial existente para proporcionar uma ação concreta para enfrentar a crise mundial de refugiados que afeta 20 milhões de pessoas”.
A ONU e organizações não governamentais como a Anistia apelam a esses países para que mudem sua posição e assumam o desafio para que se possa adotar o novo Pacto Mundial sobre Refugiados na cúpula que acontecerá no dia 19 de setembro.
“Enquanto vai acabando o tempo para finalizar o que poderia e deveria ser um acordo para mudar a situação, ainda é muito o que está por um fio. Milhões de refugiados estão em situação desesperadora: 86% vivem em países de renda média ou baixa, que frequentemente não estão preparados para recebê-los, enquanto muitos dos Estados mais ricos do mundo são os que menos refugiados acolhem e os que menos contribuem”, lamentou Salil Shetty, secretário-geral da Anistia.
“A situação é intrinsecamente injusta”, apontou Shetty, em um comunicado divulgado no dia 25 deste mês. Em lugar do Pacto Mundial sobre a divisão de responsabilidade, “o que se avizinha é, possivelmente, um vergonhoso fracasso histórico, no qual alguns Estados estão dispostos a sacrificar os direitos das pessoas refugiadas por causa de seus egoístas interesses nacionais”, ressaltou.
O secretário-geral da ONU pede um novo enfoque para atender os grandes deslocamentos de refugiados e migrantes, e em maio elaborou algumas propostas, que apresentou em um informe à Assembleia Geral e que propunham pactos internacionais. Estes contemplarão a responsabilidade compartilhada, pela qual nenhum país terá que receber mais do que uma proporção justa de refugiados.
A Anistia alertou que inclusive o conceito de “responsabilidade compartilhada” está em risco e que todo o acordo poderá atrasar porque alguns países reclamam uma igualdade absoluta. A organização se queixa da falta de vontade política e da disposição de alguns governantes de tolerar o sofrimento evitável de milhões de pessoas, ao continuar com a construção de muros.
As migrações são parte da história da humanidade, recordou na reunião do IPI o representante permanente do Marrocos, Omar Hilale, que presidirá o Grupo Mundial sobre Migrações. “Deveria ser um debate positivo, reconhecendo a importância das migrações. Não é um motivo de conflito entre o Norte e o Sul”, opinou.
Por sua vez, Karen Abu Zayd, assessora especial para a Cúpula sobre Abordagem de Grandes Movimentos de Refugiados e Migrantes, afirmou que o trabalho de criar mecanismos concretos está “nas mãos dos Estados membros”. A Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável se refere às migrações de forma positiva, ao contrário da cobertura feita por grandes meios de comunicação.
“Não devemos perder de vista o contexto geral: os aspectos positivos e as histórias de sucesso” resultantes das migrações, pontuou Abu Zayed, destacando também que a maioria dos refugiados é de meninos e meninas que têm cinco vezes menos probabilidade de continuar com sua educação.
Os refugiados sírios são atualmente 30% da população do Líbano e 20% da população da Jordânia. Para atender essa situação, países como o Líbano contraíram grandes dívidas, enquanto os nove países mais ricos do mundo receberam menos de 9% dos refugiados, segundo a organização humanitária Oxfam.
Jordânia, Turquia, Paquistão, Líbano, África do Sul e os territórios palestinos concentram 50% dos refugiados e solicitantes de asilo do mundo, mas representam menos de 2% da economia mundial. A análise da Oxfam concluiu que Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, França e Reino Unido receberam 2,1 milhões de refugiados e solicitantes de asilo em 2015, 8,88% do total.
Consultada sobre a importância de os países ricos oferecerem assistência econômica mediante empréstimos a juros baixos para esses países ou investirem em ajuda humanitária, Mais Balkhi, diretora de projetos da Syria Reliefand Development, disse que “é importante os países ricos compartilharem a responsabilidade, que inclui receber refugiados, além de oferecer assistência econômica aos países receptores e vizinhos da Síria, e aumentar a ajuda humanitária”.
O vice-secretário-geral Jan Eliasson afirmou este mês em um fórum sobre migrações e desenvolvimento que nos últimos tempos o debate sobre migrações e refugiados esteve dominado por questões de segurança. E ressaltou a necessidade de reconhecer que os deslocamentos humanos têm um impacto positivo no desenvolvimento e são um motor de prosperidade econômica e de progresso social.
“Há marcos transnacionais para atender questões ambientas, comerciais e financeiras, mas carecemos de enfoques globais similares para a governança das migrações internacionais, e que as relacionem com direitos humanos e desenvolvimento”, observou Eliasson.
Porém, Balkhi destacou à IPS que os tratados existentes, como o de direitos humanos, bastariam se fossem implantados, mas não é o caso. “Creio que deveria haver um plano e uma estratégia para implementar os tratados existentes e não para criar novos. Os Estados deveriam prestar contas sobre os direitos humanos, aplicados ou não”, acrescentou.
No dia 25 deste mês, a Assembleia Geral das Nações Unidas assinou um acordo de relação com a Organização Internacional para as Migrações, o que indica a vontade de reforçar a coordenação das questões migratórias dentro do sistema ONU. Envolverde/IPS