Internacional

Adolescentes contra o casamento precoce

Adolescentes de Shinyanga dançam durante o programa de aprendizado alternativo da Unesco, que procura dotá-las de capacidades para a vida. Foto: KizitoMakoye/IPS
Adolescentes de Shinyanga dançam durante o programa de aprendizado alternativo da Unesco, que procura dotá-las de capacidades para a vida. Foto: KizitoMakoye/IPS

Por KizitoMakoye, da IPS – 

Kahama, Tanzânia, 27/1/2016 – A adolescente tanzaniana Maria tinha apenas 16 anos quando seu pai a obrigou a abandonar a escola para casarcom um homem 20 anos mais velho, o que permitiria à família receber vacas de dote. “Não queria casar, queria estudar para ser médica, mas meus sonhos pareciam despedaçar”, contou à IPS. Angustiada, a jovem, agora com 18 anos pediu várias vezes ao seu pai que a deixasse terminar os estudos, mas ele negou. “Se não casar, saia da minha casa, me disse com raiva”, recordou a jovem.

Seu pai, um camponês pobre da aldeiaNgongwa, atingida pela seca na região de Shinyanga, sempre contou com suas filhas para um intercâmbio econômico. A irmã mais velha de Maria, também obrigada a se casar com um homem polígamo há quatro anos, morreu de tanto sangrar durante o parto, contou a jovem. Para evitar ter o mesmo destino de sua irmã, Maria fugiu antes de casar, foi para a casa de uma tia em uma aldeia distante da sua, e teve muito medo de regressar. “Não quis passar o mesmo sofrimento que minha irmã e decidi fugir”, justificou.

Mas, quando mal tinha começado sua nova vida, se deu conta de que estava grávida. “Sentia vergonha, estava totalmente envergonhada. Considerei um grande insulto à minha família e ao meu pai, apesar de ter me obrigado a casar”, disse a jovem. Maria mantinha relações sexuais com um jovem que a levava e trazia de bicicleta da escola, ainda antes de seu pai decidir casá-la com um homem mais velho.

A adolescente deu à luz a um bebê em 2014 e decidiu ficar com sua tia, pois, ainda que quisesse voltar à casa paterna, ele não aceitaria a carga de criar um neto nascido fora do casamento. “Estou muito feliz por minha tia me apoiar tanto, ela assumiu uma responsabilidade enorme durante minha gravidez”, reconheceu Maria. Sua história reflete a difícil situação de muitas adolescentes estudantes em Shinyanga em toda a Tanzânia, cujos sonhos viram cacos por causa da gravidez precoce.

Esse país tem um dos maiores números de gravidez de adolescentes e nascimentos do mundo: uma em cada seis adolescentes entre 15 e 19 anos engravida, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).Em Shinyanga, as jovens que engravidam antes de casar costumam suportar o peso do estigma, inclusive por parte de seus familiares, explicou ConsolataMabula, trabalhadora social desse distrito.

A fim de oferecer às adolescentes uma segunda oportunidade em matéria de educação, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) leva adiante um projeto para empoderar as que tiveram que abandonar a escola devido à gravidez, dando oportunidade de mudarem o curso de suas vidas mediante uma capacitação vocacional.“Estou feliz de unir-me a esse grupo, e talvez consiga meu sonho de ser médica um dia, quem sabe”, se entusiasma Maria ao saber do projeto por meio de uma amiga.

A iniciativa, chamada Provisão de Oportunidades de Aprendizado Alternativo para Adolescentes Obrigadas a Abandonar a Escola Devido à Gravidez, começou a funcionar em 2011 e conta com apoio econômico do governo do Japão. Até agora, já foram capacitadas 200 jovens na região.

A representante da Unesco na Tanzânia, Zulmira Rodrigues,apontou que o aprendizado alternativo é a melhor forma de dotar as meninas de conhecimentos e habilidades para poderem se sustentar enquanto avançam para a concretização de seus sonhos. “A educação é a única chave para que tomem decisões informadas sobre suas vidas e melhorem seu bem-estar socioeconômico”, acrescentou.

Rodrigues afirmou que a maioria das adolescentes das zonas rurais costuma sucumbir à violência sexual e à gravidez não desejada por falta de informação adequada sobre saúde sexual e reprodutiva. A Tanzânia fez grandes avanços na incorporação de meninas e meninos na escola primária, mas poucas das estudantes a completam, especialmente em zonas rurais, por gravidez precoce, ressaltouMabula.

Mães adolescentes com seus filhos participam de um curso de capacitação para dotá-las de habilidades para avida, após abandonarem a escola devido à gravidez precoce. Foto: KizitoMakoye/IPS
Mães adolescentes com seus filhos participam de um curso de capacitação para dotá-las de habilidades para avida, após abandonarem a escola devido à gravidez precoce. Foto: KizitoMakoye/IPS

Segundo a Unesco, Shinyanga está entre as regiões com maior deserção escolar de meninas na adolescência por causa de gravidez e casamento precoces.Analistas locais atribuem esse fato à falta de um contexto legal que desestimule os pais a casarem suas filhas menores de idade, bem como a costumes tradicionais que afetam os direitos de meninos, meninas e adolescentes.

“Alguns pais preferem casar suas filhas para obter o dote, em lugar de permitir que terminem os estudos”, destacouLeahOmari, conferencista do Instituto de Trabalho Social de Dar es Salaam.A Unesco também indicou que os professores em Shinyanga denunciaram que alguns pais pedem às suas filhas que não se saiam bem na escola, para não terminarem sua formação e assim poderem casá-las.

Manter relações sexuais com menores é crime na Tanzânia, mas alguns pais recorrem à essa estratégia para casar suas filhas, aproveitando uma exceção especial prevista na lei matrimonial. Segundo a norma de 1971, uma menina de até 15 anos pode contrair matrimônio com o consentimento do pai ou a aprovação da justiça.

Mas os ativistas denunciam que, uma vez casadas, as adolescentes sofrem violência física e sexual, o que coloca em risco sua saúde sexual e reprodutiva. “Em muitos casos, as menores de idade sofrem complicações durante o parto porque seus corpos não estão preparados”, ressaltou UpendoKashindye, uma ativista pelos direitos humanos em Shinyanga.

ZaituniMkwama é outra menina de Kahama, que ficou gravida em 2013, aos 17 anos, e os professores a expulsaram da escola. “Não sabia o que estava acontecendo”, afirmou. O pessoal docente a interrogou sobre as mudanças físicas e de comportamento que notaram. Quando o exame clínico obrigatório que lhe indicaram confirmou a gravidez, ela foi expulsa da instituição. “Me deram uma carta de afastamento da escola. Me senti muito mal e assustada”, contou a adolescente, que sonhava em ser advogada.

“A pobreza é um fator crucial”, destacou Eda Sanga, diretora executiva da Tamwa, uma organização de direitos humanos de Dar es Salaam, capital da Tanzânia. “Os pais obrigam suas filhas menores a se casarem para não terem de cuidar delas nem de seus netos”, pontuou.“Quando meu pai viu que eu estava grávida, me levou para casa do rapaz que me engravidou e nos forçou a casar”, contou Zena Haruna, de 19 anos, residente em Kahama. Envolverde/IPS