Por Ashfaq Yusufzai, da IPS –
Peshawar, Paquistão, 30/3/2016 – Afeganistão e Paquistão, os dois países onde a poliomielite ainda é endêmica, uniram-se para erradicar a doença e coordenar as campanhas para vacinar os menores de cinco anos dos dois lados da fronteira. Ambos, que compartilham 2.400 quilômetros de fronteira permeável, são considerados um obstáculo para as iniciativas que procuram pôr fim à enfermidade, já que o grupo extremista Talibã se opõe à aplicação da vacina.
Peshawar, capital de JiberPajtunjwa, uma das quatro províncias do Paquistão, junto com as vizinhas Áreas Tribais sob Administração Federal (Fata) e a província afegã de Nangarhar foram declaradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) zonas onde a poliomielite é endêmica.
Desde janeiro deste ano,“começamos campanhas sincronizadas em JiberPajtunjwa, nas Fata e no Afeganistão para vacinar todas as crianças dos dois lados da fronteira”, explicou à IPS o ministro da Saúde dessa província, ShahramTarakai. “Há cerca de cem mil meninos e meninas que não se quer que sejam vacinados dos dois lados da fronteira e que supõem uma ameaça para a campanha de erradicação da pólio. Cada uma dessas crianças deve receber as doses da vacina oral”, acrescentou.
O governo provincial solicitou o apoio de autoridades religiosas para vencer a rejeição à vacina, contouAyubRoz, um dos responsáveis pela campanha de imunização em JiberPajtunjwa. Segundo ele, as autoridades religiosas participam da campanha para dissipar os temores de que a vacina contra a pólio possa atentar contra o Islã e afetar a capacidade de reprodução das pessoas.
MaulanaSamiulHaq, chefe do famoso seminário DarulUloomHaqqani, disse à IPS que foi pedido aos líderes religiosos para acompanharem os trabalhadores da saúde para insistir com os pais sobre a importância de imunizar seus filhos, a fim de protegê-los das consequências da doença. “É responsabilidade dos pais proteger seus filhos de enfermidades e lhes oferecer um ambiente seguro e saudável. Este ano já convencemos dez mil pais a vacinarem seus filhos”, destacou.
O agricultor Muhammad Rizwan, morador em Nowshera, um dos 26 distritos de JiberPajtunjwa, afirmou à IPS que não havia vacinado seus filhos por acreditar que ia contra o Islã. “Meu filho mais velho, de quatro anos, teve diagnosticada poliomielite, e agora as autoridades religiosas me convenceram a vacinar os outros dois para que cresçam saudáveis”, acrescentou. Ele contou que o Talibã alertou as pessoas para não vacinarem contra a pólio, mas os religiosos começaram a convencer os pais, que “levam seus filhos de forma maciça”.
O chefe de polícia de JiberPajtunjwa, Jan Durrani, informou que foram designados mais de dez mil agentes para garantir a segurança dos vacinadores. “Os insurgentes assassinaram 70 trabalhadores da saúde durante a campanha anterior, de 2012 a 2015, mas este ano não foi registrado nenhum incidente”, afirmou. O Talibã não quer que os vacinadores façam seu trabalho, mas garantimos sua segurança, ressaltou.
Um novo caso registrado na província afegã de Kunar, fronteiriça com as Fata e JiberPajtunjwa, disparou o alarme, o que fez os dois países acelerarem a campanha nessas áreas. Mais de 60 casos de poliomielite registrados em 2015 ocorreram no Afeganistão e no Paquistão.Peshawar registrou dez casos, dos 18 detectados na província em 2015. O fato se deve principalmente à livre circulação de meninos e meninas do Afeganistão e das Fata, zonas que necessitam de vacinação. Inclusive, dois dos casos demonstraram ter vínculos com o vírus afegão.
O médico Ijtiar Ali, das Fata, disse à IPS que a sincronização das campanhas a partir de janeiro nos dois países está dando resultados. “Foram registrados seis casos no Paquistão e um no Afeganistão até 16 deste mês, porque foram instalados 14 postos de vacinação na fronteira”, afirmou. Explicou que a qualidade da vacinação em Torjam, principal posto fronteiriço por onde passam centenas de crianças diariamente, não estava em seu melhor nível no ano passado, por isso os menores infectados levaram o vírus de um lado a outro.
Ahmed Barakzai, funcionário de saúde da província afegã de Nangrahar, apontou que a situação começou a dar sinais de melhora graças ao apoio de religiosos e idosos da comunidade. “Reduzimos a rejeição à vacinação de 60 mil, em 2015, para 22 mil este ano. A única forma de enfrentar a pólio é garantir a qualidade da vacinação”, pontuou.
Como em JiberPajtunjwa e nas Fata, conseguimos a participação da polícia e das autoridades religiosas na campanha, detalhouBarakzai. “Em algumas áreas tivemos que enfrentar a questão da segurança, porque os vacinadores temiam os combatentes, mas recorremos aos religiosos para enfrentar a situação”, indicou.
A médica SairaAfzal Tarar destacou que a sincronização das campanhas deu bons resultados. “Vamos reforçar mais a vacinação nas zonas fronteiriças”, enfatizou. No Paquistão vivem pelo menos seis milhões de refugiados afegãos. As crianças afegãs levavam o vírus parao Paquistão porque não havia vacinação no Afeganistão, explicou. Agora, todas as crianças recebem a vacina nos postos de fronteira, oque permitiu diminuir as possibilidades de infecção, ressaltou a médica. Envolverde/IPS