Por Fabíola Ortiz, da IPS –
Paris, França, 27/7/2015 – Os países africanos deveriam buscar suas próprias estratégias para melhorar sua adaptação ao aquecimento global e mitigar os efeitos da mudança climática nas futuras gerações, em lugar de continuar dependendo da assistência estrangeira. Esta foi a mensagem que ecoou na conferência científica internacional Nosso Futuro Comum com a Mudança Climática, realizada este mês na capital francesa, que receberá a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática.
Essa cúpula, que acontecerá de 30 de novembro a 11 dezembro, deverá forjar um acordo universal e vinculante para evitar que a temperatura global da Terra supere os dois graus centígrados. A África já sente diariamente os efeitos do aquecimento global, segundo a sul-africana Penny Urquhart, especialista independente e uma das autoras do quinto informe de avaliação do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC).
As projeções sugerem que nesse continente a temperatura vai superar os dois graus até 2100, e que localmente haverá aumento mais rápido do que em escala global. As avaliações científicas também concordam que a África sofrerá cada vez mais os efeitos desse fenômeno, suportando eventos climáticos extremos que aumentarão em frequência, intensidade e duração. “A maioria dos países da África subsaariana tem um alto grau de vulnerabilidade climática”, apontou Urquhart à IPS.
“Com os anos, as pessoas foram se adaptando a essas variações, mas o que vemos é um aumento dos riscos vinculados à mudança climática”, afirmou Urquhart. Os sistemas para monitorar os dados ainda não são bons e são escassos, mas “na África sabemos que existe um aumento de temperatura”, acrescentou. Se a temperatura global aumentar dois graus até o final deste século, o impacto será sentido na África austral como se o aumento fosse de quatro graus, ressaltou.
A vulnerabilidade à variação climática depende muito do contexto e da exposição das pessoas às suas consequências, segundo a especialista sul-africana, por isso é difícil estimar quantas pessoas serão afetadas pelo aquecimento global nesse continente. Mas o IPCC assinala que, dos 800 milhões de pessoas que se estima vivem na África, mais de 300 milhões sofrem escassez hídrica, e que até 2050 o número dos que estarão em risco de sofrer maior estresse em relação à água girará entre 350 milhões a 600 milhões de pessoas.
Segundo Urquhart, em algumas áreas não é fácil prever o que acontecerá com a chuva. “Na região do Chifre da África, as observações parecem mostrar uma redução nas chuvas, mas os modelos preveem um aumento das precipitações”. Houve eventos climáticos extremos ao longo da costa ocidental do continente, enquanto em Moçambique foi registrado aumento de ciclones, os quais causaram inundações. “Essa é a soma de tendências que vemos. Secas principalmente no oeste e aumento das precipitações no leste da África”, destacou.
Para Edith Ofwana, especialista de programa do canadense Centro Internacional de Pesquisa para o Desenvolvimento (IDRC), um dos setores mais vulneráveis à variação climática na África é a agricultura, o eixo da maioria das economias africanas, o que pode ter um impacto negativo na segurança alimentar. “O maior desafio é como trabalhar com as comunidades, não só para enfrentar os impactos no curto prazo, como também para se adaptar e ter resiliência na medida em que passa o tempo. Devemos idealizar soluções práticas que sejam acessíveis e criadas com base nos conhecimentos das comunidades”, explicou.
Os especialistas concordam que qualquer medida para fazer frente à mudança climática deve responder às necessidades sociais, especialmente quando os eventos climáticos severos podem desarraigar comunidades inteiras, obrigando as famílias a buscarem melhores oportunidades. “Esse fenômeno criou o que já se chama de migrantes climáticos”, pontuou Ofwana.
A mudança climática poderia exacerbar os conflitos sociais, que se agravam por outros problemas, como a competição pelos recursos e a degradação do solo. Para a especialista do IDRC, “é preciso considerar a natureza multicausal da pobreza sobre o meio de vida das pessoas: enquanto as mais ricas poderão se adaptar, as mais pobres terão dificuldades”.
Ofwana opinou que a chave é combinar evidência científica com o que é de conhecimento das próprias comunidades afetadas, e fazer com que seja acessível e sustentável. “É importante vincular a ciência à sociedade, e que seja prática para que possa mudar vidas e fazer frente aos desafios que enfrentam as pessoas, especialmente com relação à segurança alimentar”, acrescentou.
Na África, a consciência sobre a mudança climática “é bastante alta”, segundo Ofwana. Alguns países já definiram suas próprias políticas e estratégias climáticas, e outros têm estratégias para um crescimento com baixas emissões de dióxido de carbono e um desenvolvimento sustentável. A especialista destacou o papel fundamental das nações africanas na hora de criar uma política ambiental adequada, e ressaltou que devem ser protagonistas na luta contra a mudança climática e não apenas passivos receptores da assistência internacional.
Os governos africanos devem entrar com parte dos fundos necessários para implantar projetos de adaptação e mitigação e, embora “possamos obter algo dos fundos internacionais, em certo ponto devemos entrar com nossos próprios recursos. Apesar de haver grande conscientização a respeito, o compromisso não é igualmente elevado”, enfatizou Ofwana. Envolverde/IPS