Internacional

África do Sul busca uma boa alimentação

Christopher D’Aiuto, especialista em solos e coordenador de produção da iniciativa Harvest of Hope, ajuda um grupo de mulheres da organização Abalimi Bezekhaya a preparar pacotes com verduras frescas. Foto: Astrid Stark/IPS
Christopher D’Aiuto, especialista em solos e coordenador de produção da iniciativa Harvest of Hope, ajuda um grupo de mulheres da organização Abalimi Bezekhaya a preparar pacotes com verduras frescas. Foto: Astrid Stark/IPS

Por Munyaradzi Makoni, da IPS – 

Cidade do Cabo, África do Sul, 2/12/2015 – A iniciativa Harvest of Hope (Colheita da Esperança) ajuda os pequenos agricultores dos arredores desta cidade do sul da África do Sul a cultivarem verduras orgânicas em hortas urbanas. “Todas as verduras são produzidas sem químicos”, ressaltou Rachel McKinney, coordenadora de mercado da Harvest of Hope, projeto criado pela organização Abalimi Bezekhaya e que agora conta com mais de cem pequenos produtores ecológicos.

A Abalimi Bezekhaya ajuda os produtores de hortaliças das localidades de Jayelitsha, Gugulethu, Philippi, Nyanga, da periferia da Cidade do Cabo, e assegura a compra de sua produção, que é oferecida a clientes no centro de Philippi. Um maço de verduras variadas para duas pessoas, que dura uma semana, custa cerca de US$ 7, e o maior, para quatro pessoas, US$ 10, o que significa uma fonte de renda para os agricultores, explicou McKinney.

Com mais de 35 hortas e granjas colaborando com a Harvest of Hope, é preciso garantir que todos pratiquem agricultura orgânica, e a forma mais fácil é com análises anuais, detalhou Christopher D’Aiuto, especialista em solos e coordenador de produção da iniciativa. “Analiso o solo e as verduras para garantir que não contenham metais pesados nem pesticidas, e também que a produção proceda de sementes e mudas orgânicas”, afirmou.

A Constituição da África do Sul é uma das 23 do mundo que garantem o direito à alimentação e, no entanto, esse país sofre de má nutrição, seja por subalimentação, causada pela fome, ou por superalimentação, que provoca obesidade.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) denuncia que o direito a uma alimentação adequada não é cumprido, porque há mais de 793 milhões de pessoas no mundo que vão dormir com fome. Na África do Sul, há 11 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza e que passam fome diariamente, segundo dados do Banco Mundial de Alimentos.

A má nutrição é a principal causa de morte de 64% dos menores de cinco anos falecidos na África do Sul, segundo o escritório local do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A pesquisa Exame Nacional de Nutrição e Saúde da África do Sul revela que as deficiências no crescimento de meninos e meninas são um dos principais indicadores de má nutrição.

“Soa o alarme”, advertiu Scott Drimie, diretor do Laboratório de Alimentos da África Austral (SAFL), uma plataforma da África do Sul para atender preocupações pelos sistemas de alimentos. Também há um número elevado de população adulta obesa, o que revela uma complexa trama quanto aos alimentos que as pessoas consomem e onde elas vivem, o que se reduz à disponibilidade de água e ao investimento em serviços de saúde, apontou.

A má alimentação é um problema social e é preciso analisar os sistemas de alimentos, seu vínculo com a saúde, e é necessária uma resposta intersetorial, ressaltou Drimie. “Como país de renda média, a África do Sul não deve ter problemas com a má nutrição ou a obesidade. Temos mecanismos, temos recursos e o problema político maior é por que não se faz algo”, destacou, insistindo em que não é dada atenção ao direito à alimentação.

Um estudo do laboratório farmacêutico GlaxoSmithKline (GSK) concluiu em 2010 que 61% dos sul-africanos entrevistados tinham sobrepeso, eram obesos ou obesos mórbidos. “Grande parte da má nutrição e da obesidade deriva da pobreza. São como dois lados da mesma moeda”, enfatizou à IPS Tatjana von Bormann, gerente de programa para transformação do mercado do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). A obesidade é uma forma de má nutrição, e na maioria das vezes é consequência de más escolhas, acrescentou.

O imposto sobre valor agregado (IVA) não é aplicado aos alimentos básicos, para amortizar seu custo para os setores mais pobres da África do Sul. Uma lei de outubro de 2013 assegura a fortificação do milho e da farinha de trigo com vitamina A, ácido fólico, ferro e zinco. Outras medidas dispostas incluem a regulamentação do sal adicionado aos produtos alimentares.

“Pelo preço, você escolhe o que pode comprar; os alimentos saudáveis costumam ser mais caros. O milho, que é um produto básico, tem limitados nutrientes e engorda. Torna-se um assunto de conveniência, pode ser escolhido o que sempre está disponível ou mesmo por seu sabor agradável”, pontuou Bormann.

Em janeiro deste ano, a África do Sul uniu-se a outros 163 países que aprovaram o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, cujas obrigações incluem, entre várias outras, a distribuição de alimentos adequados. Isso fortaleceu a cobrança da sociedade civil para que se disponha de um mecanismo tangível que leve suficientes alimentos nutritivos a toda população sul-africana.

A pesquisa Direito à Alimentação na África do Sul, divulgada este ano pela entidade Estudos em Pobreza e Desigualdades, diz que o direito às políticas alimentares implantadas na era pós-apartheid não conseguiram alterar os desequilíbrios estruturais no sistema alimentar da África do Sul, nem eliminar a fome, nem a má nutrição. No país, a disponibilidade de alimentos não é realmente um motivo de preocupação significativa. Mas o governo não conseguiu desenvolver uma resposta coordenada e integral para satisfazer o direito à alimentação, afirma o documento.

A Nova Política Nacional sobre Segurança Alimentar e Nutrição, do Departamento de Agricultura, Silvicultura e Pesca, foi elogiada por oferecer uma nova forma de pensar e pautas para a ação governamental em relação à segurança alimentar, segundo o estudo. A iniciativa dá mais atenção à reforma da terra e à agricultura do que a fatores que causam insegurança alimentar nas cidades.

Sasha Stevenson, advogada do centro Section 27, destacou que a alimentação é um direito básico consagrado na Constituição, mas que também é necessário compreender o que significa na prática. Envolverde/IPS