Internacional

África reescreve história de sua agricultura

A plantação de bananas de Albert Kanga,em Abidjã, na Costa do Marfim. Foto: Friday Phiri/IPS
A plantação de bananas de Albert Kanga,em Abidjã, na Costa do Marfim. Foto: Friday Phiri/IPS

Por Friday Phiri, da IPS – 

Abidjã, Costa do Marfim, 20/7/2016 – O marfinense Albert KangaAzaguie já não se considera um pequeno agricultor. Aprendeu a analisar a oferta e a demanda de um dos produtos básicos da Costa do Marfim, a banana, e começou a produzir fora de temporada para vender a um preço melhor. “Agora sou um grande agricultor. A lógica é simples. Quando quase não há banana no mercado, estou pronto para vender a um preço maior”, explicou.

Kangapossui 15 hectares, a 30 quilômetros de Abidjã, capital do país,e, com uma produção de 12 toneladas por hectare, é um dos poucos produtores que reescrevem a história da agricultura africana,desafiando a retórica habitual em uma região pobre, de fome e insegurança alimentar, com mais de 232 milhões de pessoas subalimentadas, aproximadamente uma em cada grupo de quatro.

Para os especialistas, é irônico que esse continente tenha importado cerca de US$ 35,4 bilhões em alimentos em 2015, porque tem 60% das terras cultiváveis do mundo e porque 60% da força de trabalho está empregada na agricultura, o que representa aproximadamente um terço do produto interno bruto. As razões são várias, desde desafios estruturais pelas más infraestrutura e governança, e um mercado com cadeia de valorpobre, o que deriva em uma baixa produtividade.

Além disso, as mulheres são a base do trabalho agrícola, mas são sistematicamente discriminadas no tocante à propriedade da terra e a receber outros incentivos, como créditos e insumos, o que limita suas possibilidades de tirar proveito da cadeia de valor nesse setor. “As mulheres possuem apenas 1% da terra na África, recebem 1% do crédito para agricultura e, no entanto, são a maioria da força de trabalho do setor”, explicou Buba Jan, oficial de programa da organização ActionAid.

Jan acredita que a África não conseguirá alcançar a segurança alimentar, e menos ainda a soberania, se as mulheres seguirem marginalizadas em relação ao direito à terra, e a Agenda do Banco Mundial para o Sistema Global de Alimentos é favorável ao fechamento da brecha de gênero. Segundo este manual, se as mulheres tiverem acesso aos mesmos bens, insumos e serviços que os homens na agricultura, a produção poderá aumentar entre 20% e 30% e o número de pessoas que passam fome diminuir de 12% para 17%.

Albert Kanga em sua plantação de bananas em Abidjã, na Costa do Marfim. Foto: Friday Phiri/IPS
Albert Kanga em sua plantação de bananas em Abidjã, na Costa do Marfim. Foto: Friday Phiri/IPS

O empoderamento das mulheres é um dos fatores cruciais do quebra-cabeça. O outro é enfrentar os desafios estruturais que estão profundamente arraigados, que exigem ambição e investimento, segundo a agenda Alimentando a África, do Banco de Desenvolvimento Africano (BDA). Transformar a cadeia de valor na agricultura exigirá entre US$ 280 bilhões e US$ 340 bilhões na próxima década, de acordo com essa instituição, o que criará um mercado de US$ 55 bilhões a US$ 65 bilhões ao ano até 2025.

O BDA prevê quadruplicar seus investimentos, dos US$ 612 milhões atuais para US$ 2,4 bilhões, a fim de alcançar esse objetivo ambicioso.“Nosso objetivo é claro: conseguir a autossuficiência alimentar da África em dez anos, eliminar a má nutrição e a fome, e colocar o continente no alto da cadeia de valor na agricultura, bem como acelerar o acesso a água potável e saneamento”, ressaltouAknwumiAdesina, presidente do banco, na reunião anual.

A instituição procurará transformar a agricultura em um negócio para os produtores. Mas, mesmo com esse ambicioso objetivo e os enormes recursos econômicos que estão sobre a mesa, o “como” continua sendo a questão fundamental. O BDA procura usar a agricultura como ponto de partida para a industrialização,por meio de intervenções multissetoriais em infraestrutura, do uso intensivo de insumos agrícolas, da mecanização, de melhoras na oferta creditícia e de melhores sistemas de posse da terra.

Porém, ainda são necessárias compensações para equilibrar os dois sistemas, tendo em conta o desafio da mudança climática, que já causa estragos na agricultura. As duas escolas em matéria de desenvolvimento agrícola, a intensificação – mais produção por unidade mediante práticasintensivas – e a extensão – aumento da terra cultivada –, exigem um equilíbrio.

“A agricultura é importante para o desenvolvimento da África, é a principal fonte de renda, de alimentos e segurança do mercado, e também a principal fonte de emprego. Mas o setor deve enfrentar desafios enormes, sendo o mais urgente o da mudança climática, e precisa agir. Mas há compensações para os dois enfoques de ampliação”, explicou Sarwat Hussein, responsável de comunicações de Prática Global Agrícola do Banco Mundial. “Por exemplo, a intensificação exige cortar mais florestas e, em alguns casos, deslocar populações, duas medidas que têm impacto negativo no papel da agricultura na mitigação da mudança climática”, acrescentou.

“A ênfase deve ser para os investimentos agrícolas serem sensíveis ao clima para oferecer oportunidades, especialmente aos jovens africanos, e evitar que cruzem o Mediterrâneo em busca de oportunidades econômicas”, destacou o ministro de Agricultura e Desenvolvimento Rural da Costa do Marfim, MamadouCoulibalySangafowa.

“Os agricultores precisam de informação sobre tecnologias atuais, mas ela não chega quando mais necessitam”, apontouSangafowa, que também preside a Conferência Africana de Ministros de Agricultura, ao apontar a necessidade de melhorar a comunicação em matéria agrícola. O Banco Mundial e a African Media Initiative (AMI) também observaram a necessidade de atender a falta de informação em questões agrícolas nesse continente.

A agricultura concentra 60% da atividade econômica nacional e da renda da África, mas recebe uma cobertura desproporcionalmente menor na mídia, ocupando menos de 10% das declarações políticas e econômicas. A falta de interesse da imprensa deriva na falta de conhecimento público sobre o que ocorre na agricultura, mas também mal-entendidos sobre seu lugar na economia nacional e regional, destaca uma análise do Banco Mundial e da AMI.

Seja qual for o caminho que a África seguir para alcançar seu objetivo de ser autossuficiente em matéria alimentar e se converter em exportadora de alimentos até 2025, o agricultor marfinense Albert Kanga já começou sua transformação, graças ao Programa de Produtividade Agrícola na África ocidental (WAPP), apoiado pelo Banco Mundial, que o capacitou em técnicas de produção fora de época.

“Quando começamos, em 2007, havia um enorme déficit de alimentos na África ocidental, com produtividade de 20%, mas agora está em 30%, e depois foram lançados outros dois programas similares na África oriental e austral”, pontuou Abdoulaye Toure, especialista em economia agrícola do Banco Mundial, ao destacar os êxitos do programa.

Alguns dos principais elementosdo programa são pesquisa, capacitação de cientistas jovens para substituir a geração mais velha e disseminação de tecnologias melhoradas para os agricultores. Com a criação de centros de pesquisa em função do potencial particular de cada país, foi melhorado o intercâmbio de informação sobre as melhores práticas.

Kanga, que batizou seu terreno com o nome de seu irmão falecido, Dougba, não só fornece aos grandes supermercados como exporta para mercados internacionais, como a Itália. A agenda para alimentar a África pretende fornecer alimentos para 150 milhões de pessoas e tirar da pobreza outros cem milhões  até 2025. Kanga é um exemplo de que é possível. Envolverde/IPS