Por Friday Phiri, da IPS –
Lusaka, Zâmbia, 14/6/2016 – “É inaceitável que, 138 anos depois de Thomas Edison desenvolver a lâmpada incandescente, centenas de milhões de pessoas não possam ter acesso a eletricidade na África”, lamentou o presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Akinwumi Adesina, em Lusaka, capital de Zâmbia.As estatísticas indicam que mais de 645 milhões de pessoas na África não têm acesso a energia elétrica e que mais de 700 milhões carecem de energia limpa para cozinhar.
Adesina atribui a pobreza do continente e a constante emigração dos jovens para a Europa à falta de energia. “Até mesmo os insetos fogem da escuridão para onde haja luz. Nossos jovens estão fugindo, centenas se afogam, mas o futuro da juventude da África não está no fundo do Mar Mediterrâneo”, afirmou Adesina ao abrir a 51ª sessão anual do BAD, realizada entre os dias 23 e 27 de maio, sob o lema “energia e mudança climática”.
Entre as estratégias do Banco está a chamada Ilumina e Acende a África, com o objetivo de conseguir acesso universal a energia no continente nos próximos dez anos, mediante a expansão da rede elétrica em 160 gigawatts (GW), para conectar 130 milhões de pessoasao sistema, e 75 milhões de pessoas a sistemas fora da rede.
“Simplesmente, a África está cansada de estar na escuridão”, destacou Adesina. Ele acredita que o acesso universal a energia liberará o potencial do continente para poder alimentar sua população e alcançar a industrialização, integração e, em última instância, melhorar a qualidade de vida das pessoas. O BAD “investirá US$ 12 bilhões no setor de energia nos próximos cinco anos”, acrescentou.
No entanto, como o acordo climático alcançado em Paris em 2015 se centrou na transição para a energia renovável, uma pergunta crucial dividiu a opinião na sessão anual realizada em Lusaka. A África deve liderar o caminho para o crescimento verde ou seguir pela via intensiva em dióxido de carbono, a mesma tomada pelos países do Norte para conseguir a industrialização?
O ex-presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, defendeu o direito da África de tomar a segunda via. “Na África temos de usar o que temos para conseguir o que precisamos. O Ocidente utilizou o carvão para se desenvolver e penso que deveriam permitir que também contaminemos um pouco e, depois, todos nos somaremos à limpeza”, afirmou durante uma mesa-redonda sobre o Novo Tratado para a Energia, uma das iniciativas que o BAD apresentou em Lusaka.
Embora o pensamento de Obasanjo pareça fora de lugar devido ao impulso mundial para a energia renovável, na capital de Zâmbia houve uma sensação de apoio ao direito da África de se desenvolver como preferir, especialmente quando os grandes contaminadores evitam o apoio financeiro e as reduções das emissões de gases-estufa.“Primeiro temos que conseguir acesso a energia para podermos saber qual é limpa e qual é suja”, afirmou o presidente do Chade e da União Africana, Idriss Deby.
“Sempre é difícil fazer uma escolha quando não se tem o que escolher. Embora tenhamos que proporcionar acesso universal a energia, a mudança climática é um obstáculo para nossos esforços, já que algumas estratégias são consideradas sujas”, afirmou o presidente de Zâmbia, Edgar Lungu, ao resumir o dilema da África.
Lungu destacou os problemas energéticos de seu país, após a escassez de chuvas sofrida em duas temporadas consecutivas, o que provocou baixos níveis de água para geração de eletricidade nas principais hidrelétricas de Zâmbia.Os presidentes do Quênia, Uhuru Kenyatta, e de Ruanda, Paul Kagame, bem como o vice-presidente da Nigéria, Yemi Osinbajo, estão mais preocupados em saber se a energia renovável é uma opção realista diante da industrialização do continente.
“Acreditamos que a energia renovável e a mudança climática são graves, mas o desenvolvimento de nossa gente é uma prioridade. A situação da África é única. Por exemplo, estamos falando da indústria aqui, e isso poderia exigir que os países instalem centenas de hectares de usinas solares para alcançar a potência necessária”, explicou Osinbajo, cujo sentimento pareceu refletir o de Kagame e Kenyatta, em uma mesa-redonda televisionada.
O tom subjacente dos líderes africanos nessas conversações apontou para o fluxo irregular de financiamento parao clima e de transferência de tecnologia, uma questão de debate no núcleo do desenvolvimento do continente, em relação à mudança climática.A mudança climática é real e, tanto no Norte como no Sul, se concorda por unanimidade que a África é uma vítima dela sem tê-la provocado. Portanto, isso implica justiça climática por meio do financiamento para o continente.
O argumento diz que a África deve receber apoio financeiro para se adaptar às consequências negativas da mudança climática, mas, ao mesmo tempo, deve desempenhar um papel estratégico nos esforços de mitigação. Entretanto, os fundos para o clima não se concretizam.
“Pouquíssimo dinheiro está fluindo para a adaptação e o Banco se preocupa com essa tendência”, disse Kurt Lonsway, gerente da divisão de Ambiente e Mudança Climática do BAD. A instituição “quer que mais recursos sejam canalizados também para a adaptação, como ocorre com a mitigação, onde se investe uma grande quantidade de recursos”, acrescentou.
O fluxo irregular dos recursos financeiros, junto com o escasso compromisso assumido pelo Norte industrializado na redução das emissões, poderia explicar o tom desafiador dos líderes africanos com relação à energia renovável, apesar de apoiarem plenamente o Acordo de Paris sobre o clima.
A ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson, argumentou que “o financiamento climático já não tem a ver com a ajuda à África, mas sim com os meios pelos quais se pode salvar o mundo de uma mudança climática catastrófica”. A diretora da Fundação Mary Robinson pela Justiça Climática destacou que, “portanto, peço a vocês, líderes africanos, que utilizem sua voz coletiva para conseguir o que desejam”.
Entretanto, o ex-secretário geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, se preocupa com a vontade política dos governantes africanos. “A transformação que buscamos também requer uma ação decisiva por parte dos líderes da África na reforma dos serviços públicos ineficientes, pouco equitativos e frequentemente corruptos, que não conseguiram dar às empresas um fornecimento de energia confiável, nem às pessoas o acesso a eletricidade”, afirmou o diplomata, que agora preside a organização Africa Progress Panel. Envolverde/IPS