Internacional

Agricultores e o desenvolvimento sustentável

Mary Nyirenda na horta que tem em seu terreno em Livingstone, em Zâmbia. Foto: Friday Phiri/IPS
Mary Nyirenda na horta que tem em seu terreno em Livingstone, em Zâmbia. Foto: Friday Phiri/IPS

A Organização Mundial de Agricultores (OMA) reuniu este mês cerca de 600 representantes de pelo menos 570 milhões de produtores de todo o mundo em Zâmbia, para debater sobre vários assuntos que lhes dizem respeito de perto, como mudança climática, posse da terra, inovação e construção de capacidades, como pilares para o desenvolvimento do setor.

Por Friday Phiri, da IPS – 

Livingstone, Zâmbia, 11/5/2016 – “Tenho uma propriedade de 35 hectares, mas só uso cinco por falta de água”, contou Mary Nyirenda, uma agricultora de Livingstone, onde foi realizada a reunião da OMA. “Com um único um poço só consigo regar uma área limitada. Não dependo mais das chuvas desde a temporada 2013-2014, quando perdi cinco hectares de milho por causa da seca”, disse à IPS.

Sentindo-se privilegiada por participar da Assembleia Geral da OMA deste ano, Nyirenda espera aprender formas inovadoras paramelhorar a produtividade e conseguir acesso a mercados para seus produtos hortícolas e avícolas. “Aprendi que trabalhar em grupo nos dá uma voz mais forte e capacidade de negociação”, afirmou, ao comparar as expectativas do encontro em relação à realidade.

“Passei várias dificuldades sozinha, mas agora compreendo que dois é melhor do que um, por isso agora meu trabalho é fortalecer nossa cooperativa, que ainda está desarticulada em termos de associação de produtores”, afirmou Nyirenda, ao destacar o poder das organizações de agricultores, que é para isso que existe a OMA.

Sob o lema Associação Para o Crescimento, a reclamação dos delegados na conferência, realizada entre os dias 4 e 7 deste mês, foi a de mudar o discurso, porque apesar de ser o eixo do multimilionário setor alimentício, responsável por dar de comer a todo o mundo, os agricultores estão entre as pessoas mais pobres do mundo.

A presidente da OMA, Evelyn Nguleka, afirmou que a situação tem que mudar. “É certo que os agricultores em todas as partes do mundo constituem a maioria das pessoas pobres, mas, por quê?”, perguntou durante a entrevista coletiva no encerramento da Assembleia Geral da OMA. Segundo disse, a falta de organização e informação são as principais razões para não se conseguir muitos avanços. “Se os agricultores permanecerem isolados, continuarão sendo pobres”, ressaltou.

“Por isso desenvolvemos uma ferramenta legal de agricultura por contrato, que será especialmente útil para os pequenos produtores cujos conhecimentos legais são escassos e se tornam presas fáceis de abuso”, explicou David Velde, presidente da União Nacional de Agricultores dos Estados Unidos e integrante da junta diretora da OMA.

Velde apontou à IPS que são necessárias várias ferramentas para ajudar os pequenos produtores a estarem bem equipados e tirarem o máximo proveito de seu trabalho, especialmente em um mundo com um clima instável, um subtema que apareceu em todos os debates da conferência devido à sua natureza multifacetária.

Como a transferência de tecnologia é um dos elementos fundamentais da agenda de desenvolvimento sustentável, que consta do Acordo de Paris, os delegados afirmaram que tanto a inovação quanto a construção de capacidade para que os agricultores melhorem sua produtividade não podem ser discutidas no vazio. O Acordo de Paris é o resultado da 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC).

“A agricultura é, por certo, um setor que necessita de atenção séria”, pontuou o presidente de Zâmbia, Edgar Lungu, em sua apresentação na Assembleia Geral da OMA. “O fato de existir uma organização de agricultores é um sinal de que a produção de alimentos, a segurança alimentar e a mudança climática são assuntos globais que não podem ser considerados de forma isolada. Os agricultores precisam de informação sobre os melhores métodos e tecnologias para aumentar a produtividade com consciência climática”, acrescentou.

Quando o mundo busca a forma de alimentar 793 milhões de famintos até 2030, com a perspectiva de que em 2050 haja 9,6 bilhões de habitantes no planeta, dos quais mais da metade na África, a OMA existe para encarar a enorme tarefa que seus membros enfrentam e que só poderá ser conseguido mediante o aumento da produtividade.

“A OMA reconhece que o mundo tem dois assuntos conflituosos: alimentar o mundo e mitigar a mudança climática”, observou William Rolleston, presidente da Agricultores Federados da Nova Zelândia. “As duas requerem enormes recursos, mas acreditamos que é possível atender ambas com maior produtividade utilizando a última tecnologia”.

Rolleston, também vice-presidente da OMA, destacou à IPS que o trabalho da organização não inclui o financiamento de agricultores, mas ajuda seus membros a inovar e a forjar associações para o crescimento.

Existe um consenso mundial de que, se não for enfrentada,a mudança climática poderá ser um obstáculo para se atingir os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Talvez essa seja a escolha mais difícil que os governantes tenham que fazer, conter o aquecimento global, com enormes consequências para a capacidade de produção mundial, que ao longo dos anos dependeu de uma economia com vastas emissões de carbono.

Com a aprovação dos ODS e a obtenção de um acordo climático histórico em 2015, a agenda socioeconômica global se encaminha para uma completa mudança de modelo. Mas a presidente da OMA pretende que os agricultores continuem sendo o eixo das políticas mundiais. “Quaisquer que sejam as mudanças que o mundo decidir empreender, não deverão ocorrer à custa de os agricultores sobreviverem ou conseguirem rentabilidade”, ressaltou Nguleka.

Segundo Nyirenda, o acesso aos mercados é a chave da capacidade de produção dos agricultores, especialmente das mulheres, que, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), constituem metade de força de trabalho do setor.

Na África, a proporção é notoriamente mais alta, de aproximadamente 80%. “Meus intercâmbios com organizações internacionais, como o Fida (Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola) e outras interessadas no empoderamento das mulheres realmente abriram meus olhos para seguir adiante”, enfatizou Nyirenda. Envolverde/IPS