Internacional

Agricultores no Quênia se defendem da invasão imobiliária

David Njeru, agricultor do centro do Quênia, examina seus repolhos. Sua comunidade corre o risco de ser deslocada por poderosos promotores imobiliários. Foto: Miriam Gathigah/IPS
David Njeru, agricultor do centro do Quênia, examina seus repolhos. Sua comunidade corre o risco de ser deslocada por poderosos promotores imobiliários. Foto: Miriam Gathigah/IPS

Por Miriam Gathigah, da IPS – 

Ngangarithi, Quênia, 14/5/2015 – As hortaliças desta tranquila comunidade agrícola nos férteis mangues do centro do Quênia não alimenta apenas os agricultores, mas também são vendidas nos mercados de Nairóbi, capital do país, 150 quilômetros ao sul. Espinafre, cenoura, repolho, tomate, milho, legumes e tubérculos são abundantes no povoado de Ngangarithi, uma paisagem caracterizada pelas tonalidades de verde e pelos riachos de água limpa onde as crianças brincam.

Pouco mais de 25 mil pessoas vivem na localidade do condado de Nyeri situada nas terras altas centrais, que agora enfrenta a ameaça dos construtores imobiliários.

Ramadan Njoroge, um dos moradores de Ngangarithi, disse à IPS que os piores temores da comunidade se tornaram realidade em janeiro, quando várias famílias de pequenos agricultores “encontraram marcadores delimitando terras que não havíamos vendido nem tínhamos intenção de vender”.

Um poderoso promotor imobiliário havia erguido os pesados blocos de concreto em diversos lugares das terras de cultivo comunitário onde pretendia construir edifícios comerciais. Os habitantes foram às ruas se manifestar contra o que consideravam apropriação de suas terras ancestrais. “Não podem vir aqui e nos expulsar de nossa terra. Vamos mostrar a todos que eles também podem ser desalojados por forças poderosas”, disse à IPS Paul Njogu, outro morador local.

“Minha avó me deu essa terra há 20 anos. Esse é meu lar ancestral e também meu meio de vida. Com os cultivos protegemos nosso patrimônio, garantimos a segurança alimentar e a criação de empregos”, afirmou Njogu.

Esta habitante de Ngangarithi rega seus cultivos com água dos mangues. Foto: Miriam Gathigah/IPS
Esta habitante de Ngangarithi rega seus cultivos com água dos mangues. Foto: Miriam Gathigah/IPS

Mas o mercado imobiliário do Quênia teve um crescimento espetacular nos últimos sete anos e demonstrou estar acima desses sentimentos. Os empresários se apressaram em identificar e adquirir todas as terras possíveis, por qualquer meio possível. É um setor lucrativo, com muitos ganhadores.

Mas os grandes perdedores são pessoas como Njoroge e Njogu, camponeses que compõem a maioria neste país de 44 milhões de habitantes. Segundo o Ministério da Agricultura, cerca de cinco milhões dos oito milhões de famílias quenianas vivem diretamente da agricultura. Em setembro de 2014 o Quênia passou a ser um país de renda média-baixa graças ao crescimento de seu produto interno bruto (PIB).

O Banco Mundial elogiou o país em um comunicado de imprensa. “O tamanho da economia é 25% maior do que o pensado, e o Quênia agora é a quinta maior economia da África subsaariana, atrás de Nigéria, África do Sul, Angola e Sudão”, afirmou a instituição. “O crescimento econômico em 2013 foi revisado para cima, de 4,7% para 5,7% e o PIB por habitante passou da noite para o dia, literalmente, de US$ 994 para US$ 1.256”, acrescentou o Banco Mundial.

O Escritório Nacional de Estatística do Quênia revelou que o setor imobiliário foi responsável por uma parte considerável do aumento da renda nacional, seguido de perto pela agricultura com 25,4% do PIB e do setor manufatureiro com 11,3%.

David Owiro, do centro de pesquisa Instituto de Assuntos Econômicos (IEA), disse à IPS que “o mercado da terra e dos imóveis no Quênia está crescendo exponencialmente”. Um documento das consultorias HassConsult e Stanlib Investments, divulgado em janeiro, confirma que a terra teve o maior rendimento entre os demais ativos nos últimos sete anos, com aumento de 98% desde 2007.

O preço da terra nos últimos quatro anos subiu mais que o dobro do gado e quatro vezes mais do que os imóveis, enquanto os preços do petróleo e do ouro caíam no mesmo período, segundo as pesquisas. O valor da terra aumentou 535%, de uma média de US$ 330 mil por acre em 2007 para US$ 1,8 milhão atualmente. Não seria tão exagerado dizer que a terra nesse país de 582.650 quilômetros quadrados vale seu peso em ouro.

Segundo Owiro, a crescente demanda de empresas comerciais e moradias de alta densidade em Nairóbi e suas zonas suburbanas e rurais é em grande parte responsável pela alta de preços. As estatísticas oficiais indicam, embora na capital residam dois milhões de habitantes, durante a jornada de trabalho estão presentes três milhões de pessoas em Nairóbi, já que os trabalhadores das zonas vizinhas inundam a cidade. Essa força de trabalho é um fator importante da demanda por moradia adicional, segundo Njogu.

Em consequência, dois grupos cujas fortunas e futuros estão vinculados à terra parecem destinados a entrar em conflito, os promotores imobiliários e os pequenos agricultores.

Enquanto a febre pela terra e o boom imobiliário se encaixam na imagem de prosperidade econômica que o Quênia mostra atualmente, se chocam com a nova série de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que a Organização das Nações Unidas (ONU) terminará de redigir em setembro.

A tentativa de apropriação das terras dos agricultores em Ngangarithi revela as armadilhas de um modelo de desenvolvimento que se baseia em valorizar o lucro de uns poucos acima do bem-estar de muitos. Os agricultores que vivem aqui por gerações não cultivam alimentos suficientes apenas para manter suas famílias, mas também alimentam toda a comunidade e são um elo vital na cadeia alimentar do país.

Agricultor mostra suas plantas de aloe vera, que as famílias camponesas do centro do Quênia apreciam por seu valor medicinal. Foto: Miriam Gathigah/IPS
Agricultor mostra suas plantas de aloe vera, que as famílias camponesas do centro do Quênia apreciam por seu valor medicinal. Foto: Miriam Gathigah/IPS

Tirar suas terras – dizem – terá consequências no longo prazo. O centro do Quênia é considerado um dos dois celeiros do país, sendo o restante o vale do Rift, em grande parte por sua capacidade de produzir abundantes colheitas de milho.

Em um país onde 1,5 milhão de pessoas sofrem insegurança alimentar a cada ano, segundo estatísticas oficiais citadas pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, empurrar os agricultores para a margem da sociedade separando-os de sua terra não tem muito sentido econômico.

Por outro lado, a invasão dos construtores nos mangues do Quênia atenta contra o desenvolvimento sustentável, já que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) qualificou os mangues de “vitais” para os setores da agricultura e do turismo, e pediu que o país proteja estas áreas ricas em biodiversidade, como parte de suas obrigações internacionais de conservação.

“Não estou lutando por mim, mas por meus filhos. Tenho 85 anos, vivi minha vida, mas meus bisnetos precisam de um lugar que possam chamar de lar”, afirmou Njogu. Envolverde/IPS

* Esta reportagem faz parte de uma série concebida em colaboração com Ecosocialist Horizons.