Internacional

Agricultura contra a malária na África

Mosquito Anopheles, transmissor da malária. Foto: FAO
Mosquito Anopheles, transmissor da malária. Foto: FAO

Por Mzizi Kabiba, da IPS – 

Kampala, Uganda, 28/10/2015 – Sessenta e cinco anos depois da histórica cúpula internacional sobre a malária realizada em Uganda a doença continua sendo um flagelo e sua incidência poderia aumentar em zonas da África subsaariana pelos efeitos combinados da mudança climática, das práticas agrícolas e pelo deslocamento de pessoas. Quase a metade da população mundial está em risco de contrair a enfermidade, transmitida ao ser humano pelo mosquito Anopheles. Além disso, estima-se que 214 milhões de pessoas se contagiarão este ano e quase 500 mil morrerão.

“A malária é o problema de saúde número um em nosso país”, afirmou Babria Babiler El-Sayed, diretora do Instituto de Pesquisa em Medicina Tropical do Sudão. Com ajuda da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), esse país começou a liberar mosquitos machos esterilizados para deslocar seus congêneres férteis e assim reduzir a população de mosquitos.

A FAO e a AIEA aplicaram a técnica “nuclear” (utilizando baixas doses de radiação) com sucesso contra a letal mosca tsé-tsé e a mosca da fruta. A malária é uma nova área e as duas agências experimentam na África oriental a Técnica dos Insetos Estéreis (TIE) para controle demográfico de pragas.

Também está provado que a malária é uma doença que pode ser prevenida, e que é explicitamente mencionada no terceiro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que deverão ser cumpridos até 2030. Uma das metas busca “pôr fim às epidemias de aids, tuberculose, malária e às enfermidades tropicais desatendidas, e combater a hepatite, as doenças transmitidas pela água e outras enfermidades transmissíveis.

A chave está em não depender de um único método ou ferramenta, mas em integrar os diferentes esforços para controlar a doença, afirmou El-Sayed. Essa é uma mudança em relação a 1950, quando a conferência da Organização Mundial da Saúde (OMS), realizada em Kampala, resolveu apoiar a utilização de diclordifeniltricloroetano (DDT) para erradica a malária. A trancos, aprendeu-se que mesmo um produto químico tão potente não pode resolver sozinho o problema.

De fato, no emblemático caso do vale do Tennessee, nos Estados Unidos, chegou-se ao desaparecimento da malária nos anos 1930 sem usar químicos, mediante uma maciça campanha contra a pobreza, combinada com um vasto programa de geração de emprego em uma central hidrelétrica.

O mais alarmante é a subida literal da malária para as terras altas, densamente povoadas, da África oriental. As populações do sudoeste de Uganda e algumas regiões de Zâmbia e Ruanda costumam carecer da resistência genética que os protegeria da doença, desenvolvida por agricultores de áreas propensas à sua existência.

A mudança climática causa todo tipo de variações no ambiente. Por exemplo, cada vez mais zambianos perdem a vida por culpa de crocodilos, leões e búfalos, porque são obrigados a percorrer maiores distâncias em busca de água por causa da seca. Para não mencionar o número recorde de migrantes, muitos dos quais não abandonam seu país, mas buscaram novos ecossistemas.

A isso se soma o sustentado aumento da temperatura, que eleva o possível habitat dos vetores da malária, que “se relaciona mais com a altitude do que com a latitude”, segundo pesquisa do Instituto Internacional de Pesquisa de Políticas Alimentares sobre as causas do drástico aumento da incidência da doença em zonas altas de Uganda. Isso também significa riscos especiais para as áreas acima de dois mil metros no Quênia, Burundi e Etiópia.

Métodos integrados, técnicas agrícolas, os próprios cultivos e as práticas humanas, como o uso de mosquiteiros, fazem parte dos êxitos na luta contra a malária. Com apoio internacional, o Instituto da Malária de Zâmbia praticamente eliminou a doença nos distritos do sul, principalmente graças a um esforço combinado, segundo o médico Phil Thuma, um dos pilares e defensores do que chamou de “intenso esforço” para lutar contra a epidemia.

Há tempos a FAO incorporou a distribuição de mosquiteiros aos seus programas, uma ferramenta simples, mas fundamental. De fato, atualmente um projeto no Quênia promove o uso de mosquiteiros tratados com inseticidas nos galpões onde estão os animais, e conseguiu um sensível aumento na produção láctea, pois tanto humanos como animais estão mais sadios.

Apesar das críticas de que muitos pescadores zambianos acabaram usando os mosquiteiros para melhorar sua captura ou que em Uganda eram usados para confeccionar vestidos de noiva, o fato é que são muito usados na África oriental e que muitas pessoas compram outros, confirmando sua utilidade, segundo um estudo realizado na Tanzânia.

O verdadeiro problema é que muitos agricultores se levantam antes do amanhecer ou ficam até mais tarde, o que os obriga a abandonar a proteção durante as horas em que os mosquitos picam. Quase todas as pessoas têm conhecimentos básicos sobre a malária, mas pouquíssimas ouviram falar sobre mudança climática.

Os estudos empíricos mostram claramente que, onde as práticas de cultivo reduzem a cobertura vegetal, as temperaturas aumentam em áreas de reprodução do mosquito. Isto é, o uso da terra e os esforços de reflorestamento devem fazer parte das políticas combinadas que são implantadas em escala comunitária. As escolas de campo para agricultores, há tempos uma prioridade da FAO, são fundamentais para difundir conhecimento útil em escala local.

O desenvolvimento de programas que contemplam a luta contra a malária devem levar isso em conta, especialmente dentro dos esforços para aumentar a infraestrutura de irrigação para melhorar a produção agrícola na África subsaariana.

Uma pesquisa realizada na Etiópia mostra que a incidência da malária entre crianças era sete vezes maior em povoados localizados a três quilômetros de uma microrrepresa para irrigação, do que entre os menores que residiam a oito quilômetros de distância.

O cultivo de milho, uma força enorme na região, também poderia aumentar a incidência da malária porque as variedades híbridas de maior rendimento são polinizadas em período mais avançado do ano, o que ajuda a engordar as larvas do mosquito e se traduz em mais adultos, maiores e que vivem mais tempo. Envolverde/IPS