Internacional

Ajuda alimentar para Etiópia está parada

Trabalhadores no porto de Djibuti descarregam sacos de trigo. Foto: James Jeffrey/IPS
Trabalhadores no porto de Djibuti descarregam sacos de trigo. Foto: James Jeffrey/IPS

Por James Jeffrey, da IPS – 

Djibuti, República do Djibuti, 18/8/2016 – Com a perda de 50% a 90% de seus cultivos de trigo, a Etiópia, o maior consumidor desse cereal na África subsaariana, precisou aumentar as importações para amenizar a grave escassez que afeta pelo menos dez milhões de pessoas, mas não contava com um gargalo em Djibuti.As importações de trigo chegam a um movimentado porto nesse país, de onde saem caminhões carregados rumo à Etiópia para fazer frente às consequências da pior seca vivida por esse país em décadas.

Mas, apesar dos esforços de muitos trabalhadores portuários, a descarga não acontece com a rapidez necessária e cria-se um gargalo que obriga as embarcações a ficarem paradas na baía sem poderem atracar.“Recebemos barcos com suprimentos de assistência e fertilizantes, e tem sido um desafio decidir o que priorizar”, explicou Aboubaker Omar, presidente e diretor-geral da Autoridade de Zonas Francas e Portos de Djibuti.

“Se é dada prioridade à ajuda alimentar, o que é compreensível, haverá problemas com a próxima colheita se os agricultores não receberem a tempo os fertilizantes”, apontou Omar. Desde meados de junho, os agricultores etíopes plantam para a principal temporada de colheita, que começa em setembro.Ao mesmo tempo, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) trabalha com o governo da Etiópia para ajudar a plantar e prevenir que as zonas propensas à seca não sejam afetadas pela fome e pela insegurança alimentar.

As chuvas que caíram na primavera boreal, no começo deste ano, somadas às do verão, deveriam melhorar as possibilidades de se conseguir melhores colheitas, mas isso não reduz a necessidade de ajuda alimentar, pelo menos no curto prazo.“O ciclo de produção é longo”, disse o representante da FAO na Etiópia, Amadou Allahoury. “As sementes plantadas em junho e julho só poderão ser colhidas em setembro e outubro, por isso a escassez alimentar continua grave, apesar das chuvas”, acrescentou.

Em meados de julho, havia 12 navios ancorados fora do porto de Djibuti esperando para descarregar cerca de 476.750 toneladas de trigo, pouco menos do que os 16 registrados no final de junho, segundo o site do porto. Além disso, outras quatro embarcações conseguiram atracar com aproximadamente 83 mil toneladas de trigo, cevada e sorgo.“O gargalo não é criado no porto, mas no transporte terrestre. Não há caminhões suficientes para a assistência, os fertilizantes e para a carga comercial habitual”, destacou Aboubaker.

Os trabalhadores portuários aproveitam ao máximo qualquer sombra que encontram entre os caminhões carregados de assistência alimentar para a Etiópia, afetada pela seca. Foto: James Jeffrey/IPS
Os trabalhadores portuários aproveitam ao máximo qualquer sombra que encontram entre os caminhões carregados de assistência alimentar para a Etiópia, afetada pela seca. Foto: James Jeffrey/IPS

Estima-se que cerca de 1.500 caminhões saem de Djibuti por dia rumo à Etiópia, e que serão aproximadamente oito mil até 2020, porque esse país procura diminuir a escassez de alimentos.Mas não serão necessários tantos caminhões adicionais, um meio de transporte ineficiente e prejudicial ao ambiente, se for acelerado o trâmite na aduana etíope, para que não demoredez dias para realizar uma viagem de 48 horas de Djibuti até Adis Abeba, capital da Etiópia, acrescentou Aboubaker.

“Construímos caminhões e ferrovias e as tornamos mais eficientes, e construímos pontes, mas existe a chamada barreira invisível: a documentação. Inclusive, as operações de assistência por causa da seca demoram devido às avaliações regulares sobre quais são as pessoas mais necessitadas, segundo algumas agências humanitárias que trabalham no país. Depois tem a questão da descarga do navio, que pode demorar até 40 dias, acrescentaram.

“Honestamente, não sei como fazem”, disse o funcionário portuário Dawit Gebre-ab, afirmando que o pessoal trabalha duro, com temperaturas de 38 graus Celsius, mas que, com a umidade de 52%, parecem ser de 43 graus. O sistema do porto de Djibuti, que funciona 24 horas em três turnos de oito, alivia parte do esforço para quem trabalha ao ar livre, mas,mesmo com oar-condicionado, não alivia.

Para agilizar o traslado da ajuda alimentar e aliviar a pressão sobre o porto, no início de novembro de 2015 entrou em funcionamento umanova linha férrea de 756 quilômetros entre Djibuti e Etiópia, com um trem diário transportando cerca de duas mil toneladas, detalhou Aboubaker. A capacidade aumentará quando a via estiver totalmente operacional, a partir de setembro, e for eletrificada, o que permitirá a circulação de trens com 3.500 toneladas cada um.

Além disso, Djibuti tem três novos portos que estarão operacionais até o final do ano, o que permitirá que mais navios cheguem ao porto, e o de Tadjurna contará com outra ferrovia que o ligará com Bahir Dar, na Etiópia. Essa linha será ligada a outra em construção na Etiópia, que irá de sul a norte para unir as cidades de Awash e Mekele, o que melhorará mais o transporte e as possibilidades de distribuição dentro desse país.“Quando esses trens começarem a circular em setembro, esperamos recuperar o atraso dos navios em três meses”, pontuou Aboubaker.

O porto de Djibuti, onde chegam as importações para a grave escassez de alimentos que sofre a Etiópia por causa da pior seca em décadas. Foto: James Jeffrey/IPS
O porto de Djibuti, onde chegam as importações para a grave escassez de alimentos que sofre a Etiópia por causa da pior seca em décadas. Foto: James Jeffrey/IPS

O problema no porto pôs em relevo a dependência da Etiópia em relação a Djibuti. Cerca de 90% de seu comércio passa por esse país. Em 2005, representou aproximadamente dois milhões de toneladas e agora chega a 11 milhões. Para os próximos três anos está previsto que aumente para 15 milhões.Há tempos a Etiópia busca diversificar suas opções, fortalecendo as relações bilaterais com a Somalilândia, por meio de vários memorandos de entendimento nos dois últimos anos.

O último deles estipula que cerca de 30% das importações etíopes chegariam ao porto de Barbera, na Somalilândia, que em maio outorgou à DP World, com sede em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, a concessão para administrar e ampliar as instalações portuárias subutilizadas e pouco desenvolvidas por 30 anos. O acordo, que chega a US$ 442 milhões, poderá transformar esse porto em outro polo comercial do Chifre da África.

Assim cresce a Etiópia, tanto em termos econômicos como de população. Seus atuais cem milhões de habitantes poderão chegar a 130 milhões até 2025, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o que levou muitos a preverem que serão necessários todos os portos que se puder conseguir.“O desenvolvimento da Etiópia faz com que seja impossível para Djibuti atender a demanda, e, mesmo com Berbera, esse país também vai precisar dos portos de Mogadíscio e Kismayo, na Somália, e do Sudão”, ressaltou Ali Toubeh, empresário com uma companhia de contêineres na zona franca de Djibuti. Envolverde/IPS

*Este artigo faz parte de uma cobertura especial da IPS pelo Dia Mundial da Assistência Humanitária, celebrado em 19 de agosto.