Internacional

Algas ganham espaço na alimentação

Zulema Muñoz sai do mar carregando cochayuyo (alga marinha comestível) que acaba de arrancar das rochas nas quais adere na costa do Oceano Pacífico, nos arredores de Matanzas, no Chile. As algas marinhas ganham terreno no setor pesqueiro do país e são o sustento de milhares de pessoas. Foto: Orlando Milesi/IPS
Zulema Muñoz sai do mar carregando cochayuyo (alga marinha comestível) que acaba de arrancar das rochas nas quais adere na costa do Oceano Pacífico, nos arredores de Matanzas, no Chile. As algas marinhas ganham terreno no setor pesqueiro do país e são o sustento de milhares de pessoas. Foto: Orlando Milesi/IPS

Por Orlando Milesi, da IPS – 

Matanzas, Chile, 1/7/2016 – As algas marinhas, um alimento rico em nutrientes que esteve presente na dieta regular de vários povos originários da América do Sul, agora aparecem como alternativa na busca de garantir a segurança alimentar da América Latina e proporcionar emprego a milhares de habitantes das zonas costeiras da região.“Trabalho com algas desde os cinco anos. Agora tenho 50. Tenho uma pessoa a quem sempre as vendo e que, segundo dizem, as usa para fazer cremes e plástico”, contou à IPS Zulema Muñoz, na localidade costeira de Matanzas, 160 quilômetros a sudeste de Santiago do Chile, no Oceano Pacífico.

As algas marinhas são utilizadas como alimento humano desde a antiguidade, especialmente na China, no Japão e na península da Coreia. Ao emigrarem para outras regiões, os naturais desses países levaram seu uso aos seus novos países, por isso podem ser encontrados produtos à base de alga salgada, dessecada e fresca em quase todas as partes do mundo.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a cada ano no mundo, são recolhidas cerca de 25 milhões de toneladas de algas marinhas e outras algas para uso como alimento, em cosméticos e fertilizantes, além de serem processadas para extração de espessantes ou serem utilizadas como aditivo para rações.

De acordo com a FAO, a aquicultura marinha, especialmente de algas e moluscos, contribui para a segurança alimentar e o alívio da pobreza, pois a maioria de seus produtos são obtidos com atividades pesqueiras que vão de pequena a média escala.Na América Latina – região com 625 milhões de pessoas, com mais de 34 milhões delas sofrendo fome, segundo a própria FAO –, países como Argentina, Brasil,Colômbia, Cuba, Equador, México, Peru e Venezuela exploram a produção de algas marinhas.

No Chile, “estudos realizados em Monte Verde (região de Los Lagos, 800 quilômetros ao sul de Santiago) demonstraram que ali, em um dos primeiros assentamentos humanos da América, as pessoas incorporaram algas marinhas em sua dieta”, explicou Erasmo Macaya, pesquisador principal do Laboratório de Estudos sobre Algas da Universidade de Concepción.

As algas marinhas “também são fonte de alimentação para os indígenas lafkenches, que sempre as utilizaram como parte de sua dieta, principalmente o tipo cochayuyi (Durvilaea antarctica) e o tipo luche (Pyropia/Porphyra)”, afirmou Macaya à IPS, da cidade de Concepción.

Axel Manríquez, chef executivo do hotel Plaza San Francisco, em Santiago, garantiu à IPS que atualmente existe “um reencantamento com as algas, sobretudo porque os veganos as consomem muito”. E recordou que, noPeru,“como resultado de sua mestiçagem com a China, de grande influência, foram incorporadas algas em sua culinária, conhecida como cozinha chifa. No Chile, só temos influência chinesano norte e, por isso, nossas algas vão todas para a Ásia, porque lá sãoconsumidas em grande quantidade”.

A alga luche (alga marinha comestível do Chile) exposta para venda em um mercado chileno, onde começam a ser parte da oferta regular. As algas marinhas fazem parte da dieta de vários povos originários do país e seu consumo começa a despontar, apoiado em seu alto valor nutritivo. Foto: Cortesia de Erasmo Macaya
A alga luche (alga marinha comestível do Chile) exposta para venda em um mercado chileno, onde começam a ser parte da oferta regular. As algas marinhas fazem parte da dieta de vários povos originários do país e seu consumo começa a despontar, apoiado em seu alto valor nutritivo. Foto: Cortesia de Erasmo Macaya

As algas “são extremamente potentes: têm muitos nutrientes e, além disso, são um produto muito saudável, porque sua salinidade é regulada pelo oceano. Não têm excesso de sal e podem ser consumidas cruas ou cozidas. Nos ajudam em nosso metabolismo e a incorporar iodo. Os asiáticos não sofrem de hipertireoidismo porque consomem muita alga”, acrescentou o chef.

O Chile possui mais de 700 espécies de macroalgas marinhas descritas, das quais apenas 20 são utilizadas comercialmente.“Infelizmente, os estudos sobre biodiversidade e taxonomia são muito escassos e também recebem pouco financiamento, porque não geram produtos imediatos, ou, segundo muitos afirmam, não têm aplicação direta”,pontuou Macaya, para quem, “provavelmente, exista o dobro ou o triplo das algas cadastradas”.

O especialista disse que, no Chile,atualmente são utilizadas escassamente na alimentação humana as algas tipos cochayuyo e luche, mas são exportadas para outros países para consumo humano algas vermelhas como a carola (Callophyllis) e a chicória do mar (Chondracanthus chamissoi).

Macaya destacou que outras pesquisas em andamento permitirão aumentar o valor agregado das algas, convertendo-as em biocombustíveis, bioplásticos, produtos com aplicação em biomedicina, entre outros, uma tendência que ganha relevância em nível mundial. Entretanto, durante as últimas décadas, a demanda cresceu mais rápido do que a capacidade para atender as necessidades com as existências de algas naturais (silvestres).

“Necessariamente, as algas deverão ser cultivadas porque não podemos nos abastecer somente de populações naturais. A experiência já nos mostra – e não apenas com as algas – que a superexploração é um problema frequente, para o qual devemos encontrar alternativas sustentáveis”, ressaltou Macaya.No Chile, das 430 mil toneladas de algas extraídas em 2014, 51% corresponderam àhuiro negro ou chascón (Lessonia spicata e Lessonia berteroana). Se somadas outras duas espécies de algas pardas, a huiro palo (Lessonia trabeculata) e a huiro (Macrocystis pyrifera), totalizam 71% de toda a biomassa que é extraída.

Porém, Macaya alertou que “isso é muito preocupante, considerando que todas essas espécies cumprem papéis ecológicos tremendamente relevantes e formam florestas submarinas que abrigam uma rica biodiversidade”.Para enfrentar esse problema, o governo chileno impulsionou uma lei de Bonificação de Cultivo e Repovoamento de Algas, que compensará os pequenos pescadores artesanais ou as microempresas, com o objetivo de aumentar o cultivo e a colheita de algas e, de passagem, reconverter muitos trabalhadores.

O uso das algas é atualmente cotidiano, embora muitos não notem: produtos de uso diário como pasta para dentes, xampus, cremes, geleias, leite, remédios, incluem em seus compostos alguns elementos derivados de algas, chamados ficocoloides, como carragenina, ágar e alginatos. Também estão presentes na alimentação, por exemplo, com o nori, alga japonesa usada para a preparação do sushi.

Muñoz só come a do tipo luche.“As outras não. Segundo dizem, são muito ricas e bem preparadas, a luga, sobretudo, mas eu nunca preparei”, contou. Em seu trabalho diário, ela entra e sai do mar munida apenas com um facão, que guarda em uma bainha na cintura, para arrancar pedaços de luga, chasca,cochayuyo e luche. Em uma semana boa, consegue até 500 quilos para vender cada quilo de luga a 450 pesos (US$ 0,65), o de cochayuyo a 720 pesos (US$ 1,02) e o de chasca a mil pesos (US$ 1,5).

“Éramos quatro mulheres trabalhando aqui, mas uma morreu. Agora há outra menina, que também se integrou ao sindicato de pescadores, mas ela trabalha pouco”, explicou Munõz, enquanto, após trabalhar entre as rochas, esperava que o fraco sol de inverno secasse as algas que havia estendido na areia, para depois iniciar sua comercialização.

O setor de algas do país gera trabalho direto para 6.456 pescadores artesanais e mariscadores de margem de praia, e também para 13.105 mergulhadores artesanais. Incluindo empregos indiretos, o número de pescadores artesanais e pequenos empresários que se beneficiam da atividade chega ao total de 30 mil pessoas. Envolverde/IPS