A segurança alimentar e um setor agrícola saudável são importantes para as iniciativas que buscam evitar conflitos e manter a paz.
Por Maddie Felts e Robert Williamson-Noble, da IPS –
Roma, Itália, 13/5/2016 – A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) se associou com cinco ganhadores do prêmio Nobel da Paz conhecidos por sua luta contra a pobreza, a fome e a violência no mundo. A FAO lançou, no dia 11, a Aliança pela Segurança Alimentar e a Paz, com Muhammad Yunus, Oscar Arias Sánchez, Tawakkol Karman, Betty Williams e Kofi Annan.
“Onde a segurança alimentar pode ser uma força de estabilidade, temos que olhar a alimentação e a agricultura como caminhos para a paz e a segurança”, destacou o diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, em um encontro sobre a relação entre alimentação, segurança alimentar e paz, realizado em março em Nova York. “É um grande desafio, mas juntos poderemos conseguir, nos somando à Agenda de Desenvolvimento para 2030”, acrescentou.
Yunus foi o primeiro a falar e destacou que a distribuição gratuita de alimentos não é uma solução sustentável para erradicar a fome. Defendeu o modelo de microcréditos, criado há 40 anos em Bangladesh, e ressaltou que os pequenos empréstimos para pessoas pobres promovem a independência econômica e, portanto, sua capacidade de se abastecer de alimentos.
Combinando os objetivos das organizações humanitárias e a engrenagem empresarial, Yunus criou um modelo de empresa social capaz de melhorar a vida das populações rurais, atualmente excluídas das principais atividades econômicas.Também espera inspirar os jovens a se tornarem empresários agrícolas e questionar a ideia de que têm de emigrar para as cidades em busca de empregos. Segundo Yunus, isso reforça a ideia de que “não somos buscadores de emprego, mas criadores de emprego”.
Para terminar, Yunus expressou seu entusiasmo com a possibilidade de a aliança com a FAO aproximar o mundo aos três zeros: zero fome, má nutrição e pobreza; zero desemprego e zero emissões de carbono.Por sua vez, Oscar Arias destacou que “a Terra se queixa e reclama paz”, lembrando a necessidade de terminar com a violência para combater a insegurança alimentar e o sofrimento.
Oscar Arias também disse que as “forças armadas são os maiores contaminadores do planeta. A falta de guerra não significa automaticamente a consolidação da paz. Não podemos dizer que as pessoas vivem em paz ao fim de um conflito enquanto não erradicarmos as várias formas de violência contra a Terra”. E ressaltou que a falta de atenção médica e de alimentos são formas de violência.
Arias pediu que sejam renovados os esforços para proteger o ambiente, buscar a resolução dos conflitos e consolidar a paz mediante o alcance e os recursos da FAO. Também pediu que a comunidade internacional coloque em prática os valores fundamentais da Agenda de Desenvolvimento para 2030 porque, reiterou, é impossível um desenvolvimento sustentável sem paz, e não haverá paz sem desenvolvimento sustentável.
Tawakkol Karman concordou com a importância de se alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e destacou a necessidade de promover uma globalização positiva e justa, na qual toda a humanidade possa compartilhar os benefícios. Porém, alertou que estamos diante dos efeitos negativos da globalização que recaem de forma desproporcional sobre as pessoas mais pobres.
“Construir paz faz parte da erradicação da pobreza e da concretização da segurança alimentar, mas, para conseguir isso, em qualquer país, devemos ter um objetivo em vista: garantir que todo o mundo goze de liberdade, e não me refiro à liberdade de viver sem miséria, mas também à liberdade política”, pontuou Karman. E explicou que a justiça de transição pode instalar a paz em uma área e em uma comunidade que se refaz de um conflito, e facilitar o caminho para a paz.
Karman também insistiu que até 2030 “teremos que ter tirado o peso da pobreza e da fome”, um êxito que só será possível com compromisso, colaboração e mobilização de todas as pessoas e de todos os governos. Por sua vez, Betty Williams aproveitou para relatar sua experiência durante o pico de violência entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte, no início da década de 1970.
No começo só desejava manter as portas de sua casa fechadas pela segurança de sua família. Mas, após testemunhar a morte de três crianças em uma rua de Belfast, o horror e a ira a empurraram à ação, e contou como os esforços de paz em seu país partiram de “pessoas extraordinariamente extraordinárias”.Como ganhadora do Nobel, Williams viajou a vários lugares da África, Afeganistão, Nicarágua, Argentina e Chile, e explicou que não viu nem conheceu realmente a fome até estar em algumas das comunidades mais pobres do mundo, algumas das quais conheceu em países ricos como os Estados Unidos.
A devastação a impactou fisicamente várias vezes, mas decidiu fazer algo a respeito porque, como declarou, “lágrimas sem ação são um sentimento desperdiçado”.Após saber da possibilidade da eliminação de lixo nuclear em Basilicata, uma região do sul da Itália, Williams se deslocou até lá para defender a terra junto com a população local. Também criou uma fundação que constrói moradias barataspara refugiados, e que não prejudicam o ambiente.
Mas o foco de seu trabalho humanitário sempre será a proteção de meninos e meninas, como os que viu em Belfast e a levaram à ação há quatro décadas. Williams terminou sua apresentação lendo parte da Declaração sobre os Direitos da Criança, que representa os princípios pelos quais lutará “até o dia da minha morte”.
Por fim, Kofi Annan enviou uma mensagem de vídeo na qual destacou a ligação indissociável entre a segurança alimentar, a paz e o desenvolvimento sustentável. “Sei que podemos erradicar a fome em uma geração se conseguirmos mobilizar a direção e a vontade políticas”, assegurou.
Durante o debate posterior às apresentações, Yunus destacou a necessidade de o sistema bancário e uma legislação coordenada servirem as pessoas mais pobres. O atual modelo em que organizações não governamentais concedem microcréditos não é sustentável, destacou, porque fica limitado à sua disposição de fundos.
Os objetivos da Aliança pela Segurança Alimentar e a Paz FAO-Prêmios Nobel da Paz podem parecer elevados, mas Yunus se mostrou esperançoso e se definiu como um “otimista compulsivo”, e disse aos jovens: “tenham o poder de mudar o mundo inteiro por seus próprios meios”.
Para encerrar, e em sintonia com Yunus, Williams destacou que todos devemos nos sentir otimistas e no unirmos à luta por um desenvolvimento sustentável, antes de sugerir ao economista abrir um banco destinado às pessoas mais pobres em Basilicata.E se essa reunião é um indicador do sucesso que terá esta força de trabalho, o futuro parece promissor. Envolverde/IPS