Por Emilio Godoy, da IPS –
Cidade do México, México, 13/7/2015 – “Nossos direitos são respeitados pela metade. Em algumas partes nos recebem com atenção, mas em outras ocorre exatamente o contrário, e falta educação e respeito com as pessoas da minha idade”, disse à IPS a mexicana Hilda Téllez, de 70 anos.
Horas antes, no bairro de classe média de Villa Olímpica, onde vive Téllez, um taxista não deixou que entrasse em seu veículo depois de se negar a transportar sua cadeira de rodas. Ela lamentou a dupla discriminação que sofre, como idosa e como deficiente, devido à paralisação do lado direito de seu corpo.
“Quando adoeci violaram meus direitos, porque desmaiei no escritório, por causa do estresse que sofríamos. Não voltei para meu trabalho. Mas o diagnóstico médico dizia que não foi acidente de trabalho”, lembrou Téllez. Essa divorciada, mãe de três filhos e avó de oito netos, trabalhou por mais de 15 anos no Ministério Público mexicano, até se aposentar em 2006. Por essa razão, recebe de aposentadoria apenas o equivalente a US$ 225, quando seu salário ao se aposentar passava de US$ 1.250.
Discriminação, abandono familiar, falta de cuidados e de opções de trabalho e acesso adequado a serviços sociais marcam as condições dos maiores de 60 anos na América Latina e no Caribe. A essa realidade busca responder a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, aprovada em 15 de junho pelos Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) e já assinada por Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica e Uruguai.
Trata-se do primeiro instrumento regional para promoção, proteção e reconhecimento dos direitos humanos desse grupo populacional, e que precisa da ratificação de dois Estados para entrar em vigor. A Convenção cria um sistema integral de cuidado para os idosos, uma Conferência das Partes e um comitê de especialistas que farão recomendações aos Estados.
Também permite que qualquer pessoa, ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental apresente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada a OEA, petições contendo denúncias ou queixas de violação da Convenção por parte de um Estado.
Atualmente, na região latino-americana há cerca de 71 milhões de pessoas com mais de 60 anos e estima-se que em 2040 esse segmento da população supere o de crianças, segundo um fórum internacional sobre os direitos humanos dos idosos, organizado pelo Centro Latino-Americano e Caribenho de Demografia (Celade), realizado nesta capital.
Para Sandra Huenchúan, especialista em envelhecimento do Celade, os principais desafios se referem à falta de proteção na assistência social, ao acesso à saúde, à inclusão social e à pesquisa relacionada com os direitos dos idosos. “Em muitas legislações há dificuldade de aplicação, e faltam garantias institucionais e jurisdicionais que permitam torná-las efetivas”, apontou à IPS.
Huenchúan acrescentou que “há uma quantidade enorme de setores em que os idosos estão desprotegidos, apesar de haver mecanismos legais padronizados. Para a sociedade não está claro que têm direitos”. Até agora, Brasil, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, República Dominicana e Venezuela são os países latino-americanos que contam com uma norma específica de proteção dos direitos dos idosos.
A região enfrenta “o envelhecimento multigeracional, um fenômeno complexo que nasce com as mudanças demográficas da segunda metade do século 20 e se alimenta do aumento da expectativa de vida, que permite a convivência simultânea de várias gerações”, segundo María Isolina Dabove, especialista do governamental Conselho Nacional de Pesquisas Cientificas e Técnicas da Argentina.
Dabove pontuou à IPS que a vigência da Convenção significa “o primeiro reconhecimento explícito” do continente em relação à especificidade dos problemas das pessoas idosas. “Trata-se de um instrumento que garantirá a eficácia dos direitos de qualquer idoso”, acrescentou.
Entre 1950 e 2010, a expectativa de vida ao nascer na região passou de 51 para 75 anos, e se prevê que aumente para 81 até meados deste século, segundo o Celade, vinculado à Comissão Econômica da América Latina e do Caribe (Cepal).
Um exemplo é o que acontece na Argentina, onde a Pesquisa Nacional sobre Qualidade de Vida dos Idosos de 2012 mostra que, dos pouco mais de 40 milhões de habitantes, cerca de 14 milhões têm mais de 60 anos. Até 2050, a projeção é que uma em cada cinco pessoas nesse país terá 65 anos ou mais.
Entretanto, no México, dos seus 120 milhões habitantes, sete milhões superam os 65 anos e se antecipa que até 2050 haverá mais de 30 milhões de idosos. Já no Brasil, país mais povoado da região, com cerca de 204 milhões de pessoas, há mais de dez milhões com 60 anos e mais. Até 2025, esse segmento vai superar os 16 milhões e, até 2050, chegará a 29 milhões, segundo dados oficiais.
“O impacto concreto e real da nova convenção interamericana em cada um dos Estados está sujeito ao processo de incorporação do direito interno do país. É desejável que tenha a hierarquia legal que permite tornar realidade a construção de uma sociedade livre e igual para toda as idades”, destacou Dabove.
Téllez, que recebe atenção médica no Instituto de Assistência e Serviços Sociais dos Trabalhadores do Estado, gostaria que existissem clínicas especiais para que a atenção fosse “mais rápida e eficiente” e que se desse emprego aos idosos. “O governo pode cuidar de facilitar acessos, aprovar leis mais rigorosas, dar educação pública e melhorar o tratamento que nos é dispensado, aplicar multas severas para que as pessoas se eduquem”, acrescentou.
A região pode se beneficiar do chamado “bônus demográfico”, um vasto segmento de jovens em idade de estudar e trabalhar, em condições de contribuir para o crescimento econômico, mas essa vantagem pode se desfazer se não se investir no crescimento humano dos mais velhos.
No documento A Nova Era Demográfica na América Latina e no Caribe, de novembro de 2014, o Celade propõe que esse bônus possa cimentar-se com investimento em educação e saúde, particularmente das crianças, adolescentes, jovens e mulheres.
“O envelhecimento deve ser parte da preocupação dos Estados, pois não afeta apenas os sistemas de proteção social, mas também a vida da comunidade e o desenvolvimento dos países, prevenindo e se antecipando aos seus efeitos”, recomendou Huenchúan. Essa preocupação “não deve se traduzir apenas em atender os idosos, mas em prever que tenham melhores condições para exercer seus direitos”, acrescentou. Envolverde/IPS