por Aruna Dutt, da IPS
Nações Unidas, 23/5/2016 – O esperado apoio do Canadá à Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas gerou esperança e foi motivo de comemoração, mas não fica claro se também inclui os danos causados pelas mineradoras canadenses às comunidades autóctones em diferentes partes do mundo. A relatora especial para os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, disse à IPS que o apoio dado pelo Canadá na segunda semana deste mês à Declaração é “uma rajada de ar fresco”.
Por mais de uma década, Ottawa votou contra esse conjunto de direitos humanos coletivos, que tratam de uma ampla gama de assuntos referentes aos povos indígenas.
O governo anterior, conservador, afirmava que a disposição que o obrigava a consultar as comunidades indígenas para qualquer decisão, que pudesse ter um impacto sobre sua capacidade de exercerem seus direitos em seus territórios, era como um veto aos grandes projetos de exploração de recursos. Assinar a declaração seria como ignorar os direitos humanos dos canadenses não indígenas, justificava.
Em uma mudança política significativa, o atual governo do primeiro-ministro Justin Trudeau aceitou a declaração, mas Tauli-Corpuz alertou que também deve estar consciente de como as companhias mineradoras canadenses operam no estrangeiro e exercem uma forte pressão sobre as comunidades autônomas.
Estima-se que 75% das mineradoras do mundo têm sua sede no Canadá, e as atividades de extração constituem o setor de maior poderio econômico desse país. Enquanto potência do setor de mineração, ainda resta muito a ser feito por esse país para proteger os povos indígenas das investidas das companhias, afirmam ativistas.
“Não creio que o governo canadense leve a sério a ideia de consentimento prévio, livre e informado, seja para as operações mineradoras no Canadá ou no exterior”, pontuou à IPS Jennifer Moore, coordenadora de projetos para a América Latina da Mining Watch. O mais importante da declaração não é com relação a consultar os povos indígenas, mas também supõe respeitar seu direito ao consentimento, a possibilidade de dizer sim ou não aos projetos e às políticas que os afetam em todas as etapas.
“O governo redigiu com cuidado sua declaração sobre como interpretaria a declaração da ONU no Canadá no âmbito doméstico, para tentar evitar o máximo respeito desse direito”, afirmou Moore. Isso se deve ao fato de o governo liberal continuar comprometido com a mesma agenda pautada pelo setor privado, seguida pelo seu antecessor.
“O Canadá continua considerando que os problemas com a indústria são devidos a umas poucas ‘maçãs podres’ e que são uma contrariedade para sua reputação, mais do que ser seu desejo de enfrentar os danos sistemáticos que sofrem as comunidades indígenas e não indígenas para dar lugar ao dinheiro fácil, ao mesmo tempo em que são promovidos e protegidos no mundo os interesses de um modelo de desenvolvimento destrutivo”.
“Até agora, o governo liberal reafirma práticas e políticas do governo anterior, conservador, no tocante ao setor de mineração globalizado no exterior”, apontou Moore. Entre elas mencionou os mecanismos de reclamação disfuncionais que “não investigam as denúncias nem determinam se as empresas cumprem ou não, de fato, os padrões supostamente promovidos pelo governo, para não falar de remediar ou punir”.
Por exemplo, a falta de justiça é um problema significativo em Honduras, onde a indústria da mineração está principalmente em mãos de companhias com sede no Canadá, e onde a vida dos que se atrevem a denunciar as consequências de suas operações sobre a saúde, a terra, os espaços sagrados e o tecido social, correm perigo.
Pelo menos 109 pessoas foram assassinadas em Honduras entre 2010 e 2015 por se oporem a projetos de mineração, de exploração madeireira, agrícola ou de construção de represas, segundo a organização Global Witness. Das oito vítimas cujos casos tiveram ampla repercussão pública no ano passado, seis eram indígenas.
“Pelo protagonismo do Canadá no setor minerador de Honduras, é justo esperar que o governo canadense desempenhe um papel muito mais decisivo para ajudar a acabar com esses abusos”, ressaltou à IPS Mercedes García, pesquisadora associada do Conselho de Assuntos Hemisféricos.
Em abril, as organizações Development and Peace e Mining Watch Canada pediram a Trudeau que desse especial atenção a uma carta aberta de aproximadamente 200 instituições latino-americanas e internacionais, pedindo urgência ao Canadá para uma mudança de política no setor minerador global.
Mais de 50% dos investimentos em mineração na América Latina procedem do Canadá. Um estudo de 22 projetos de mineração a cargo de empresas canadenses, em nove países latino-americanos, revelou um modelo de violação de direitos humanos em atividades de extração em grande escala.
“O respeito pelos direitos humanos no Canadá se deteriorou de forma considerável, não somente aos olhos da comunidade internacional, como também das pessoas, dos povos e das comunidades que convivem com as consequências negativas dos projetos de extração canadenses”, afirma a carta.
Também pede ao governo do Canadá garantias de que as companhias canadenses respeitem as decisões das comunidades locais, indígenas ou não, que rechaçaram a mineração em grande escala por causa dos graves danos ambientais e sociais. O governo de Trudeau ainda não deu sua reposta. Para García, o apoio do Canadá à declaração da ONU é um sinal de esperança.
O legislador liberal John McKay enfatizou que espera que o novo governo faça outra tentativa com o projeto de lei conhecido como C-300, uma lei de responsabilidade na mineração, que pretende endurecer as normas que regem as corporações canadenses no estrangeiro e que não foi aprovada em 2010, quando foi apresentada.
“O atual primeiro-ministro Justin Trudeau votou a favor do projeto quando estava no parlamento, por isso é provável que volte a apresentá-lo e tenha melhores possibilidades de aprovação”, opinou García à IPS.
“Além disso, várias indígenas guatemaltecas, que solicitaram reparação por abusos de trabalhadores de empresas mineradoras canadenses, conseguiram apresentar seus casos na justiça do Canadá”, recordou García. E acrescentou que “seus processos estão abertos e. se a sentença for favorável, significará um novo precedente construtivo e um caminho a seguir para as vítimas que buscam justiça”. Envolverde/IPS