Por Verónica Firme, da IPS –
Montevidéu, Uruguai, 16/11/2015 – O Uruguai pretende alcançar a neutralidade em carbono até 2030, e para isso transforma sua matriz energética, já majoritariamente renovável, com o impulso de fontes limpas não convencionais e uma estratégia que combina desde associações público-privadas até novos investimentos.
“Esta país fechou 2014 com 55% de energias renováveis em sua matriz global, quando a média mundial é de apenas 12%”, afirmou o presidente do Sistema Nacional de Resposta à Mudança Climática, Ramón Méndez, durante um encontro sobre o setor. Além disso, 94% da geração elétrica procede de fontes renováveis, em um país que só responde por 0,06% das emissões globais de gases-estufa, causadores do aquecimento global, acrescentou.
A transformação energética começou durante o governo anterior do atual presidente, Tabaré Vázquez (2005-2010), embora o país não partisse do zero em fontes renováveis, explicou à IPS o físico Gonzalo Abal, do Laboratório de Energia Solar da Universidade da República do Uruguai. O país já tinha um forte componente renovável, graças à fonte hidrelétrica, mas esta é uma alternativa vulnerável devido às variações climáticas.
Tradicionalmente, o país dependeu de quatro antigas centrais hidrelétricas, três no rio Negro, construídas entre os anos 1930 e 1970, e uma no rio Uruguai, compartilhada com a Argentina, na década de 1970. Além disso, duas antigas usinas térmicas a óleo combustível operavam como apoio quando por falta de água diminuía ou paralisava a geração hidrelétrica. A última vez foi que isso aconteceu foi em 2004.
O Uruguai, com 3,3 milhões de pessoas, explorou totalmente a fonte hidrelétrica, pelo menos a de grande potencial, e por isso começou a apostar na fonte eólica e depois na biomassa, que são as duas nas quais mais avançou, segundo dados fornecidos por especialistas e documentos consultados.
A transformação energética exigiu um contexto legal, que incluiu a autorização aos clientes conectados à rede de baixa tensão de gerar eletricidade de origem renovável – eólica, solar, biomassa ou mini-hidrelétrica – com potência não superior a 150 quilowatts. Também foram aprovadas várias iniciativas, como a Política Energética 2005-2030, e o Plano Nacional de Eficiência Energética 2015-2024, aprovado no dia 3 de agosto. Esse plano pretende reduzir o consumo de energia em todos os setores, em particular no residencial e no transporte, que serão responsáveis por 75% da redução total acumulada até 2024.
Além disso, foi modificada a Lei de Promoção de Investimentos, para incentivar os projetos a incluírem pelo menos 5% do investimento em energia renovável, em troca de redução tributária, mediante um indicador de produção mais limpa.
A estatal Administração Nacional de Usinas e Transmissões Elétricas (UTE) responde pela geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica para 1,2 milhão de clientes espalhados nos 176.215 quilômetros quadrados do território uruguaio. A empresa monopoliza a distribuição energética, mas não a geração, da qual participa o setor privado, o que dificulta a sua inclusão nos objetivos da estratégia nacional.
No final de 2014, o Uruguai contava com uma potência instalada total de 3.719 megawatts (MW), incluindo os geradores conectados ao Sistema Interligado Nacional e a outros autônomos e de autoprodução, segundo o Ministério de Indústria, Energia e Mineração.
A potência esteve composta por 1.538 MW de origem hidráulica, 1.696 MW de térmica (combustíveis fósseis e biomassa), 481 MW de eólica, e quatro MW de geradores solares fotovoltaicos, segundo o Balanço Energético Nacional de 2014. Considerando a potência instalada por fonte, 66% corresponderam à energia renovável (hidráulica, biomassa, eólica e solar), e os 34% restantes à não renovável (óleo combustível e gás natural).
Na economia, houve uma mudança estrutural na matriz de consumo energético a partir de 2008, que se manteve igual nos últimos sete anos. O setor industrial é o que mais consome (39%), seguido do transporte (29%), residencial (19%), comércio e serviços (8%) e, por fim, do agronegócio, pesca e mineração (5%).
Entre 2007 e 2014, a indústria deixou o transporte em segundo lugar e produziu o aumento do consumo de biomassa. As empresas de polpa de celulose foram decisivas nisso, porque graças a essa fonte se tornaram autossuficientes em mais de 90%, dentro da transformação iniciada em 2005. Nesse país, “a mudança importante se deu na energia eólica, o que exigiu mudanças e enfrentamento de desafios”, disse, à IPS o especialista Gerardo Honty, do Centro Latino-Americano de Ecologia Social.
Por sua vez, Abal afirmou que a energia eólica está em pleno desenvolvimento e “estamos perto de um gigawatt (mil MW) de capacidade instalada, dentro do cronograma previsto”. Quanto à energia solar fotovoltaica, “temos uma usina já operacional de 50 MW, com cem hectares de painéis solares, e teve início uma segunda de 50 MW com capitais europeus”, acrescentou. “As demais usinas, cerca de 15, são menores, entre um e cinco megawatts, e estão distribuídas pelo norte do país.
O Uruguai diversifica a cesta de fontes de energia, mas também pode “aumentar o tamanho da rede geográfica, se for feita conexão com Argentina e o sul do Brasil, a probabilidade de ter um evento atmosférico que deixe sem geração eólica em toda essa área, em todo o pampa úmido, é muito baixa”, explicou o físico.
O Sistema Interligado Nacional conta com interconexões com Argentina (dois mil MW) e com o Brasil (70 MW e em ampliação para 500 MW), esta última demorada porque a geração tem frequências diferentes em cada rede, e é preciso estabelecer um sistema de conversão para superar o problema.
No Uruguai, “o problema não é o setor elétrico mas os motores de combustão que não podem ser abastecidos com as fontes renováveis mencionadas”, pontuou Honty. O desafio futuro está no transporte, especialmente no público. A prefeitura de Montevidéu avalia a alternativa de veículos elétricos autônomos por sua eficiência energética, por assegurar zero de emissão contaminante e reduzir ao mínimo a contaminação sonora, afirmou o economista Gonzalo Márquez, do Departamento de Mobilidade, em um fórum sobre energia.
Mas ainda não existe um cronograma previsto, explicou Márquez à IPS, porque existem dificuldades a serem resolvidas, como custos da unidade, manutenção, autonomia da bateria e o subsídio que tem o transporte público, “um custo oculto que a sociedade paga”. Além disso, o país pretende ser neutro em carbono até 2030. Isso significa que “estamos propondo para este ano que nossa captura de CO2 (dióxido de carbono) seja maior do que a que emitirmos em toda nossa economia”, destacou.
Questões renováveis
As grandes fábricas de celulose estão gerando sua própria energia a partir da biomassa e vendendo o excedente à UTE. O problema dessa fonte é que ao ser queimada libera CO2, um dos principais gases-estufa. Embora exista a tecnologia para que as emissões sejam totalmente limpas, no Uruguai a situação ainda é mista.
“Há instalações muito novas que funcionam de forma bem limpa, e há instalações velhas e obsoletas, que queimam a biomassa com toda a fumaça que gera”, explicou Abal.
O problema da energia eólica e da solar é que não são programáveis. Segundo Abal, “é um problema na rede elétrica, que é um sistema de soma zero: a energia gerada em um determinado momento tem que ser igual à energia que se consome nesse momento”, e deve ser complementada com uma fonte que possa ser programada, como a hidrelétrica, desde que não haja seca. Envolverde/IPS