Por Thalie Deen –
Nações Unidas, 5/5/2015 – A mão direita da Arábia Saudita não sabe o que faz seu pé esquerdo, afirma um diplomata asiático para descrever a paradoxal política militar em curso no Iêmen.
Os sauditas, que lideram uma coalizão de países árabes em apoio ao presidente iemenita, Abdu Rabbu Mansur Hadi, cujo governo foi derrubado por forças rebeldes xiitas hities em janeiro, são acusados de bombardeio indiscriminado que causaram a morte de 1.080 pessoas, em sua maioria civis, e deixaram 4.352 feridos, o que desatou uma crise humanitária em grande escala no Iêmen.
Como se quisesse compensar seus pecados, a Arábia Saudita anunciou no mês passado a doação de US$ 274 milhões “para as operações humanitárias no Iêmen”, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
No dia 22 de abril a Arábia Saudita suspendeu temporariamente seus ataques aéreos, que duraram quase um mês, presumivelmente pela pressão dos Estados Unidos, cujo governo se preocupa com a mortandade civil. O jornal The New York Times perguntou a um funcionário norte-americano não identificado por que Washington interveio para que Riyadh cessasse os bombardeios. “Muito dano colateral”, respondeu, se referindo às mortes de civis.
Os ataques da chamada Operação Tempestade Decisiva no Iêmen demoliram fabricas e bairros residenciais, e também afetaram um centro de armazenamento pertencente à organização humanitária Oxfam, com sede em Londres, que informou que ali eram guardadas provisões humanitárias sem valor militar. A Oxfam recebeu com satisfação o anúncio sobre a suspensão dos bombardeios no Iêmen, mas alertou que o trabalho para levar ajuda a milhões de iemenitas apenas começou.
Grace Ommer, diretora da organização no Iêmen, afirmou à IPS que os bombardeios aéreos e a violência dos últimos 28 dias antes da trégua teriam matado 900 pessoas, das quais metade era de civis. “A notícia de que os ataques aéreos terminaram, pelo menos temporariamente, é bem-vinda e esperamos que isto prepare o caminho para que todas as partes no conflito atual encontrem uma paz negociada permanente”, afirmou.
Segundo Ommer, “a notícia também dá enorme alivio aos 160 trabalhadores iemenitas que temos no país, bem como ao resto da população civil, que luta para sobreviver a esta última crise em seu frágil país”. Como a instabilidade, a insegurança e os combates continuam, as partes no conflito devem permitir que as organizações de ajuda entreguem a assistência humanitária aos milhões de pessoas que dela precisam, acrescentou.
A Oxfam também informou que o Iêmen é o país mais pobre do Oriente Médio, onde 16 milhões de seus 26 milhões de habitantes dependem da ajuda para sobreviver. A recente escalada da violência só agravou a catástrofe humanitária existente, ressaltou a organização.
Sara Hashash, da Anistia Internacional disse que mais de 120 mil pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas desde que começou a campanha militar saudita em março, o que provocou “uma crescente crise humanitária”.
O porta-voz da ONU, Stephane Djurric, disse à imprensa que a doação saudita será destinada às necessidades de 7,5 milhões de iemenitas nos próximos três meses. Os fundos proporcionarão “assistência alimentar a 2,6 milhões de pessoas, água potável e saneamento a cinco milhões de pessoas, serviços de proteção a 1,4 milhão e apoio nutricional para cerca de 79 mil pessoas”, acrescentou.
No mês passado os bombardeios destruíram uma fábrica de produtos lácteos matando 31 trabalhadores, e um bairro inteiro, com saldo de 25 mortos. “Os ataques aéreos reiterados contra uma fábrica de produtos lácteos situada perto de bases militares mostram um cruel desprezo pelos civis por ambas as partes do conflito armado no Iêmen”, disse Joe Stork, subdiretor para o Oriente Médio e norte da África da organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW).
“O ataque pode ter violado as leis da guerra, por isso os países envolvidos devem investigar e tomar as medidas apropriadas, incluída a indenização das vítimas dos ataques ilegais”, afirmou Stork. A morte de civis não implica necessariamente que se tenha quebrado as leis da guerra, mas a elevada perda de vidas em uma fábrica aparentemente utilizada com fins civis deve ser investigada de maneira imparcial, recomendou a HRW em um comunicado.
“Se os Estados Unidos proporcionaram informação ou outro apoio direto aos bombardeios, compartilharia, como parte no conflito, da obrigação de minimizar os danos a civis e investigar supostas violações das leis”, acrescentou a HRW. Segundo a organização, a coalizão liderada pela Arábia Saudita e responsável pelos ataques aéreos está integrada por Barein, Egito, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Kuwait, Marrocos, catar e Sudão.
Para Stork, “se os Estados Unidos estão fornecendo informação (para realizar os bombardeios) é uma parte no conflito e está obrigado a acatar as leis da guerra. Embora não seja assim, em seu apoio à coalizão Washington irá querer garantir que a totalidade dos bombardeios e demais operações sejam feitas de modo a evitar perda de vidas e propriedades civis, que já atingiram níveis alarmantes”.
Quanto às denúncias de mortes civis, Dujarric disse que “à primeira vista, esse tipo de denúncia é extremamente preocupante quando se vê a probabilidade de um nível elevado de vítimas civis. Mas, creio que toda violência que temos visto serve como lembrança para que as partes atendam ao chamado” feito pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, no dia 17 de abril, para que “cessem as hostilidades e se pronuncie o cessar-fogo”. Envolverde/IPS