Economia

As lamentáveis consequências do resgate grego

Primeiro Ministro da Grécia, Alexis Tsipras, durante reunião no Parlamento Europeu, na França. Foto: Pietro Naj-Oleari/ European Parliament
Primeiro Ministro da Grécia, Alexis Tsipras, durante reunião no Parlamento Europeu, na França. Foto: Pietro Naj-Oleari/ European Parliament

Por Roberto Savio*

São Salvador, Bahamas, agosto/2015 – O Conselho de Especialistas Econômicos do governo alemão apresentou, no dia 27 de julho, um informe à chanceler Angela Merkel com uma série de recomendações sobre como um país fraco pode sair da zona do euro.

O documento propõe basicamente fortalecer a União Monetária Europeia. O ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, afirma que a Grécia deve abandonar o euro porque pressupõe que nunca será capaz de reembolsar os empréstimos que fez, e porque pensa que ser rígido é uma questão de princípios.

Depois do histórico 13 de julho, ao final das negociações sobre a Grécia, Schäuble afirmou ao semanário alemão Der Spiegel: “Minha avó me ensinou que a benevolência é a antessala da libertinagem”.

Por sua vez, o presidente do Conselho, Chirstophe Schmidt, declarou que, “para garantir a coesão da união monetária, temos que levar em conta que o eleitorado dos países credores não está de acordo quanto a financiar os países devedores de forma permanente. Um país membro que não coopera não pode colocar em perigo a existência do euro”.

Esse é o melhor exemplo da Europa que a Alemanha concebe. Qualquer país que não se submeta à ortodoxia germânica terá que deixar a moeda comum. A solidariedade já não é um valor europeu, a prioridade cabe às considerações fiscais e monetárias.

A atual visão germânica, que exclui os valores políticos e ideais do fundamento do projeto europeu, provocou uma forte resposta do governo da França, que ultimamente se permitiu discordar de Berlim.

A Alemanha sustenta que o federalismo contempla uma exceção: quando se percebe que um Estado membro da zona do euro desafia as regras da união monetária, este será passível da aniquilação de sua soberania estatal e de sua democracia nacional. Esse é o tipo de federalismo que a Alemanha pretende impor na União Europeia (UE).

O presidente francês, François Hollande, que enfrenta uma reeleição difícil, dever ter lido com apreensão as memórias de Tim Giethner, secretário do Tesouro entre 2009 e 2013 da administração do presidente norte-americano Barack Obama, publicadas no ano passado.

Quando Geithner se encontrou com Schäuble para interceder por Atenas, a resposta foi que a Grécia deve sair do euro como sinal de advertência para outros países com problemas fiscais, como Espanha, França e Itália.

Agora, Hollande se levanta em defesa dos valores comunitários, ao lançar um conjunto de propostas para reforçar a integração europeia, que vai em direção oposta à de Berlim.

A Alemanha, naturalmente, insiste em fazer valer sua própria visão. Mas o eixo Paris-Berlim, que foi concebido como o núcleo da integração europeia, se debilitou seriamente depois de 13 de julho, quando a Alemanha forçou a adoção de um acordo insustentável sobre a Grécia.

Portanto, agora estamos diante de um realinhamento importante. A França foi um país que sempre impediu todo avanço substancial na integração europeia, tentando ceder o mínimo de sua soberania nacional. Votou contra toda medida radical de integração, começando pelo veto à criação de uma Comunidade Europeia de Defesa em 1964.

“Um dia negro para a Europa”, foi o comentário do ex-chanceler Konrad Adenauer nessa oportunidade.

Hoje em dia é a Alemanha que está decidida a mudar o curso da integração, passando de um projeto político para um sistema monetário de câmbio fixo, baseado nos interesses dos países credores: um desígnio no qual algumas democracias são mais iguais do que outras.

Segundo o diário Frankfurter Allgemeine Zeitung, Schäuble declarou aos seus colegas da UE que a Comissão Europeia, seu órgão executivo, adquiriu muito poder e está interferindo nos assuntos políticos, que seriam alheios ao seu mandato. E propõe transferir algumas funções da Comissão para um órgão puramente técnico.

É uma crua realidade que o acordo de 13 de julho procurou eliminar a política e a discricionariedade do funcionamento da união monetária, e que essa ideia foi durante muito tempo apreciada pelos franceses. Porém, agora os franceses desejam aprofundar a integração regional, como uma forma de proteção diante dos ímpetos hegemônicos de Berlim.

Devemos admitir que estamos diante do fim da UE como projeto político baseado na solidariedade recíproca. A Europa está em decadência. A união monetária já não é apenas um passo para uma união política democrática, tal como a conceberam Helmut Kohl e François Mitterrand após a reunificação da Alemanha e a criação do euro em 1999.

De fato, estamos voltando a uma versão mais tóxica do velho mecanismo de câmbio monetário da década de 1990, que deixou os países presos em um mecanismo que se modelou principalmente para a Alemanha, e que levou à saída da libra esterlina e à saída temporária da lira italiana.

Mas o euro, como afirma o prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, se converteu agora em uma armadilha para baratas, que uma vez que se tenham entrado ficam presas, e, como não podem sair, têm de aceitar o diktat do credor.

Outro prêmio Nobel, Joseph Stigliz, que foi economista-chefe do Banco Mundial, afirma que a atual política europeia de austeridade a todo custo é como voltar ao século 19, quando se encarcerava os devedores. Tal como o devedor preso, impedido de produzir alguma renda para pagar sua dívida, a recessão que se aprofunda na Grécia fará com que esse país seja cada vez menos capaz de reembolsar suas obrigações.

O que ninguém diz em voz alta (salvo Stiglitz) é que no plano de resgate grego a principal razão do extremismo das novas condições é dar uma lição ao partido governante, Siryza, e ao próprio povo grego, que teve a ousadia de rechaçar as exortações dos líderes europeus para votar contra esse partido de esquerda radical.

Stiglitz demonstra como algumas condições impostas à Grécia na realidade têm o propósito de defender os interesses dos credores, dando o exemplo do leite, que é produzido em nível local e distribuído rapidamente, já que o leite fresco encanta os gregos.

Mas Hollande e outros países exportadores de leite desejavam ter acesso ao mercado grego, inclusive com leite não tão fresco. Por esse motivo, em 2014 a chamada troika obrigou a Grécia a abandonar o rótulo de “fresco” em seu leite realmente fresco e estender a sua data de validade.

Não por casualidade os países que pediam para serem admitidos no euro, como a Polônia, retiraram sua solicitação. O euro se converteu em um tema político urgente, com partidos políticos em toda a UE pedindo para deixar a moeda única.

O tema se converteu na primeira linha de ação dos que se opõem à integração europeia. Até agora, a resposta dos governos era que a Constituição Europeia tornava impossível a saída de um Estado membro. Mas agora que o Conselho de Especialistas Econômicos do governo alemão lançou uma proposta concreta de como fazê-lo, essa linha de defesa está desmoronando.

Muitos analistas concordam que Merkel está brincando com fogo. A Alemanha não pode continuar sendo um líder com credibilidade de uma coalizão de países do Norte e do Leste da Europa ignorando as realidades e necessidades da Europa do Sul. Isso será insustentável, inclusive no médio prazo.

Entretanto, o mundo segue seu curso. Estima-se que em sete anos a Índia vai superar a China como o país mais povoado do mundo, em algumas poucas décadas a Nigéria terá uma população maior do que a dos Estados Unidos, enquanto a Europa se converterá na região com mais idosos e a menor produtividade.

Entretanto, a Europa terá que enfrentar quatro cavaleiros do apocalipse:

1 – Resolver suas relações com a Rússia;

2 – Chegar a um acordo comum sobre como lidar com o dramático fluxo de imigrantes, quando os 28 países da UE nem mesmo são capazes de chegar a um acordo para receber 40 mil pessoas em uma região de 500 milhões;

3 – Uma política efetiva diante do explosivo Oriente Médio e do terrorismo;

4 – A resposta ao pedido da Grã-Bretanha de um novo acordo no contexto da UE.

Podemos vaticinar com certeza que essas negociações, que se baseiam exclusivamente em questões econômicas, serão o golpe de graça no sonho europeu original. Envolverde/IPS

* Roberto Savio é fundador da agência IPS e editor de Other News.