Gaza, Palestina, 26/3/2015 – O assédio que Israel impõe sobre Gaza, com a ajuda do Egito, agravou a situação das mulheres desse território palestino, e o ataque militar israelense contra a faixa costeira em julho e agosto de 2014 só fez exarcebar a situação. Uma resolução aprovada pela Comissão sobre a Condição Jurídica e Social da Mulher (CSW), da Organização das Nações Unidas (ONU), do dia 20 deste mês, atribui a culpa da “grave situação das mulheres palestinas” à atual ocupação do território palestino por parte de Israel.
A CSW, de 45 membros, adotou a resolução, que foi patrocinada por Palestina e África do Sul, por 27 votos a favor, dois contra e 13 abstenções. Os Estados Unidos e Israel votaram contra, enquanto os membros da União Europeia se abstiveram. “O sofrimento das mulheres duplicou na Faixa de Gaza, em particular devido às consequências da última ofensiva de Israel, já que estão suportando condições de vida difíceis e complicadas”, denunciou o Centro Palestino de Direitos Humanos (CPDH) em um comunicado do dia 8 deste mês, Dia Internacional da Mulher.
“Durante os 50 dias da ofensiva israelense, as mulheres foram expostas a riscos de morte ou lesões devido ao uso excessivo de força letal por parte de Israel, bem como pela violação flagrante dos princípios da distinção e proporcionalidade em virtude do direito internacional humanitário consuetudinário”, apontou o CPDH. Em razão do conflito armado, morreram 293 mulheres, 18% das vítimas civis, e 2.114 foram feridas e muitas ficaram incapacitadas permanentemente.
Porém, fatores culturais, religiosos e jurídicos próprios também têm a ver com a que a vida seja insustentável para a população feminina de Gaza. O mundo de Islam Iliwa, uma mulher de 40 anos oriunda de Zeitoun, na Cidade de Gaza, veio abaixo após uma noite de bombardeios em 2014. Essa mãe divorciada, com três filhos de dez a 16 anos, perdeu quase tudo quando um ataque aéreo destruiu sua casa e com ela seu negócio que levou anos para instalar.
Iliwa vivia em Dubai quando se divorciou, um passo que complica muito a reintegração das mulheres à conservadora sociedade árabe. Apesar do divórcio traumático, ela estava decidida a seguir em frente e regressou a Gaza em 2011, com o dinheiro economizado de seu trabalho em Dubai. A lei islâmica estipula que, segundo as respectivas idades dos filhos, o pai obteria sua custódia automática.
Mas Iliwa pagou ao seu ex-marido para que lhe desse a guarda e, por sua vez, ele renunciou ao direito de manutenção dos filhos. “Disse a ele que sobreviveria sem ele e que daria uma boa vida para mim e meus filhos”, contou Iliwa à IPS. “Ao voltar a Gaza investi minhas economias de toda a vida, de US$ 20 mil, em uma pequena empresa de venda de produtos de limpeza”, explicou.
“Em um bom mês antes da guerra, consegui ganhar cerca de US$ 2,4 mil e o negócio estava progredindo. Mas minha casa e a pequena fábrica que construí foram destruídas durante o bombardeio israelense. Meu filho Muhammad também ficou ferido”, recordou Iliwa, chorando. Ela e seus três filhos foram obrigados a fugir para um abrigo da Organização das Nações Unidas (ONU), junto com centenas de milhares de desesperados habitantes de Gaza.
Após o cessar-fogo, essa valente mulher conseguiu alugar uma casa e lentamente reconstruir seu negócio com ajuda da organização humanitária Oxfam, embora agora ganhe uma fração do que conseguia antes. O sofrimento coletivo das mulheres palestinas transcende a morte e as lesões, com o deslocamento forçado e a sobrevivência em abrigos superlotados com instalações inadequadas, insuficiência de água potável e de alimentos, e falta de privacidade e de higiene.
O aumento da violência de gênero agravou a situação, já que as mulheres têm poucas vias para recorrer ao apoio social ou jurídico, e muitos palestinos acreditam que esse tipo de coisa é um assunto privado entre cônjuges. Sob o regime jurídico palestino, os poucos homens presos por “crimes de honra” recebem condenações curtas e as mulheres que apanham dos maridos têm de ser hospitalizadas por pelo menos dez dias para que a polícia considere intervir.
Segundo a documentação do CPDH, 16 mulheres foram assassinadas em 2014 em diferentes contextos relacionados com a violência de gênero. Um comunicado da ONU Mulheres na Palestina destaca “a profunda preocupação” dessa agência diante dos assassinatos, e ressalta que “o preocupante aumento na taxa de feminicídios demonstra uma sensação generalizada de impunidade dos crimes contra mulheres”.
Uma pesquisa realizada em 2012 pelo Escritório Central de Estatísticas da Palestina indica que 37% das mulheres foram objeto de alguma forma de violência nas mãos de seus maridos, sendo a taxa mais alta em Gaza, com 58,1%, e a menor em Ramalá, com 14,1%. O Centro Palestino pela Democracia e a Resolução de Conflitos explicou que as difíceis circunstâncias econômicas, a pobreza e o desemprego foram as razões por trás do aumento da violência doméstica.
“Esses fatores se refletem negativamente no estado psicológico dos homens. Eles se estressam e ficam mais irritados por não poderem manter suas famílias economicamente, vivem em condições de superlotação e não têm privacidade”, detalhou o Centro à IPS. “Também houve uma mudança nos papéis de gênero. As mulheres aceitam os empregos de baixa remuneração que os homens consideram abaixo de sua situação como chefes de família, ou mulheres solteiras ou viúvas são obrigadas a assumir o papel de arrimo da família”. Envolverde/IPS