Internacional

Assassinatos de homossexuais chamam a atenção em Cuba

“A homossexualidade não é perigo, a homofobia é”, diz um cartaz nas mãos de um ativista da comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais (LGBTI), durante uma manifestação na capital de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
“A homossexualidade não é perigo, a homofobia é”, diz um cartaz nas mãos de um ativista da comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais (LGBTI), durante uma manifestação na capital de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Por Ivet González, da IPS – 

Havana, Cuba, 19/5/2015 – Enquanto acontecia a VIII Jornada Cubana contra a Homofobia e a Transfobia soube-se do assassinato de um jovem transexual na cidade de Pinar del Río, a mais ocidental desta ilha. São as duas caras da mesma moeda, onde os esforços contra a discriminação de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais (LGBTI) se chocam com a vulnerabilidade deste coletivo, com expressões de violência que podem chegar à morte.

O homicídio de Yosvani Muñoz, de 24 anos, no dia 26 de abril e em fase de investigação, segundo confirmou à IPS a Conselheira Jurídica do estatal Centro Nacional de Educação Sexual (Conesex), coloca o dedo sobre um assunto tão sensível quanto pouco conhecido em Cuba: os crimes de ódio.

A IPS perguntou a especialistas e pessoas LGBTI sobre as causas dos assassinatos de homens que mantêm sexo com outros homens (HSH), dos quais não há dados oficiais públicos, mas que são citados periodicamente desde 2013 de boca em boca, por blogs e meios de comunicação alternativos.

A chamada violência por preconceito ou crime de ódio engloba condutas como agressão física e verbal, homicídio e ameaças motivadas por preconceitos devido à orientação sexual, identidade de gênero, raça, grupo étnico, religião ou em relação às mulheres, entre outros.

“Estamos atrás dos crimes de ódio em conjunto com o Ministério do Interior” (do qual depende a polícia), disse em entrevista exclusiva à IPS a diretora do Cenesex, Mariela Castro, o rosto mais visível da grande campanha nacional a favor do direito à livre orientação sexual e identidade de gênero. “É necessária uma análise exaustiva e especializada para determinar o tipo de delito porque todas as situações onde são vítimas pessoas LGBTI não têm o ódio como motivo”, explicou a sexóloga durante a VIII Jornada, realizada entre os dias 5 e 16 deste mês.

Com uma grande bandeira cubana e agitando outras do arco-íris da diversidade sexual, pessoas LGBTI participam em Havana de um dos atos da VII Jornada Cubana Contra a Homofobia e a Transfobia. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Com uma grande bandeira cubana e agitando outras do arco-íris da diversidade sexual, pessoas LGBTI participam em Havana de um dos atos da VII Jornada Cubana Contra a Homofobia e a Transfobia. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Dedicada este ano a insistir no direito ao emprego, o programa de atividades da jornada desenvolvido em Havana e na província de Las Tunas contou, pela primeira vez, com apoio da Central de Trabalhadores de Cuba e com a bênção de pastores protestantes a mais de 30 casais gays e de lésbicas.

Cartazes e ações audiovisuais transmitiram na conga (manifestação festiva) debates e outras mensagens sobre o direito das pessoas não heterossexuais a informação, liberdade de pensamento, acesso à justiça, segurança pessoal e viver livre de violência. A jornada cubana foi parte do Dia Internacional Contra a Homofobia e a Transfobia, celebrado em 17 de maio, porque nessa data em 1990 a Organização Mundial da Saúde tirou a homossexualidade de sua lista de doenças mentais.

Castro afirmou que “muito mais do que o roubo ou a deliquência comum são os casos de assassinatos de homossexuais que nos foi apresentado pela Direção Geral de Investigação Criminal de Operações (Dgico)”, entidade que recebe assessoria e colabora com o Cenesex. “Pode haver um ou outro assassinato por preconceito, mas em um nível baixíssimo”, assegurou.

Porém, a sexóloga acrescentou que “não há total clareza sobre os crimes de ódio devido à falta de uma instituição especializada que se dedique a classificar. E as classificações são importantes porque o termo herdado de crime passional esconde a violência de gênero, entre homens e nas relações de casais”.

Os assassinatos de pessoas LGBTI caem no silêncio geral em torno dos crimes de sangue que ocorrem nesta nação de 11,2 milhões de habitantes, cujo Código Penal, de 1987, não tipifica os crimes de ódio nem contempla a orientação e identidade de gênero como agravantes de homicídio. A lei pune com prisão de 15 a 30 anos os homicídios e mantém vigente a pena de morte, que não é aplicada desde 2003.

“Os HSH são mais vulneráveis do que as mulheres na propensão a serem assassinado”, informou Castro, citando investigações da Dgico sobre uma categoria de comportamento que agrupa gays, bissexuais e transexuais femininos. “Parte da população gay não tem percepção do perigo quando escolhe parceiros eróticos sem responsabilidade nem informação. Buscam rapazes que se prostituem ou alguns são delinquentes, os roubam e até assassinam quando as vítimas se defendem”, acrescentou.

Junto às mensagens de prevenção ao vírus HIV, causador da aids, a instituição alerta para outros riscos na vida de práticas sexuais irresponsáveis através das redes sociais comunitárias, em locais de encontro gay e espaços recreativos.

A administradora Oneida Paz, de 59 anos, não conhece assassinatos nem violações de lésbicas, seu coletivo. “Entre as mulheres pode haver a violência, mas não é comum. Tenho amigas que sofreram lesões, porque estavam casadas com homens que batiam nelas quando os deixaram para se unir a outra mulher”, afirmou.

O Cenesex qualificou de “alto número” os assassinatos de HSH ocorridos em 2013 e 2014, quando o tema ganhou força pelas mortes de duas figuras relevantes da cultura cubana e abertamente gays “em circunstâncias estranhas”, segundo ativistas.

A imprensa local, toda ela estatal, destacou as mortes violentas do coreógrafo Alfredo Velázques, de 44 anos, em setembro de 2013 na cidade de Guantânamo, e do diretor de teatro Tony Díaz, de 69 anos, encontrado morto em sua casa, em janeiro de 2014, em Havana. Mas somente foi destacado o valor deles como figuras artísticas.

“Não vi dados nem sou especialista, mas nos casos de assassinato que conheço houve crueldade. Nos matam por alguma razão, como roubo ou vingança, e também por sermos gays”, disse Leonel Bárzaga, engenheiro químico de 33 anos que contou à IPS o terrível final de seu amigo Marcel Rodríguez.

Rodríguez, um profissional gay de 28 anos, foi morto com 12 facadas no dia 6 de janeiro em sua casa. “A polícia ainda não apresentou o resultado da investigação”, disse Bárzaga, que por motivos particulares preferiu não se alongar sobre este crime, ocorrido no município de Centro Havana, na capital cubana.

O veterinário Manuel Hernández, de 41 anos, disse que “não conheço assassinatos” de gays. As “ofensas verbais são muitas nos povoados e nos centros de trabalho há bastante rejeição”, disse sobre a localidade rural onde vive, Quivicán, 45 quilômetros ao sul de Havana.

“Não seria loucura falar de crimes de ódio em relação às pessoas LGBTI em Cuba. Este é um termo que de fato a polícia cubana maneja e não é produto da paranóia. Mas sei tão pouco sobre eles com qualquer cubano”, afirmou Jorge Carrasco, jornalista que em 2013 investigou os pontos de encontro gay nesta capital.

Baseado em entrevistas feitas em zonas afastadas da cidade, como a Praia del Chivo, freqüentada pelos HSH para conversar, acertar encontros e praticar sexo com desconhecidos, Carrasco explicou por correio eletrônico que “muitos delinquentes usam esses locais para roubar e há assassinatos. Por isso há patrulhas policiais na área”.

Contexto latino-americano

Na América Latina, somente o Uruguai tipificou o crime de ódio em sua legislação, enquanto Argentina, Chile, México e Colômbia têm leis contra a discriminação que contemplam agravantes para este tipo de violência e alguns Estados brasileiros protegem constitucionalmente contra a discriminação.

Na falta de estatísticas oficiais, as organizações recopilam informação carente de adequada sistematização. O Centro para a Educação e Prevenção da Aids, em Nicarágua, registrou cerca de 300 crimes de ódio contra a população LGBTI, sobretudo mulheres trans, na América Central no período de 2009 a 2013. No México e no Brasil são registrados altos índices destes crimes.

Em Cuba, a Rede Ibero-Americana e Africana de Masculinidades é a única que publicou os resultados de pesquisas, sem esclarecer seus métodos. Assegura que em 2013 soube de “mais de 40 assassinatos de homossexuais em circunstâncias iguais” aos de Velázquez e Díaz. Envolverde/IPS