Internacional

Assistência humanitária, o que é?

Joanne Liu, presidente da organização Médicos Sem Fronteiras, e Peter Maurer, presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em entrevista coletiva depois que o Conselho de Segurança da ONU adotou uma resolução sobre a atenção médica em conflitos armados. Foto: Rick Bajornas/ONU
Joanne Liu, presidente da organização Médicos Sem Fronteiras, e Peter Maurer, presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em entrevista coletiva depois que o Conselho de Segurança da ONU adotou uma resolução sobre a atenção médica em conflitos armados. Foto: Rick Bajornas/ONU

Por Tharanga Yakupitiyage, da IPS – 

Nações Unidas, 10/5/2016 – A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) abriu um debate sobre o propósito e o significado da assistência humanitária ao se retirar da Cúpula Humanitária Mundial e declarar que perdeu as esperanças de que se concretizem as mudanças tão necessárias.Todos os atores coincidem em que o sistema humanitário está sobrecarregado, em parte, devido à pior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Isso levou o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, a convocar a primeira Cúpula Humanitária Mundial, que acontecerá nos dias 23 e 24 deste mês, na cidade turca de Istambul.Ao contrário da MSF, outras organizações humanitárias esperam que a conferência ajude a criar um enfoque mais coordenado entre a assistência humanitária e o desenvolvimento.

Atualmente, a ajuda, que se concentra em atender desastres, funciona como um sistema distinto do da assistência ao desenvolvimento, que se concentra em atender a pobreza sistêmica.A MSF, que estava muito envolvida na organização da Cúpula, anunciou na primeira semana deste mês que “já não tinha esperanças” de que a reunião serviria para melhorar a resposta de emergência e reforçar a necessidade de uma ajuda humanitária imparcial.

O interesse da Cúpula em conseguir uma “ajuda diferente” e “pôr fim à necessidade” ameaça “diluir a assistência humanitária em uma agenda política, de desenvolvimento mais vasto e de construção de paz”, explicou a MSF. Para aorganização, o encontro se tornou uma “máscara de boas intenções”, que não conseguirá que os Estados assumam suas responsabilidades. “Ao colocar os Estados no mesmo nível das organizações não governamentais, as agências da ONU, que não têm seu poder nem suas obrigações, a Cúpula minimizará a responsabilidade dos primeiros”, destacou a MSF.

O porta-voz do secretário-geral da ONU, StephaneDujarric, expressou sua decepção com o comunicado e disse que a MSF é uma “voz forte e influente” no setor. A decisão da MSF de se retirar, anunciada no dia 5 deste mês, foi o pontapé inicial do atual debate sobre o que é necessário para criar uma “melhor ajuda”.

O coordenador de política humanitária da CareInternational, GarethPrice-Jones, disse à IPS que a Cúpula deve garantir uma ajuda mais rápida e “de princípios”, e ainda se basear na doutrina humanitária de imparcialidade e neutralidade. Esta organização discorda da MSF na importância de atender primeiro a questão sobre o motivo de existirem essas necessidades.

“A MSF acredita que a ajuda humanitária deve ser estritamente reativa, e embora essa resposta seja fundamental, também devemos atender a parte da demanda”, pontuouPrice-Jones. Mas se concentrar na prevenção não necessariamente significa que a ajuda humanitária acabe se politizando, ressaltou.

A pesquisadora do grupo de política humanitária do Instituto de Desenvolvimento Exterior (ODI), Christina Bennett, expressou a mesma opinião em um informe, no qual escreveu que a colaboração entre os atores humanitários e os de desenvolvimento pode contribuir para que as comunidades sejam mais resilientes a futuras crises.

Bennett apontou à IPS que se concentrar nos dois assuntos permitirá atender com mais eficiência crises complexas e de longo prazo, embora reconheça a importância da ajuda humanitária neutra e independente, destacando a necessidade de cautela a esse respeito. “Só chamem necessidade e combinem forças para compreender como atender essas necessidades”, afirmou.

Com mais fundos, os atores podem atender as necessidades de curto e longo prazos, observou Bennett. Como exemplo citou a crise de refugiados do Oriente Médio. “O problema não vai desaparecer, não é real deixarem suas casas por nove meses e reconstruí-las para voltarem a viver ali. Isso já não acontece”, alertou.

O Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha) informou que o tempo médio do deslocamento agora é de 17 anos. Países anfitriões como a Jordânia já estão com os recursos dizimados.O diretor do Conselho Norueguês de Refugiados, Jordan Petr Kostohryz, argumentou à IPS que a concentração nas necessidades imediatas durante as primeiras etapas da crise de refugiados criou certo grau de “dependência da ajuda”, em lugar de contribuir para as soluções de longo prazo. Isso ocorreu, em parte, pela natureza atual da assistência humanitária.

Um estudo da ONU e do Banco Mundial indica que 90% dos refugiados sírios na Jordânia e no Líbano são pobres. Para muitas famílias é impossível ganhar a vida legalmente e muitas crianças carecem de acesso à educação. “Corremos o risco de perder uma geração inteira de crianças refugiadas sírias”, alerta o documento, acrescentando que cerca de 40% dos estudantes sírios estão fora do sistema educacional na Jordânia.

As diferentes etapas do deslocamento implicam diferentes necessidades, mas o prolongamento dessa condição requer estratégias além da assistência imediata de curto prazo para construir resiliência contra golpes futuros, explicouKostohryz. Bennett concordou ao observar que a perspectiva de longo prazo, combinada com a ajuda imediata, permite oferecer recursos educacionais, criar empregos e proporcionar às famílias refugiadas uma situação de vida mais permanente, que lhes permita sentir que a vida continua.

Perguntado se a Cúpula apresentará resultados tangíveis, Kostohryz afirmou que,“embora possamos estar vivendo uma época em que acordar um resultado, ou conseguir uma visão comum, é o mais difícil em décadas, precisamos de mudanças e novas estratégias que contem com o apoio e convoquem os principais atores”.Entretanto, destacou que as soluções são definitivamente políticas e que espera que o debate tenda para um compromisso confirmado para a proteção da população civil, que inclua a educação, e reafirme o princípio da ação humanitária.

Price-Jones se mostrou igualmente otimista sobre o resultado da Cúpula, e destacou a necessidade de os Estados acordarem e fortalecerem seu compromisso de minimizar as consequências humanitárias. “Não há soluções humanitárias para problemas humanitários. São o resultado de uma política falha, tanto para prever,ou evitar,um desastre natural e mitigar um conflito”, acrescentou.

A reforma humanitária está nas mãos dos governos do mundo, um fato com o qual a MSF concorda.Benett acrescentou que, junto com governos, instituições como a ONU e as grandes organizações internacionais devem enfrentar os problemas sistêmicos para melhorar o sistema humanitário, que inclui a distribuição da ajuda e seus resultados. Mais cética sobre o resultado da Cúpula, Bennett espera que pelo menos deixe um mapa do caminho para iniciar esta conversação.

A Cúpula Humanitária Mundial reunirá cerca de seis mil representantes de governos, empresas, organizações humanitárias e comunidades afetadas, o que inclui 80 Estados membros da ONU, dos 193 que a integram. Devido à diversidade de opiniões sobre o que é a “assistência humanitária” e que forma deve adotar, não está claro qual resultado ou quais medidas a conferência pretende conceber, coincidem vários analistas. Envolverde/IPS