Por Amantha Perera, da IPS –
Colombo, Sri Lanka, 17/2/2017 – A muito esperada e muito debatida lei de Informação do Sri Lanka (RTI), que obriga a uma inovadora transparência sobre as atuações dos poderes públicos, iniciou sua vigência este mês sem muito alarde. Não houve uma campanha de relações públicas do governo para apresentá-la no dia 3 deste mês, um dia antes dos festejos pelos 69 anos de independência desse país da Ásia meridional. Tampouco houve atividades públicas, uma raridade no Sri Lanka, onde os dirigentes não costumam deixar passar esse tipo de oportunidade para mostrar seus êxitos.
Talvez a falta de alvoroço tenha sido causada pela incompreensão dos benefícios que a lei representa para a cultura de governo no Sri Lanka. Como destacou há vários meses o ministro de Mídia, Gayantha Karunathilake, a lei agora coloca todos os funcionários públicos e eleitos dentro de uma “caixa de vidro” para escrutínio público.
Já choveram solicitações de informação, encabeçadas pelo ator, travestido de político e atual vice-ministro de Bem-Estar Social, Rajan Ramanayake, que apresentou uma série de consultas antes mesmo de a tinta ter secado. “Essa lei revelará tudo sobre os dirigentes políticos, sem discriminar por afiliação política”, destacou. Seus pedidos de informação se referem a numerosas autorizações legais, permissões para mineradoras, comércio livre de impostos, postos de combustíveis e uso de terras oferecidas a funcionários públicos, desde legisladores até órgãos governamentais.
O detalhe da informação solicitada chegará na terceira semana deste mês, informou o vice-ministro, que também pediu informação sobre licenças concedidas pelo governo a operadoras de televisão e sobre as condições em que ocorreram. Mas a maioria dos pedidos de informação se relaciona com casos de corrupção no setor público, segundo o RTIWire, um site dedicado aos avanços da lei.
“Quando consultamos a população sobre a informação que lhes interessava, quase um em cada três entrevistados se referiu a algum tipo de corrupção dos funcionários públicos, como declarações de bens, irregularidades nas licitações, salários e outros benefícios dos ministros”, diz o site ao descrever os primeiros dez dias da nova lei. Cidades das áreas que viveram a guerra civil, no norte e leste do país, se ampararam na lei para conhecer detalhes sobre as aquisições de terras por alguns departamentos do governo, bem como sobre o paradeiro de seus familiares desaparecidos.
O ministro Karunathilake está convencido das possíveis ramificações da lei no entorno do governo, que começou o segundo de seus cinco anos de mandato. “Isso abrirá totalmente a estrutura de governo ao escrutínio público. Os governos costumam tomar esse tipo de decisão em final de mandato, mas nós não. A lei pode minimizar a corrupção”, afirmou.
O governo recebeu críticas dos que afirmam que a lei foi aprovada apenas para acalmar as observações internacionais em matéria de direitos humanos, especialmente durante o governo anterior, do presidente Mahinda Rajapaksa (2005-2015). Mas o ministro de Mídia rechaçou toda ligação entre a lei e os esforços das autoridades para recuperar acordos tarifários preferenciais de exportação têxtil para a União Europeia (UE).
Nos próximos dois meses, a UE deverá anunciar se o Sri Lanka poderá se reintegrar ao Sistema de Preferências Generalizadas, do qual ficou fora a partir de 2010 por preocupações relacionadas com violações dos direitos humanos. Mas a oposição diz que o governo não mostra o mesmo entusiasmo em aplicar a lei como demonstrou em sua aprovação. “Se a levarem a sério, deverá começar a realizar a campanha de informação o mais rápido possível”, pontuou a legisladora da opositora Frente de Libertação do Povo, Nalinda Jayatissa.
Para fazer justiça, o governo tem pela frente a enorme tarefa de distribuir funcionários responsáveis pelo cumprimento da lei em todas suas dependências, que, segundo algumas estimativas do Ministério de Mídia, poderiam estar em torno de 40 mil pessoas. O ministério capacitou numerosos funcionários nos últimos meses e, embora vários milhares já tenham assumido seus cargos, ainda restam muitos vazios. O governo se complicou ao destinar apenas o equivalente a US$ 175 mil do orçamento atual para a implantação da lei.
De fato, quase duas semanas depois de sua promulgação, as autoridades ainda não haviam designado os funcionários mais relevantes em cada setor, o que contribuiu para a confusão e os atrasos desnecessários que enfrentaram os que começaram a apresentar pedidos de informação. O segundo secretário do Ministério de Mídia, B. K. S. Ravindra, informou que logo a lista estaria disponível na internet, mas sem indicar uma data.
Durante a primeira semana de promulgada a lei, havia confusão sobre se a Polícia estaria incluída na mesma e sobre qual seria o funcionário responsável em cada delegacia. E Ravindra esclareceu que as delegacias estão, sim, incluídas e que o superintendente adjunto de cada distrito seria o responsável pelo departamento de informação. Mas a RTIWire informou que “a Polícia ainda está em processo de designar os funcionários de informação”.
O processo deveria estar terminado nas próximas semanas. Numerosos oficiais participam de capacitações proporcionadas pelo Ministério de Mídia. Outros problemas para a implantação da nova lei são a dúvida sobre como apresentar os pedidos de informação, especialmente nas áreas rurais, onde também há falta de consciência sobre a mesma.
Em Arananayake, povoado que fica a 130 quilômetros de Colombo, que em 2016 sofreu um devastador deslizamento de terras, a população, que ainda vive em abrigos provisórios, não tem nem ideia dos benefícios da nova lei. Assim, o maior desafio do governo será garantir que a lei não acabe sendo um fiasco. Envolverde/IPS