Por Joaquín Roy*
Bruxelas, Bélgica, junho/2015 – A capital da União Europeia (UE) retornou à aparência normal de suas instituições dedicadas à rotina do funcionamento da organização de integração e cooperação entre Estados de maior êxito da história da humanidade.
A União Europeia é tão eficiente que pôde realizar simultaneamente um plenário do Parlamento em sua sede de Estrasburgo, enquanto Bruxelas era cenário da segunda Cúpula entre a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e o próprio bloco europeu, nos dias 10 e 11 deste mês.
Os aldeões do Conselho (Centro de poder da UE) e da Comissão (seu braço executivo) ficaram livres das teias de redes de segurança e controle pelas quais passaram os mandatários de 61 países (quase um terço dos membros das Nações Unidas) dos dois continentes e centenas de meios de comunicação à caça de notícias.
Mas o acontecimento não deixou apenas novidades merecedoras de passar à história.
De uma perspectiva americana, o detalhe mais importante desse balanço é que Bruxelas não é o Panamá, onde nos dias 10 e 11 de abril foi realizada a VII Cúpula das Américas, e que o cenário europeu tem alguns protagonistas diferentes e temas de perfil e calado que contrastam com os imperantes do outro lado do Atlântico.
De uma maneira ou de outra, os interlocutores latino-americanos tomaram nota das diferenças e assumiram as consequências. Nenhum detalhe é melhor para ressaltar a novidade dessa cúpula do que a ausência de alguns líderes latino-americanos com potencial de protagonismo e a presença exaustiva de alguns europeus com tênue relação com a América Latina.
Os ausentes apenas incidiram nos acontecimentos, enquanto os presentes europeus monopolizaram um setor das notícias.
Notáveis ausentes latino-americanos foram a argentina Cristina Fernández de Kirchner, o venezuelano Nicolás Maduro e o cubano Raúl Castro.
A presidente argentina decidiu se dedicar a enfrentar as dificuldades da sobrevivência de seu partido nas eleições gerais de outubro. Maduro considerou mais prudente ficar em Caracas, depois de suspender sua visita ao papa Francisco, e cuidar do terreno sob as pressões internacionais, incluída a mediação do ex-primeiro-ministro socialista espanhol Felipe González, devido à repressão contra seus opositores. Bruxelas não seria o cenário apropriado para o protagonismo que tentou capturar no Panamá.
Quanto a Raúl Castro, considerou sabiamente que não conseguiria atrair a mesma atenção da mídia que no Panamá compartilhou com ninguém menos do que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
A acomodação da relação entre Cuba e a UE tem um calendário lento, mas preciso, para o desaparecimento da Posição Comum do bloco europeu sobre o país caribenho, adotado em 1996. Não se trata de fazer barulho desnecessário. Delegando o poder ao discreto vice-presidente, Miguel Díaz Canel, passava uma mensagem de normalidade e de futuro.
Foi semelhante a atitude adotada pelo equatoriano Rafael Correa, atual presidente da Celac, que se comportou profissionalmente na companhia dos presidentes da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker, e do Conselho, Donald Tusk, enfatizando os pontos de coincidência, expressando admiração pelo processo europeu de integração e se referindo prudentemente aos temas sobre os quais há desacordo.
Por outro lado, observe-se que o protagonismo europeu esteve dominado por dois líderes com objetivos diferentes, que aproveitaram as reuniões paralelas para avançar em suas respectivas agendas de suas especiais relações com a UE.
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, aproveitou os encontros para continuar suas entrevistas com diferentes colegas, a fim de compartilhar sua estratégia sobre o prometido referendo de permanência na UE, programado para 2017, como resultado de um espetacular triunfo nas eleições de 7 de maio.
Após apertar as mãos de diversos líderes latino-americanos, Cameron foi sopesando um a um os europeus com relação à recepção de suas exigências de reformar a UE para permanecer nela e evitar o chamado Brexit.
Mas, nenhum outro protagonista europeu atraiu maior atenção do que o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, em sua tentativa de retardar ao máximo sua aceitação das condições financeiras da Comissão Europeia, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE), conhecidos como a Troika, com relação ao pagamento da dívida. Sob a ameaça de deixar o euro e o perigo de contaminar toda a União Europeia, o tema do Grexit ofuscou toda a agenda da Celac com a UE.
A trama das relações entre a UE e os diversos ramos da Celac ficará quase como antes. O significado da palavra “integração” adquiriu uma conotação diferente desde a época em que era a condição europeia unida ao reforço da supranacionalidade.
Com o passar dos anos, Bruxelas foi compatibilizando esse sonho com o pragmatismo de acordos com países individuais (México e Chile, primeiro, e agora Peru e Colômbia), além de “associações estratégicas”, tanto com gigantes como o Brasil, quanto com cenários concretos (América Central) e o reforço de cooperação (com a Comunidade do Caribe – Caricom).
Observe-se que em toda etapa de reforma das alianças e entremeados de integração e cooperação, o tema tabu da soberania nacional e da integridade territorial dos Estados prevaleceu. Diante das tentativas de influência europeia para mediar nos conflitos internos, a América Latina cerrou fileiras, como foi o caso notório da redação de uma declaração da Assembleia Interparlamentar (Eurolat) sobre a Venezuela.
A Europa, é preciso dizer, também respondeu de maneira semelhante ao impedir a inserção de uma condenação explícita aos Estados Unidos por suas referências ao regime de Caracas como uma ameaça.
Sem a institucionalização da Celac, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) ficaria como especial fórum funcional de consultas na América do Sul, enquanto Brasil e México propõem forjar um eixo com o qual conectar suas mútuas zonas de influência no sul e na América do Norte. Mas, nem a presidente brasileira, Dilma Rousseff, nem seu colega mexicano, Enrique Peña Nieto, são reconhecidos para serem o “telefone” da América Latina.
Sobre o ambiente da cúpula revoava o inevitável impacto da evolução da Cooperação-Tratado Transatlântico de Comércio e Investimentos (TTIP) entre UE e Estados Unidos, à espera da eterna expectativa do inacabado acordo com o Mercosul (Mercado Comum do Sul). O progressivo desaparecimento funcional da Comunidade Andina confirmaria a oscilação de Colômbia e Peru a se integrarem à Aliança do Pacífico.
Simbólico e ao mesmo tempo significativo é o acordo com a UE para eliminar a exigência de vistos Schengen para viajantes desses dois países latino-americanos, uma decisão que, se prevê, será estendida a outros países latino-americanos, com efeitos nos investimentos e ordenamento das migrações.
Mas, apesar de todas as limitações, convém recordar que a região da Celac é o quarto sócio da União Europeia, atrás de Estados Unidos, Rússia e China. A própria UE é o segundo sócio da Celac. A destinação de mais de 100 milhões de euros (US$ 112 milhões) para programas empresariais é uma demonstração do renovado interesse europeu pela América Latina, para compensar a influência da China. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected]