Economia

Banco do Brics desafia Bretton Woods?

O Novo Banco de Desenvolvimento foi uma proposta que a Índia apresentou pela primeira vez em 2012, mas foi a potência financeira da China que transformou a ideia em realidade, em 2015. Foto: Kit Gillet/IPS
O Novo Banco de Desenvolvimento foi uma proposta que a Índia apresentou pela primeira vez em 2012, mas foi a potência financeira da China que transformou a ideia em realidade, em 2015. Foto: Kit Gillet/IPS

Por Daya Thussu*

Londres, Grã-Bretanha, 23/7/2015 – A inauguração do banco do Brics na cidade chinesa de Xangai, no dia 21 deste mês, após a sétima cúpula que as cinco maiores economias emergentes do mundo realizaram na Rússia, confirma o rápido surgimento de uma arquitetura financeira alternativa.

A Índia apresentou pela primeira vez, em 2012, a proposta de um banco internacional voltado ao desenvolvimento, na cúpula do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em Nova Délhi, mas foi o músculo financeiro chinês que transformou a ideia em realidade. O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) empregará seu capital inicial de US$ 50 bilhões no financiamento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento nos cinco países do Brics, e também é provável que apoie iniciativas em outros países.

A declaração final da sétima cúpula anual do grupo, realizada na cidade russa de Ufa, nos dias 8 e 10 deste mês, assinala que “o NBD servirá como um poderoso instrumento para financiar o investimento em infraestrutura e projetos de desenvolvimento sustentável no Brics e em outros países em desenvolvimento e economias de mercados emergentes, e para melhorar a cooperação econômica entre nossos países”.

O presidente do NBD é Kundapur Vaman Kamath, um respeitado banqueiro, anteriormente do Icici, o maior banco privado da Índia, e da Infosys, uma empresa de informática desse país. “Nosso objetivo não é desafiar o sistema existente em si, mas melhorar e complementar o sistema à nossa própria maneira”, declarou durante a apresentação do NBD em Xangai.

Trata-se da primeira instituição tangível desenvolvida pelo Brics, grupo criado em 2006 como um importante bloco não ocidental, cujos líderes se reúnem anualmente desde 2009. Seus países em conjunto abrigam 44% da população mundial e contribuem com 40% do produto interno bruto e 18% do intercâmbio comercial do planeta.

Em consonância com o tema da cúpula de Ufa, A Aliança do Brics: Um Fator Poderoso Para o Desenvolvimento Mundial, a criação do banco de desenvolvimento foi um resultado importante, aclamado por um comentarista do jornal The China Daily como um “plano-mestre marco para a cooperação”.

A marca da China no NBD é inconfundível. A declaração de Ufa se expressa claramente sobre a estreita relação que existe entre a entidade e o recém-criado Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), também financiado em grande parte por Pequim. A declaração de Ufa recebeu positivamente a proposta para que o NBD “coopere estreitamente com os mecanismos de financiamento existentes e novos, incluído o AIIB”. A China também pretende instalar um centro regional do NBD na África do Sul.

A cooperação econômica se manteve como eixo central na cúpula de Ufa, que também registrou uma agenda geopolítica evidente. O Global Times, o órgão de imprensa internacional mais nacionalista da China, comentou que a criação do NBD e do AIIB “romperá a posição monopólica do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, e os motivará a funcionar de forma mais normativa e democrática, com eficiência, a fim de promover a reforma do sistema financeiro internacional, bem como democratizar as relações internacionais”.

A realidade das finanças internacionais é tal que toda instituição financeira alternativa deve funcionar em um sistema que siga a pauta do Ocidente e seu formidável domínio dos mercados financeiros mundiais, redes de informação e liderança intelectual. Porém, a China, com seus quase US$ 4 trilhões em reservas de divisas estrangeiras, está bem situada para tentá-lo, junto com os demais países do Brics. O país é o maior exportador mundial, e busca de forma constante novas vias para ampliar e consolidar suas relações comerciais em todo o planeta.

A China também é fundamental para a criação da Organização de Cooperação de Xangai (OCS), uma agrupação política, econômica e de segurança euro-asiática cuja reunião anual coincidiu com a sétima cúpula do Brics. Fundada em 2001 e integrada por China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Uzbequistão, a OCS acordou a admissão da Índia e do Paquistão como membros de pleno direito.

Embora a cúpula dos Brics e a reunião da OCS fossem em grande parte ignoradas pelos meios de comunicação internacionais, ocupados com as negociações nucleares do Irã e a atual crise econômica na Grécia, é provável que as consequências econômicas e geopolíticas dos dois encontros perdurem por algum tempo.

Para a anfitriã Rússia, que também recebeu a primeira cúpula do Brics em 2009, o encontro de Ufa aconteceu no contexto das sanções do Ocidente, do conflito armado na Ucrânia e da expulsão russa do Grupo dos Oito países mais avançados, agora novamente Grupo dos Sete. Em parte como reação a essa situação, destaca-se a camaradagem entre Moscou e Pequim, que em 2014 assinaram um acordo para fornecimento de petróleo e gás russos durante 30 anos, no valor de US$ 400 bilhões.

Os dois países veem uma convergência econômica em suas atividades comerciais e financeiras, por exemplo, entre a iniciativa chinesa para a Ásia central do Cinturão Econômico Rota da Seda, e os esforços recentes de Moscou para fortalecer a União Econômica Euro-Asiática. A expansão da OCS deve ser considerada nesse contexto. Moscou também propôs a criação do canal SCO TV para transmitir material econômico e financeiro e comentários sobre as atividades em algumas das economias de maior crescimento do mundo.

Qualquer que seja o resultado, é evidente que está sendo criada uma nova agenda internacional de desenvolvimento, com apoio de nações poderosas e com a virtual exclusão do Ocidente. E a China é sua força motriz. Apesar de seu sistema de partido único, que limita o pluralismo político e frustra o debate, o país conseguiu que sua sociedade majoritariamente agrícola e autossuficiente se transformasse no maior mercado de consumo do mundo, sem grandes convulsões sociais e econômicas.

O êxito da China tem muitos admiradores, especialmente em outros países em desenvolvimento, e alguns falam em substituir o Consenso de Washington pelo que é descrito como Conselho de Pequim. O banco do Brics, ao que parece, é um pequeno passo nessa direção. Envolverde/IPS

* Daya Thussu é professor de Comunicação Internacional na Universidade de Westminster, na Grã-Bretanha.