Por Phillip Kaeding, da IPS –
Nações Unidas, 25/7/2018 – Mais de 150 organizações não governamentais de todo o mundo solicitaram aos organismos multilaterais de desenvolvimento garantia de que os beneficiários de seus empréstimos respeitem os direitos humanos quando realizarem seus projetos.As 154 ONGs, agrupadas na Coalizão para os Direitos Humanos no Desenvolvimento, afirmam que Banco Mundial, Banco Europeu de Investimentos e outras instituições costumam trabalhar com governos e empresas que realizam grandes projetos no Sul em desenvolvimento.
Por exemplo, bancos holandeses, finlandeses e centro-americanos financiaram a represa Água Zarca, em Honduras, criticada pela ativista ambiental Berta Cáceres, que acabou assassinada em março deste ano.Organizações como HumanRightsWatch e Oxfam consideram que os bancos também têm responsabilidade quando se abusa dos direitos das populações locais para facilitar a concretização dos projetos. As ONGs que assinaram a petição querem que os bancos de desenvolvimento defendam os direitos humanos nas regiões onde financiam projetos.
A nova petição diz que a organização Global Witness identificou 2015 como o pior ano por homicídiosregistradosde defensores da terra e ambientais, com 185 mortes em 16 países. O caso de Berta Cáceres não é uma exceção. A blogueira etíope SoleyanaGebremichael falou sobre a situação em seu país de origem, em uma entrevista coletiva realizada na semana passada.“Durante os últimos dez anos diminuiu o espaço da sociedade civil. A Etiópia promulgou duas leis em 2009, a primeira sobre a sociedade civil e a segunda sobre antiterrorismo”, contou.
A primeira “basicamente limita as atividades das organizações da sociedade civil pela limitação de seus recursos”, apontouGebremichael, que recebeu o Prêmio Internacional da Liberdade de Imprensa junto com seus companheiros do blog Zone 9, em 2015.Os bancos multilaterais devem colaborar com as organizações da sociedade civil para amenizar os problemas, como uma maneira de trabalhar com os governos sem pressioná-los diretamente, acrescentou.
Para Jessica Evans, da HumanRightsWatch, os bancos costumam argumentar que fazem o que podem. “No caso do Uzbequistão, funcionários do Banco Mundial nos disseram ter manifestado sua preocupação ao governo com os ataques contra defensores dos direitos humanos independentes, que estão atentos ao trabalho forçado e outras violações dos direitos humanos vinculados à agricultura. Isso não teve nenhum impacto”, afirmou.
MandeepTiwana, diretor de Política e Investigação da Civicus, culpa os enredos entre política e economia. “Os Estados terceirizam cada vez mais suas responsabilidades. Isso leva a uma abertura maior para a corrupção, devido ao conluio entre as elites. As organizações da sociedade civil, quando tentam expor esses vínculos corruptos, são atacadas”, ressaltou. Os bancos de desenvolvimento apoiam as políticas de desenvolvimento voltadas ao crescimento, como ocorre na Etiópia, e que, portanto, ignoram outras questões, afirmou.
Para Tiwana, na raiz do problema existe um paradigma neoliberal.Mais do que as causas históricas e políticas, o que agora interessa às ONGs internacionais são as soluções práticas. A petição, dirigida aos principais bancos de desenvolvimento,sugere, em primeiro lugar, “que devem analisar sistematicamente o contexto das liberdades de expressão, reunião e associação, e o respeito a outros direitos humanos fundamentais para o desenvolvimento”.
“Uma vez que se tenha feito essa análise, deverá ser incorporada às suas estratégias de desenvolvimento em cada país”, afirmou Evans.Os bancosdeverão aplicar políticas para melhorar a prestação de contas e garantir que sejam considerados os direitos humanos em todos os projetos, destaca a Coalizão.A solicitação é ambiciosa. Entretanto,Tiwana acredita que é essencial apontar os vínculos entre as instituições financeiras e os governos, junto com as organizações locais da sociedade civil.
“Os bancos de desenvolvimento muitas vezes trabalham com grandes órgãos estatais e estes muitas vezes permitem a participação de vários atores privados. Alguns podem estar relacionados com pessoas muito influentes”, explicouTiwana.“Assim, o público tem um papel muito importante para garantir que os acordos alcançados tenham passado pelo discurso constitucional e legítimo. E, por isso, a sociedade civil é extremamente importante para lançar luz sobre esses contratos e essas atividades”, observou.
Em muitos aspectos a petição apela para a consciência das autoridades dos bancos dos países ricos do Ocidente. É provável que surjam novos conflitos, agora que os bancos multilaterais orientais, como Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) – ao qual a petição também foi enviada –, entraram para o grande cenário de financiamento do desenvolvimento.Este ano a Anistia Internacional e outros órgãos disseram que os direitos humanos não são a prioridade do AIIB.
Uma espiral descendente em matéria de direitos humanos nos projetos de desenvolvimento é um grande perigo aos olhos da Coalizão para os Direitos Humanos no Desenvolvimento.“Está emergindo um padrão mais amplo como resultado de que os bancos multilaterais de desenvolvimento não priorizam a participação do público no trabalho que fazem, e se negam a trabalhar para impedir as represálias”, destacou Evans. “O que vemos é que essas instituições seguem atuando como sempre, em lugar de trabalhar com os próprios defensores de direitos humanos para exercer pressão sobre os governos e outros que os atacam”, ressaltou. Envolverde/IPS