Por Naimul Haq, da IPS –
Teknaf, Bangladesh, 6/7/2015 – Com apenas 16 anos, o bengali Mohammad Yasin já viveu um inferno, do qual conseguiu escapar por milagre. Após sobreviver a uma perigosa travessia pelo Oceano Índico, amontoado com outras 115 pessoas no porão de uma precária embarcação, com pouquíssimo alimento, sem água e poucas esperanças de chegar vivo à costa. Yasin viu morrer de fome um companheiro de viagem, um destino do qual quase não consegue se salvar.
O jovem, que vivia com sua família de sapateiros pobres em Teknaf, povoado do extremo sul da cidade de Cox’s Bazar, em Bangladesh, começou a chorar ao contar sua história. A mesma que se repete pelo êxodo em massa de migrantes e refugiados políticos no sudeste da Ásia, uma situação que mantém em alerta várias instituições de direitos humanos e a própria Organização das Nações Unidas (ONU).
Yasin contou à IPS que tudo começou quando um grupo de homens do vizinho distrito de Bandarban prometeu levá-lo à Malásia para procurar trabalho, junto com outras cinco pessoas de Teknaf. Com renda de US$ 80 mensais e família de quatro pessoas, que inclui o pai doente do rapaz, a Malásia parecia um “destino sonhado” para ele, pois conseguiria ganhar dinheiro suficiente para ajudar seus parentes.
“O homem nos disse que não teríamos de pagar nada agora, mas que ‘deduziriam’ US$ 2.600 de cada quando encontrássemos trabalho na Malásia”, explicou o debilitado adolescente. “Em uma manhã ensolarada da última semana de abril, levaram um grande grupo de homens e mulheres para a ilha deserta de Shah Porir Dwip, e nesse mesmo dia, horas mais tarde, embarcamos em um grande barco de madeira”, acrescentou.
Já no meio da baía de Bengala, no porto de Chaungthar, na cidade malaia de Pathein, se juntaram ao grupo alguns muçulmanos rohingya. Esta minoria étnica sofre uma perseguição religiosa em Myanmar e agora constitui o grosso do movimento de seres humanos existente nesta região.
Junto com os dez organizadores, que eram traficantes, o grupo era formado por 130 pessoas. A forma como chegariam ao destino, ou quando chegariam, era uma incógnita para os passageiros. Esses homens tinham suas vidas em suas mãos. “Os suprimentos eram escassos e a comida e a água racionada a cada três dias. Muitos vomitaram enjoados por causa do movimento do barco ao sulcar as poderosas ondas”, contou Mohammad Ripon, do distrito bengali de Narayanganj.
Durante o dia, os traficantes abriam a escotilha por onde entrava um sol abrasador. À noite, a fechavam e os passageiros congelavam. Além disso, não havia quem conseguisse dormir entre o pranto e as queixas das pessoas doentes e assustadas. Não sabiam nada e ninguém se atreveu a perguntar, por medo de sofrer violência física ou ser jogado no mar. Seus captores já haviam batido em vários passageiros por perguntarem demais.
Após um mês e meio sofrendo essa tortura, a Guarda Costeira de Bangladesh conduziu o barco para a ilha de San Martin, diante da costa de Cox’s Bazar, bem perto de onde havia começado a viagem dos esperançosos imigrantes. Só depois que emergiram, pele e osso e olhos fundos, foi que se deram conta de que a tripulação havia abandonado o barco. Apesar das penúrias, o grupo teve sorte, as pessoas sobreviveram e não perderam nem seus pertences nem seu dinheiro.
Segundo o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, cerca de 88 mil pessoas, na maioria bengalis pobres ou muçulmanos rohingya deslocados de Myanmar, tentaram cruzar a fronteira com Tailândia, Malásia ou Indonésia no prazo de 15 meses. Delas, cerca de 63 mil fizeram a tentativa entre janeiro e dezembro de 2014, e outras 25 mil no primeiro trimestre deste ano. E, destas, cerca de 300 morreram em alto mar. Desde outubro de 2014, 620 pessoas perderam a vida em travessias marinhas perigosas não planejadas na baía de Bengala.
Para piorar as coisas, a descoberta de redes de traficantes levou os governos da região, em particular os da Tailândia e da Malásia, a investirem contra as chegadas irregulares, impedindo a atracação de barcos e, às vezes, até rebocando-os de volta para alto mar, apesar de terem a bordo pessoas desesperadas.
Os imigrantes de Bangladesh fogem da pobreza e do desemprego em seu país de aproximadamente 157 milhões de pessoas, 31% dos quais são pobres. O Escritório de Estatísticas desse país diz que o desemprego afeta 4,53% da população economicamente ativa, o que significa que 6,7 milhões de pessoas não têm trabalho.
O soldador Mohammad Hasan, de 34 anos, procedente da aldeia de Boliadangi, no distrito de Thakurgaon, é um dos muitos que sonharam com uma vida mais próspera em um país diferente. “Vendi minha terra ancestral para viajar rumo à Malásia, onde esperava conseguir emprego na construção, porque minha renda não era suficiente para uma família de seis pessoas”, contou à IPS.
Ele ganhava US$ 100 por mês, mas não era tarefa fácil alimentar sete pessoas com cerca de US$ 15 por dia. Desesperado, colocou sua vida nas mãos dos traficantes de pessoas e embarcou com destino à Malásia. No começo deste ano, abandonado pelos que lhe prometeram uma travessia segura, ele e outros cem homens foram encontrados à deriva diante da costa da Tailândia. Felizmente, todos sobreviveram, mas perderam o dinheiro pago pela viagem.
Entre 60% e 70% da população bengali vive da agricultura, e a vasta maioria tem dificuldades para sobreviver. Aninda Dutta, que trabalha para a Organização Internacional para as Migrações neste país, explicou que “em Bangladesh há um forte vínculo entre migração e tráfico humano, pois uma travessia que começa por motivos econômicos se torna um caso de tráfico devido às circunstâncias”.
Tais “circunstâncias” são pagamentos por extorsão aos chamados agentes, redes de traficantes e golpistas, outras formas de abuso durante a travessia, como violência sexual, roubo de seus pertences no mar ou abandono sem um centavo em diferentes lugares, principalmente na Tailândia ou Malásia, onde ficam à mercê da ira das correspondentes autoridades migratórias.
Em uma tentativa de cortar o problema pela raiz, a Guarda Fronteiriça de Bangladesh instalou mais postos de controle para aumentar a vigilância, e propôs que o governo endureça as normas de registro de embarcações. Mas, enquanto as autoridades não atenderem o problema subjacente da pobreza extrema, é pouco provável que o êxodo diminua no curto prazo. Envolverde/IPS