Los Arabos, Cuba, 16 de fevereiro de 2015 (Terramérica).- Graças à chama azulada de seu fogão a biogás, a médica rural cubana Arianna Toledo esquenta a água do banho e prepara o jantar na metade do tempo que demorava para realizar as mesmas tarefas há quatro anos, quando usava energia elétrica ou lenha.
Com a instalação de um biodigestor, que utiliza os dejetos sólidos dos porcos para produzir biogás destinado à preparação de alimentos, diminuiu a carga doméstica e os gastos da família de Arianna, de cinco membros, que reside na localidade de Cuatro Esquinas, no município de Los Arabos, na província cubana de Matanzas. “A principal economia é de tempo, porque no fogão a gás se cozinha tudo mais rápido”, ressaltou a médica ao Terramérica. Ela e as demais mulheres da família carregam o peso de cuidar do lar, como na maioria das famílias cubanas.
Outras pequenas 20 unidades produtoras de biogás funcionam em casas dessa localidade, a 150 quilômetros de Havana, e mais de 300 em toda Matanzas, facilitadas por um projeto do não governamental Centro Cristão de Reflexão e Diálogo-Cuba (CCRD-C), com sede na cidade de Cárdenas, na mesma província. Essa instituição ecumênica busca melhorar as condições de vida no meio rural fomentando práticas ecológicas, que ao mesmo tempo mitiguem a contaminação ambiental, a degradação dos solos e o mau uso das águas.
O projeto dos biodigestores também tem como um de seus principais objetivos aliviar o trabalho das mulheres rurais e a economia doméstica. “Gastamos menos dinheiro mensalmente com eletricidade ou compra de botijões de gás e, ao mesmo tempo, protegemos o ambiente por se tratar de um recurso natural renovável”, afirmou Arianna. Em Cuba, 69% das famílias dependem da eletricidade para cozinhar.
Carlos Alberto Tamayo, seu marido, afirmou ao Terramérica que os quatro porcos que criam para autoconsumo garantem o combustível necessário para sua casa. “A matéria orgânica que vai ficando funciona como fertilizante natural para nossa horta, onde cultivamos hortaliças e frutas”, acrescentou Tamayo, que é pastor episcopal em Cuatro Esquinas, que tem mais de 2.300 habitantes.
O projeto de campanha do biodigestor, apontou Tamayo, não deixa odores incômodos nem vetores, enquanto o gás é mais seguro por não ser tóxico e ter menos possibilidades de provocar acidentes ou explosões.
Com apoio da cooperação internacional de vários países, o CCDR-C promove há mais de 15 anos o uso doméstico desses sistemas, o reflorestamento e o desenvolvimento da energia renovável, uma prioridade para Cuba, onde apenas 4,3% do consumo energético provêm de fontes limpas.
Os biodigestores, construídos artesanalmente no caso da organização ecumênica, vão multiplicar sua presença em Cuba nos próximos cinco anos. O estatal Centro de Promoção e Desenvolvimento do Biogás, do Instituto de Pesquisas Suínas, desenvolve um plano nacional para promover o uso de biodigestores em empresas estatais e cooperativas camponesas.
No ano passado, esse centro estatal registrou a existência de mil biodigestores nesses dois setores, que beneficiavam quatro mil pessoas, no caso das empresas, e oito mil, no caso das cooperativas camponesas. O plano prevê a fabricação de aproximadamente mil biodigestores anuais até 2020, mediante nove projetos do Ministério da Agricultura e da não governamental Associação Nacional de Pequenos Agricultores, que contarão com financiamento do Programa de Pequenas Doações, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo Rita María García, diretora do CCDR-C, o monitoramento de seu projeto mostra que a substituição da lenha, do querosene e do petróleo pelo biogás humaniza o trabalho doméstico. As mulheres envolvidas ganham segurança e tempo, um bem apreciado para as cubanas, pois consomem 71% de suas horas trabalhadas em tarefas domésticas não remuneradas, segundo a única Pesquisa do Uso do Tempo realizada no país.
Para cada cem horas de trabalho masculino em Cuba, elas realizam 120, a maior parte em atividades simultâneas, segundo o estudo oficial de 2002. “Em geral, as mulheres manejam a economia da casa, o que se converte em uma carga, por isso agradecem a instalação de biodigestores e muitas se motivaram a criar porcos e trabalhar na agricultura depois disso”, destacou García ao Terramérica.
A metodologia de projetos no CCRD-C começa pela capacitação dos beneficiários da construção, implantação e posterior manutenção dos biodigestores, ao mesmo tempo em que repassam conhecimentos sobre agricultura ecológica com adubos orgânicos, explicou Juan Carlos Rodríguez, seu coordenador geral. O CCDR-C também promove entre os camponeses o reflorestamento e o uso de moinhos de vento, para aliviar a fatura energética de um país que importa 53% do combustível que consome.
Um beneficio adicional dos biodigestores é que são uma alternativa para manejar os resíduos orgânicos contaminantes da criação de porcos. Em 2013, Cuba, um país de econômica socialista e altamente centralizada, tinha 16,7 milhões de cabeças de suínos, dos quais 65% em mãos de particulares.
O porco é a principal carne consumida em Cuba e sua criação está muito difundida entre produtores privados e famílias, por isso o Ministério de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente favorece a instalação de biodigestores, como um instrumento para aumentar sua produção. Para isso é exigido que os criadores de porcos garantam um sistema adequado para tratar os resíduos.
A decomposição dos excrementos por meio de bactérias sem oxigênio produz o biogás, composto fundamentalmente por metano. Além da elaboração de alimentos, o biogás pode ser usado na iluminação, refrigeração e produção de eletricidade. Ao se sintetizar os resíduos nos biodigestores, diminui a contaminação dos solos e das águas subterrâneas, enquanto se freia o corte de árvores para se obter lenha.
Cuba introduziu o uso destes digestores orgânicos de resíduos no começo da década de 1980, com apoio da ONU, mas seu impulso ocorreu uma década depois, pelas mãos do Movimento Nacional de Biogás. Estudos divulgados pela imprensa mostram que o potencial nacional nesse tipo de energia supera os 400 milhões de metros cúbicos anuais, que permitiriam gerar anualmente 700 gigawatts por hora.
Com isso deixariam de ser emitidos mais de três milhões de toneladas de dióxido de carbono e se economizaria a compra de aproximadamente 190 mil toneladas anuais de petróleo. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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