Por Catherine Wilson, da IPS –
Canberra, Austrália, 27/5/2015 – Um extenso e sinuoso caminho leva de Arawa, outrora capital de Bougainville, uma região autônoma de Papua-Nova Guiné, através de uma selva impenetrável, até as alturas da cordilheira do Príncipe Herdeiro, no centro da ilha. Sobre uma colina o verdor dá lugar a uma paisagem de terra escavada, e no centro uma enorme cratera, de seis quilômetros de comprimento, rodeada por restos de caminhões e maquinaria mineira, enferrujando no pó debaixo do sol do Pacífico sul.
O lugar ainda reflete o espírito dos indígenas nasiois, que travaram uma luta armada entre 1989 e 1997, após um levante para fechar uma das maiores minas de cobre a céu aberto do mundo, de onde se pretendia extrair cerca de um bilhão de toneladas de minério de ferro debaixo da terra fértil.
Operada pela Bougainville Copper Limited, uma subsidiária da Conzinc Rio Tinto da Austrália, a mina Panguna gerou cerca de US$ 2 bilhões entre 1972 e 1989. Mas seus proprietários majoritários, a Rio Tinto (com 53,58% do total) e o governo de Papua-Nova Guiné (com 19,06%), receberam a maior parte dos lucros, sendo que o acordo não reconheceu direito algum aos proprietários indígenas das terras.
A população autóctone foi retirada à força, suas terras ancestrais ficaram irreconhecíveis debaixo de toneladas de rochas estéreis, e o rio local, o Jaba, foi contaminado com resíduos da mineração, que adulteraram as águas e envenenaram os peixes. A desigualdade se agravou, já que os empregos na mina enriqueceram uma pequena minoria. Dos 150 mil habitantes estimados em 1980, cerca de 1.300 trabalhavam em Panguna.
Quando em 1989 foi rejeitada uma demanda por indenização equivalente a US$ 3,7 bilhões, os donos de terras se mobilizaram e paralisaram a mineradora, sabotando sua fonte de energia e suas principais instalações com explosivos. A situação desatou uma guerra civil entre o Exército Revolucionário de Bougainville e as forças armadas de Papua-Nova Guiné, até ser declarado o cessar-fogo em 1997.
Os combates deixaram saldo estimado de 15 mil a 20 mil mortos, ou 13% da população da época. “A crise foi uma luta por todos os povos oprimidos do mundo, lutamos pelo que era certo, o direito à terra”, afirmou Greg Doraa, um chefe de distrito de Panguna.
Agora, embora a região de 300 mil habitantes tenha conseguido certo grau de autonomia de Papua-Nova Guiné, o fantasma da mineração segue presente. Ao longo deste mês, Bougainville está realizando eleições gerais, que são a ante-sala de um referendo sobre a independência da região, a ser realizado em 2020, pelo qual as opções do desenvolvimento econômico são objeto de acalorados debates.
A elite política considera que só a mineração pode gerar a renda necessária para atender as ambições de Bougainville. Mas, para os latifundiários e as comunidades agrícolas, uma opção muito mais sustentável seria desenvolver o rico potencial da agricultura e do turismo ecológico.
Em 2014, o presidente do Governo Autônomo de Bougainville, John Momis, declarou que a produção dos dois principais setores da região, cacau e mineração de ouro em pequena escala, significou US$ 55,7 milhões. Isso reforçou a renda local, mas não os cofres do governo, devido à falta de tributação. “Embora se pudesse aplicar um imposto de 10% sobre o volume de negócios desses setores, isso produziria apenas uma pequena fração da renda que o governo precisa para apoiar uma verdadeira autonomia”, pontuou Momis.
Porém, Chris Baria, uma comentarista local dos assuntos de Bougainville que esteve em Panguna durante o conflito armado, afirma que, “devido à percepção generalizada no governo de que a mineração é uma forma rápida e fácil de remediar os problemas de escassez de dinheiro, houve uma falta real de dedicação aos setores agrícola e manufatureiro.
“Bougainville tem um solo rico para os cultivos, que podem ser vendidos como matéria-prima ou com valor agregado para obter bons preços no mercado mundial, e também é um potencial destino turístico se for desenvolvida a infraestrutura necessária”, acrescentou Baria.
Em 2014 se concretizou o transmissão dos direitos da mineração de Papua-Nova Guiné para Bougainville com a aprovação de uma lei de mineração de transição. Mas muitos temem que o retorno da mineração em grande escala provoque formas de injustiça semelhantes às já vividas. A exclusão econômica foi o fator fundamental que levou os nasiois a pegar em armas há 25 anos. Aproximadamente 94% dos cerca de US$ 2 bilhões em renda gerados pela mina foram para os acionistas e o governo de Papua-Nova Guiné, e somente 1,4% chegou aos proprietários locais de terras.
Segundo Baria, “as tendências de desenvolvimento atuais somente beneficiarão a elite educada e os políticos que têm acesso às oportunidades mediante o emprego e as comissões que recebem das empresas que vêm extrair os recursos, enquanto as pessoas comuns são meros espectadores de tudo o que acontece ao seu redor”.
A reconstrução tem sido lenta desde o acordo de paz de 2001. O governo de Bougainville continua dependendo economicamente de Papua-Nova Guiné e dos doadores internacionais. Em alguns lugares, por exemplo, foram reparadas pontes e ruas, aeroportos voltaram a funcionar e houve melhoria nos recursos da polícia. Mas o desarmamento é incompleto, o acesso rural aos serviços básicos é deficiente e as altas taxas de violência doméstica e sexual se agravam porque os que sofrem trauma pós-conflito não recebem o devido tratamento.
A província tem apenas dez médicos para atender mais de 250 mil pessoas, menos de 1% da população tem eletricidade e a expectativa de vida é de apenas 59 anos. Menos de 5% da população tem acesso a saneamento, segundo a organização humanitária World Vision, e um terço das crianças não vão à escola, além da “geração perdida” de jovens que não receberam educação formal durante os anos do conflito armado. Para especialistas, o desenvolvimento econômico deve estar a serviço da paz e em longo prazo.
Delwin Ketsian, a presidente da organização Mulheres de Bougainville na Agricultura, disse que “80% das mulheres locais não apoiam a reabertura da mina”. No norte e no centro da região autônoma, as mulheres são tradicionalmente as proprietárias de terras. “Bougainville é uma sociedade matrilinear. Nossa terra é nosso recurso e queremos trabalhar nossa própria terra, e não que estrangeiros venham destruí-la”, acrescentou. Envolverde/IPS