Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 14/8/2015 – A crise que atormenta os brasileiros é basicamente política e não permite vislumbrar uma saída. É o fim de um ciclo, segundo diversas análises, mas não há indícios de que algo novo esteja sendo gestado. O Brasil vive uma “crise de hemegonia”, na qual não há forças políticas com propostas consistentes e capazes de dar algum rumo ao país na disputa pelo poder, segundo o diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Cândido Grzybowski.
“O risco desse vazio é que pode acontecer uma surpresa, como a ascensão de um ‘salvador da pátria’ ao poder”, advertiu Grzybowski à IPS. Os exemplos que costuma mencionar vão de Adolf Hitler e Benito Mussolini aos mais recentes, como o ex-presidente Fernando Collor, que sofreu processo de impeachment por corrupção em 1992.
Mas o mais evidente para a população é a economia, que entrou em recessão em 2014 e se prognostica seu prolongamento durante 2016, com desemprego e inflação em alta, e o escândalo de corrupção nos negócios da Petrobras que já levou à prisão grandes empresários e ameaça muitos líderes políticos.
Nessa crise de múltiplas dimensões, a presidente Dilma Rousseff enfrenta ainda uma rebelião de aliados na Câmara dos Deputados, uma rejeição popular recorde segundo as pesquisas, pressões pelo seu impeachment ou sua renúncia e o reinício de protestos de rua, com anunciadas mobilizações para o dia 16.
O Partido dos Trabalhadores (PT) perdeu, segundo os termos de Grzybowski, a hegemonia que tornou efetiva com a vitória de seu líder máximo, Luiz Inácio Lula da Silva, nas eleições presidenciais de 2002. Resistiu ao escândalo de 2005, em que teve seus principais dirigentes presos, acusados de obterem recursos fraudulentos para subornar parlamentares, conseguiu a reeleição de Lula em 2006 e impôs Dilma Rousseff como sua sucessora, também reeleita em 2013.
Mas as atuais investigações do Ministério Público Federal e da Policia Federal sobre a pilhagem nos grandes projetos petroleiros são avassaladoras. O PT é apontado como principal articulador da rede que desviou, segundo estimativas da Petrobras baseadas nas investigações judiciais, o equivalente a cerca de US$ 1,8 bilhão. Dois de seus dirigentes estão detidos desde o dia 3 de agosto.
Pelo menos 23 acusados decidiram colaborar com a justiça e outros negociam acordos de delação para reduzir penas, um mecanismo legal brasileiro que permite aos juízes obter informações cada dia mais detalhadas e mais extensas sobre a corrupção aparentemente generalizada em muitos setores. Dezenas de empresários presos, incluindo os presidentes das duas maiores construtoras brasileiras, são um resultado parcial do processo.
Logo será a vez dos políticos que só costumam ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), um privilégio dos parlamentares e de altos membros do governo. Já estão envolvidos pelo menos 31 legisladores, incluindo os presidentes da Câmara Federal, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, além de dois governadores e 14 ex-parlamentares, a maioria do PT e de seu principal sócio na coalizão governante, o PMDB.
Com o escândalo e seu governo adotando políticas econômicas que antes condenava e cometendo outras incoerências, o PT sofre dissensões internas ao mesmo tempo em que perde apoio em setores antes incondicionais.
“É o fim de um ciclo do PT hegemônico, que adotou práticas tradicionais da política brasileira desde o início da República”, em 1889, admitiu Tarso Genro, dirigente e ideólogo do partido, que foi ministro da Justiça e da Educação de Lula e depois governou o Rio Grande do Sul. Os problemas éticos do PT, ao se envolver com a corrupção, “são um componente secundário, que deriva da visão política tradicional à qual se rendeu”, ressaltou à IPS.
Para superar sua crise atual, “terá que se reinventar, preservar sua visão utópica, mas isso não significa voltar às suas origens”, os sindicatos das décadas de 1970 e 1980. “Hoje se reconhece que temos uma sociedade muito mais complexa”, admitiu Genro, advogado e agora dedicado a “refundar” seu partido. Grzybowski duvida da possibilidade de se reformar o PT como uma força de transformação capaz de recuperar a hegemonia.
A razão é que todo o esforço passa por “um sistema político colonizado, herdado da ditadura militar”, que não favorece respostas às demandas da sociedade, pontuou o sociólogo que dirige o Ibase, uma das organizações não governamentais mais reconhecidas do Brasil. “A Constituição de 1988 falhou ao não renovar a política, não mudou as regras para os partidos, que continuam com o monopólio do processo eleitoral. A democracia ainda está por ser feita nessa área”, afirmou.
Essa Constituição, que institucionalizou a redemocratização brasileira após a ditadura militar (1964-1985), reconheceu direitos de variados setores sociais, como o dos indígenas sobre suas terras ancestrais, a infância, os deficientes, ao mesmo tempo em que detalha os deveres do Estado. Por isso é atacada por economistas ortodoxos como fonte de gastos públicos crescentes, impondo o crônico aumento do déficit fiscal e da carga tributária, cujo agravamento nos últimos anos conspira contra o governo Dilma. Isso freia o crescimento econômico, acrescentam.
Apesar dessas críticas, é praticamente impossível mobilizar multidões contra uma Constituição que representa conquistas para a maioria da população. É um fator de estabilidade, que favorece a permanência da presidente, ameaçada de impeachment, ou outros mecanismos de destituição legal, quase em seguida ao início de seu segundo mandato. Na visão opositora, a alternativa é manter um governo em agonia até janeiro de 2019, com a economia e a situação social em deterioração.
“A presidente enfrenta uma crise anunciada, pelas promessas feitas durante a campanha eleitoral do ano passado”, segundo João Alberto Capiberibe, senador pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), partido que abandonou a coalizão governante em 2013. “Mas a crise de credibilidade não afeta apenas a mandatária, ela é a síntese da política nacional, em que também o Congresso Nacional está submerso no descrédito”, afirmou à IPS.
Para o senador, o problema não é a Constituição, mas “o clientelismo, o excesso de empregos públicos e a corrupção”, que impõem “gastos desenfreados aos governos, tanto em nível nacional como estadual e municipal”. E afirmou que, “sem mudar o sistema eleitoral, nada muda”, defendendo o fim do financiamento empresarial das campanhas “para que o poder econômico não continue determinando quem será eleito. Nenhum país do mundo gasta tanto como o Brasil em seu processo eleitoral”.
Essa simples mudança não tem apoio no parlamento, mas tem no STF, onde uma maioria de seis de seus 11 magistrados considerou inconstitucional o apoio financeiro de empresas a candidatos, acolhendo uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil. O argumento foi que as empresas não têm direitos políticos. Mas o pedido de um magistrado de um tempo para examinar melhor o assunto suspendeu a publicação da sentença e frustrou o movimento para reduzir custos e, por fim, a corrupção, nos processos eleitorais brasileiros.
Grande parte do dinheiro desviado da Petrobras foi destinada, segundo os acusados, para financiar campanhas eleitorais e partidos. Isso e a hegemonia do PT fazem parte de um ciclo que parece terminar no Brasil, mas no horizonte, no momento, só aparecem incertezas. Envolverde/IPS